Temos que ter planos para adiar o fim de mundo, queremos a Amazônia em pé, saudável e plena
Parece que foi ontem! Há oito anos, em meados de maio de 2016, durante as minhas férias conversava com meu irmão sobre os sonhos e coisas legais que poderíamos fazer no Tarumã. A bacia hidrográfica do Rio Tarumã, Manaus/Amazonas, é ambiente natural de uma biodiversidade linda e exuberante, águas negras na cheia, onde a fauna de botos e preguiças reais habitam.
A bacia fica próxima à Região Metropolitana de Manaus, há menos de 30 minutos do centro da cidade. A área de rio é acessada por meio da marina pública conhecida como Marina do Davi, onde a população e visitantes e turistas pegam botes (barcos pequenos) para fazer passeios ou mesmo ir para as suas casas. Dentro da bacia, há em torno de sete comunidades de povos originários e ribeirinhas e que dependem desse transporte diariamente para acessar a cidade de Manaus.
Na ocasião, falávamos sobre o quanto as atividades dos flutuantes, estruturas de madeira que ficam em cima da água, poderiam gerar impactos negativos no local, e a preocupação dos resíduos gerados e a sua logística, e a geração de esgoto e tanto outros impactos causados pelo avanço das atividades de lazer e turismo.
Passamos desde então, a fazer mutirões de coleta de resíduos no local por meio do projeto Remada Ambiental (@projetoremadaambiental), iniciativa que une esporte e educação ambiental para a retirada de resíduos em ambientes de rios e igarapés. Nós já coletamos mais de 135 toneladas de resíduos sólidos urbanos que chegam indevidamente da cidade por meio do Igarapé do Gigante, um dos afluentes do Rio Tarumã e Rio Negro, que deságua logo próximo da Marina do Davi.
Hoje, em outubro de 2024, observamos o local muito seco, pois período da estiagem. Já considerada uma das mais severas secas pela qual passou a região. Sim, passava um rio ali! Hoje há pontos que eram navegáveis onde a profundidade do rio não passa de 60 centímetros. Agora, além de termos que lidar com a poluição, temos que lidar com as mudanças do clima: calor intenso, falta de chuva na maior floresta do mundo. A paisagem choca, entristece, e penaliza as pessoas que ali vivem, porque ficam isoladas, e o trabalho fica cada vez mais difícil além das doenças que se manifestam devido à falta de saneamento.
Mas, afinal, quem está causando todos esses impactos e quem está sofrendo seus efeitos e impactos negativos na prática?
Ouvi uma frase do Ailton Krenak que dizia assim: “não podemos cair nessa narrativa de final do mundo que estão nos vendendo”. Eu fiquei refletindo sobre essa frase, e sim, essa crise climática que estamos vivendo tem nome, endereço e conta bancária. Uma dúzia de gigantes grupos empresariais que ditam as regras de mercado e os países vão fazendo os acordos bilaterais de acordo com a sua estrutura política e governamental.
Cientistas falam sobre o ponto de não retorno da Amazônia e as pessoas se distraem assistindo vídeos divertidos no TikTok. A ausência de uma consciência Pachamama está em todas as partes do mundo. A desconexão com a nossa simplicidade, senso de coletividade, solidariedade e amor por todos que habitam esse mundo é notória.
A nossa civilização cansada e cheia de planos não está olhando para o presente, muito menos para as gerações futuras.
Que legado deixaremos para as próximas gerações?
“La gente deja campos, casas, dinero o educación para sus hijos, o algunos de esos lugares comunes con los que nos conformamos. Pero un legado es algo diferente. Es haber pasado por este bello planeta, con los días que nos tocó, y haber hecho algo para que al partir esté mejor. Y dejar la casa común más sana, más limpia, más armónica y a sus habitantes con conciencia de habitar en esta casa. Esta casa común en los Andes la llamamos Pachamama." (Mestres Andinos)
Temos que levar isso em conta ao propor planos para adiar esse fim de mundo, queremos a Amazônia em pé, saudável com toda a sua inestimável biodiversidade, a sua fauna e flora e toda a sua plenitude.
Não podemos normalizar essa inércia de muitos, somos um exército de pessoas que sim, se preocupam com a vida em todas as suas instâncias.
Podemos começar nos perguntando o quanto consumo e de quem estou consumindo, pois nessa linha muitas empresas não estão cumprindo as suas responsabilidades e somos coniventes com os impactos que estão sendo gerados. E temos que cobrar por gestores públicos que sim entendam que a questão não é pauta de ambientalista, é pauta de todos e dela depende o nosso presente, nosso bem-estar e ambiente saudável e que todos, absolutamente todos têm direito.
Fico aqui com mais uma frase do Krenak: “eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo e que eu consigo pensar é natureza". O rio é natureza, as plantas são natureza, o solo é natureza, a fauna é natureza, a flora é natureza, a montanha é natureza, nós somos natureza.
* Joice Juana, sócia fundadora da Apoena Socioambientel e da Awty Guardião dos Rios. Ativista da Nación Pachamama.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko