Distintas partes de Porto Alegre, com a mesma área, possuem um peso eleitoral muito diferente
Uma das notícias mais comentadas sobre os resultados do primeiro turno em Porto Alegre foi que Sebastião Melo venceu em todas as zonas eleitorais. Os mapas com todo município pintado com a mesma cor circularam bastante mas, embora tragam uma informação verdadeira e relevante, são uma simplificação da realidade por, principalmente, três motivos: 1) não se considera o percentual de votos que cada candidato recebeu em cada área, apenas quem foi o vencedor; 2) as zonas eleitorais são regiões grandes e heterogêneas, agregando bairros com diferentes perfis demográficos e eleitorais; 3) as regiões possuem diferentes densidades demográficas e, consequentemente, de eleitores, o que faz com que distintas partes da cidade com a mesma área possuam um peso eleitoral muito diferente, o que não é retratado num mapa por zonas.
Uma forma de retratar o resultado da eleição de modo mais detalhado é apresentar os dados por local de votação em vez de zona eleitoral. Neste primeiro mapa que apresentamos, está representado o candidato mais votado em cada local e o tamanho de cada círculo é proporcional ao total de votos (em todos os candidatos). Sebastião Melo ganhou em 315 locais, Maria do Rosário em 21 e Juliana Brizola em 2. Houve apenas um empate, entre Melo e Rosário. Se agregarmos esse resultado pelos bairros onde estão localizadas as seções (que não são necessariamente os bairros de residência do eleitor), Maria do Rosário venceu na Cidade Baixa, Farroupilha e Bom Fim (além de alguns locais no Centro Histórico, Santana, Azenha, Lomba do Pinheiro e Petrópolis). Sebastião Melo, por outro lado, venceu em 86 bairros. Por tanto, mesmo que não tenha sido na cidade inteira, a vitória do atual prefeito foi muito abrangente.
Para avançar mais na análise é preciso observar também o percentual de votos em cada local e, para isso, a visualização fica mais clara com mapas por candidato. Também é interessante comparar com o desempenho do candidato (ou de seu partido) na eleição anterior, para entender se a distribuição espacial dos votos teve modificações ou se o candidato cresceu (ou diminuiu) de forma homogênea por toda a cidade. Nos próximos mapas apresentados, o tamanho do círculo é proporcional ao número absoluto de votos que o candidato recebeu em cada local em cada ano. Já a cor varia de acordo o percentual dos votos válidos atingido. É importante destacar que as cores não são diretamente comparáveis entre os mapas, já que são definidas por candidato e por eleição. Ou seja, mostra os locais onde aquele candidato foi melhor e pior em relação a ele mesmo e não em relação a seus oponentes.
Os bairros em que Sebastião Melo (MDB) teve seu melhor desempenho foram Serraria (75,3%), Ponta Grossa (65,7%), Belém Velho (59,7%), Jardim Lindóia (59,5%), Campo Novo (58,8%), Chapéu do Sol (58,6%), São Sebastião (58,5%), Três Figueiras (58,5%), Vila Nova (58,3%) e Jardim São Pedro (58,2%). Em comparação a 2020, o atual prefeito aumentou sua votação em todos os bairros e a distribuição espacial dos seus votos não apresentou alteração muito expressiva, embora alguns bairros próximos ao Guaíba tenham apresentado um crescimento de votos menor que a média, o que pode estar relacionado à enchente.
Maria do Rosário (PT) teve suas maiores votações na Cidade Baixa (43,9%), Farroupilha (40,6%), Bom Fim (39,1%), Azenha (36,2%), Centro Histórico (36,2%), Santana (35,5%), Independência (32,6%), Santa Cecília (32,2%), Cascata (32,1%) e Jardim Carvalho (31,9%). Se compararmos com o desempenho de Manuela D’Ávila em 2020, muitas das regiões em destaque se mantêm, mas houve uma maior concentração dos votos na área central. Um dos bairros periféricos onde foi verificada uma queda é a Restinga, bairro onde o PT e seus aliados historicamente fazem boas votações. Em 2020, Manuela conseguiu 33,7% dos votos do bairro no 1º turno e 55,4% no 2°. Em 2022, Olívio fez 60,2% e Lula fez 62,8% (1T) e 63,9% (2T). Já em 2024, a Maria do Rosário teve apenas 26,1% dos votos na Restinga.
Juliana Brizola (PDT) foi a candidata que teve o padrão espacial de distribuição de votos menos definido, o que talvez seja explicado por sua aliança com partidos de diferentes perfis. Seu maior crescimento em relação à eleição anterior foi no extremo sul do município, região onde o seu candidato a vice possui base eleitoral. Seus melhores resultados foram nos bairros Extrema (42,8%), Lami (42,0%), Boa Vista do Sul (38,0%), Lageado (36,9%), Farrapos (28,2%), Belém Novo (28,0%), Humaitá (27,1%), Restinga (25,0%), Pitinga (22,2%) e Parque Santa Fé (22,0%).
O Partido Novo lançou candidato a prefeito de Porto Alegre pela primeira vez, mas a distribuição dos votos seguiu o mesmo padrão espacial que o partido apresenta em todas as eleições, para diferentes cargos: uma enorme concentração nas regiões mais ricas da cidade. Os maiores percentuais de votos válidos de Felipe Camozzato foram nos bairros Três Figueiras (10,0%), Bela Vista (10,0%), Boa Vista (9,9%), Rio Branco (8,7%), Higienópolis (8,4%), Auxiliadora (8,3%), Moinhos de Vento (8,3%), Montserrat (8,0%), São João (7,9%) e Petrópolis (7,7%).
Além dos votos em candidatos, também é importante analisar aqueles eleitores que optaram por nenhum deles, ou seja, os brancos, nulos e abstenções, que foram o grande destaque das eleições. Aliás, conquistar esses votos é uma das poucas chances que Maria do Rosário tem de tentar virar o resultado do primeiro turno, já que Melo já chegou muito perto dos 50% dos votos e ainda deve herdar praticamente todos os eleitores de Felipe Camozzato.
Primeiro, é importante separar os brancos e nulos das abstenções. Enquanto os primeiros têm se mantido relativamente estáveis nas eleições municipais de Porto Alegre nos últimos 20 anos (com exceção de 2016), as abstenções apresentavam crescimento constante até 2016, deram um salto em 2020, durante a pandemia, e se mantiveram praticamente no mesmo nível em 2024.
A distribuição espacial desses votos também é diferente, com os brancos e nulos se concentrando mais nos bairros periféricos, como mostram os mapas a seguir.
Existem muitos fatores que contribuem para o aumento das abstenções nos últimos anos e é difícil medir de forma precisa o peso de cada um. Há, por exemplo, mudanças nos próprios procedimentos eleitorais, com a facilitação da justificativa para quem não foi votar. Hoje em dia é possível justificar a ausência até pelo aplicativo do TSE, sem sair de casa, o que pode incentivar a abstenção.
Há também fatores demográficos. O principal deles é o envelhecimento da população, já que os idosos tendem a votar menos tanto porque o voto não é obrigatório a partir dos 70 anos quanto por problemas de saúde e dificuldades de locomoção. O TSE ainda não divulgou os dados detalhados para 2024, mas em 2022 a abstenção média em Porto Alegre entre os eleitores de 16 a 69 anos foi de 16,8%. Dos 70 aos 79 anos, foi de 42,7% e acima dos 80 anos, de 78,5%. Como há uma tendência de envelhecimento na população, isso faz com que a abstenção aumente. E no RS essa tendência está mais adiantada do que no restante do Brasil.
Outro fator demográfico é a migração. Porto Alegre está perdendo população para outros municípios e uma parte dessas pessoas não transfere o título de eleitor, aumentando a abstenção. Não existem dados de eleitores que se mudaram, mas um indicador para isso é comparar o número de eleitores acima de 18 anos inscritos no município com a população acima de 18 anos no Censo Demográfico. Em 2010, o eleitorado brasileiro representava 99,1% da população. Em 2022, passou para 99,4%. Já em Porto Alegre, esse número foi de 97,6% para 101,8%. É um forte indício de que há mais eleitores daqui morando em outras cidades.
Há ainda questões trabalhistas. Com a precarização das relações de trabalho, cada vez mais gente trabalha nos finais de semana, o que também contribui para aumentar a abstenção.
Tudo que foi citado até agora ajuda a entender a tendência de longo prazo de aumento das abstenções no Brasil e porque em Porto Alegre esse processo é de maior intensidade. Mas não explica os motivos pelos quais, nas eleições municipais de 2020, o município fugiu tanto do padrão, como mostra o gráfico comparando as abstenções em Porto Alegre e no Brasil nas últimas três décadas.
Uma primeira curiosidade desse gráfico é que, até a pandemia, as abstenções no Brasil costumavam ser maiores nas eleições nacionais do que nas municipais, mas em Porto Alegre a tendência era inversa. Também é interessante perceber que Porto Alegre possuía uma taxa de abstenção abaixo da média nacional nos anos 90 e início dos 2000, mesmo já tendo uma população mais envelhecida, o que pode indicar que, no período em que a cidade era referência em democracia participativa, a população dava mais importância às eleições.
Em 2020, a abstenção cresceu em todo país, devido à pandemia. No entanto, o crescimento em Porto Alegre foi absurdamente maior. Uma hipótese a ser considerada é que, em Porto Alegre, é mais comum do que em outros lugares famílias da classe média possuírem casas de veraneio, o que pode ter contribuído para mais gente sair da cidade na pandemia. Um indício disso é que, em 2022 houve uma queda generalizada da abstenção na cidade em relação a 2020, mas as maiores quedas foram observadas nos bairros Bela Vista, Bom Fim, Moinhos de Vento e Farroupilha, locais em que a maioria dos moradores tem renda suficiente para ter casa na praia.
Em 2024 o tamanho da abstenção também impressiona, já que chegou quase ao mesmo nível de 2020. Um fator importante com certeza foi a enchente e um sinal disso é que o maior crescimento das abstenções em 2024 aconteceu no bairro Arquipélago, provavelmente em famílias que ainda não voltaram para suas antigas casas. Mas como as abstenções cresceram fortemente em todos os bairros da cidade, os deslocamentos causados pela enchente explicam uma parte pequena do resultado.
Sem dúvida, há fatores políticos que também ajudam a explicar. Em 2022, a abstenção foi muito menor do que em 2020 e em 2024 não apenas por causa da pandemia e da enchente, mas também porque foi uma eleição extremamente polarizada. Praticamente todos os brasileiros possuíam uma opinião definida sobre Lula e Bolsonaro e, naquela conjuntura, a grande maioria via importância em votar. Já em 2024, em Porto Alegre, a situação foi bem diferente, pelo menos no primeiro turno. Maria do Rosário tentou se afastar da visão de que é de esquerda e defensora dos direitos humanos. Em junho, foi a única deputada federal do PT a votar contra a “saidinha” e, na campanha, tem repetido que foi autora de uma lei que aumentou a pena para crimes cometidos contra policiais. Nos programas de TV, foi apresentada como uma mãe de família cristã e escolheu para ser seu principal cabo eleitoral o ex-prefeito José Fortunati, de quem Melo era vice. Por outro lado, Melo deixou de lado o discurso de extrema direita e evitou associar seu nome ao de Bolsonaro, uma mudança em relação à eleição anterior. Talvez alguns eleitores não tenham achado que as diferenças eram tão grandes e optaram por não ir votar. No segundo turno, algumas mudanças já foram vistas, como a presença de Michelle Bolsonaro em um ato da campanha de Melo. Nesses últimos dias, os candidatos precisam convencer os eleitores não apenas que suas propostas são melhores que as do adversário, mas que são importantes o suficiente para eles saírem de casa para votar. Inclusive aqueles que estão morando em outra cidade.
* André Coutinho Augustin é pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo