A educação inclusiva é um princípio fundamental para a construção de uma sociedade mais equitativa e justa. Ela defende o direito de todos os estudantes, independentemente de suas condições físicas, cognitivas, sensoriais ou emocionais, a participarem ativamente do ambiente escolar regular. A inclusão vai além da simples presença física do aluno com deficiência na escola; trata-se de assegurar que todos tenham acesso igualitário à aprendizagem, com oportunidades reais de desenvolvimento acadêmico, social e emocional, promovendo o respeito à diversidade humana.
Nesse contexto, a escola desempenha um papel crucial, sendo o principal espaço onde a inclusão deve se materializar. Para isso, é necessário que a instituição escolar esteja preparada para atender às necessidades individuais de cada estudante, oferecendo um ambiente acessível, acolhedor e adaptado. Isso inclui não apenas a implementação de recursos de acessibilidade – como rampas, intérpretes de Libras ou materiais adaptados –, mas também a formação de professores e demais profissionais para trabalharem de forma inclusiva, respeitando as particularidades e as capacidades de cada aluno. A inclusão efetiva depende de uma cultura escolar que valorize a diversidade e promova a participação plena de todos os alunos em todas as atividades educacionais.
Entretanto, para que a educação inclusiva seja de fato implementada, é indispensável a existência de políticas públicas efetivas. Isso significa que a responsabilidade pela inclusão não pode ser delegada exclusivamente à escola ou aos professores, mas deve ser um compromisso do Estado em garantir recursos e suporte contínuo. Políticas públicas bem estruturadas devem fornecer condições adequadas, como a criação de programas de formação continuada para educadores e profissionais de apoio, o financiamento para adaptações físicas e tecnológicas nas escolas, além da contratação de profissionais especializados e intérpretes de Libras.
Quando falamos de políticas públicas bem estruturadas, certamente não estamos defendendo a terceirização dos serviços na educação. Em muitas cidades brasileiras, como Porto Alegre, há uma crescente tendência de se recorrer a serviços terceirizados para garantir a inclusão de estudantes com deficiência no ambiente escolar. Aqui em Porto Alegre o prefeito fez a escolha da terceirização quando estabeleceu um contrato com empresa particular através do Programa Incluir + POA, que supostamente tem como objetivo apoiar o atendimento educacional especializado por meio da contratação de serviços terceirizados.
A terceirização da Educação Inclusiva, embora seja frequentemente apresentada pelos interessados em “abocanhar” recursos públicos, como uma solução ágil para os desafios enfrentados pelas redes públicas de ensino, levanta preocupações sérias quanto à qualidade, continuidade e valorização do serviço prestado. A crítica a esse modelo de gestão é necessária, especialmente quando se considera o impacto sobre os estudantes com deficiência e sobre os profissionais da educação.
A terceirização, ao contrário do que se propõe, pode comprometer a efetividade da inclusão escolar ao fragmentar a estrutura educacional e criar uma relação superficial entre o estudante, a escola e o profissional responsável pelo seu atendimento. Quando o serviço de apoio educacional é terceirizado, a gestão dos profissionais passa a ser feita por empresas ou organizações externas, distanciando esses trabalhadores do núcleo pedagógico da escola e enfraquecendo os laços que sustentam o processo educacional inclusivo.
Defendemos a necessidade de investimento em políticas públicas de curto e de longo prazo. Valorizar e ampliar o quadro de profissionais concursados é uma forma de fortalecer a escola pública e garantir que a inclusão não seja um serviço terceirizado, mas sim uma prática consolidada e integrada ao projeto pedagógico da instituição. Assim, como criar o cargo de profissional de apoio a inclusão no quadro de servidores do município, com formação e remuneração adequada
Uma das críticas mais recorrentes à terceirização é a precarização das condições de trabalho. Profissionais terceirizados geralmente enfrentam:
- Salários mais baixos em comparação com os concursados.
- Menor estabilidade e direitos trabalhistas fragilizados, como benefícios reduzidos e contratos temporários.
- Falta de vínculo com a escola e a comunidade escolar, o que prejudica a continuidade no acompanhamento dos estudantes com deficiência.
- Falta de formação qualificada para atuar com os estudantes com deficiência, não se apropriando do território da escola, das propostas pedagógicas e principalmente da Proposta Político Pedagógica, construída pelo coletivo da escola
Essas condições afetam diretamente a qualidade do atendimento prestado. A alta rotatividade de profissionais terceirizados significa que os estudantes com deficiência estão sujeitos a frequentes trocas de pessoas que os acompanham, comprometendo o desenvolvimento de relações de confiança e continuidade no suporte especializado. Isso é especialmente grave quando se trata de crianças com deficiência que dependem de consistência e previsibilidade nas interações para progredirem em sua aprendizagem e no seu desenvolvimento social.
Diversos relatos têm sido feitos por professores, gestores ou profissionais do Atendimento Educacional Especializado (AEE/SIR) sobre as dificuldades que vários agentes de inclusão (contratos das empresas terceirizadas) apresentam sobre concepção da deficiência, sobre a potência das diferenças; ou por outro lado, de intervenções sustentadas pelo capacitismo que não propiciam o desenvolvimento integral dos estudantes.
Em contraposição ao modelo terceirizado, os profissionais concursados trazem uma série de vantagens para a Educação Inclusiva que são essenciais para garantir um atendimento de qualidade e sustentado a longo prazo. Os profissionais concursados têm um vínculo estável com a rede pública municipal de ensino, o que lhes permite desenvolver um trabalho contínuo e consistente com os estudantes. Isso é crucial para a Educação Inclusiva, já que a construção de uma relação de confiança e o acompanhamento de longo prazo são fundamentais para o desenvolvimento acadêmico e social dos estudantes com deficiência. A continuidade do trabalho dos concursados assegura que o plano pedagógico seja seguido de forma coerente, sem rupturas provocadas pela troca constante de profissionais.
Os profissionais concursados também tendem a ser mais bem qualificados para atuar no ambiente escolar. Além disso, os profissionais efetivos por serem profissionais municipários participam das formações oferecidas pelo sistema, ou as organizadas pela escola, pois acompanham o horário de trabalho e a organização da escola. Os profissionais concursados têm a vantagem de estarem plenamente integrados à comunidade escolar. Eles conhecem o histórico e as especificidades de cada escola, participam ativamente do planejamento pedagógico e estão em contato direto com os demais professores e gestores. Essa integração permite que o trabalho inclusivo seja feito de maneira colaborativa e alinhada aos objetivos educacionais da escola, enquanto os profissionais terceirizados, muitas vezes, atuam de forma desconectada do contexto escolar.
A terceirização da política da educação especial, ou de uma parte desta política, por outro lado, cria uma lógica mercantil para um serviço que deve ser visto como um direito, não como uma commodity sujeito às flutuações de contratos e interesses empresariais.
A terceirização da Educação Inclusiva, como o projeto Incluir + POA em Porto Alegre, deve ser discutida e revista com urgência. Embora pareça oferecer soluções imediatas para a falta de profissionais especializados, ela não responde às demandas mais profundas do sistema educacional e, muitas vezes, precariza o trabalho dos profissionais envolvidos, comprometendo a qualidade do atendimento aos estudantes com deficiência. É urgente, retomar o projeto de Escola Cidadã na cidade de Porto Alegre, com um novo governo que invista em uma educação popular, democrática, inclusiva e plural.
* Karla Wunder da Silva é Professora aposentada da RMEPOA, Pós-doutoranda em Educação, vice-presidente do Fórum pela Inclusão Escolar, Professora convidada da PUC/RS, Coordenadora Pedagógica da CoNéctar.
** Liliane Giordani é Professora da RMEPOA (1996-2011), Professora da Faced/UFRGS, Coordenadora Acadêmica do Fórum pela Inclusão Escolar.
*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko