Rio Grande do Sul

DIA DA ALIMENTAÇÃO

Partilha do campesinato: cinco toneladas de alimentos agroecológicos são doados a cozinhas solidárias

Cozinhas solidárias da Azenha e Periferia Feminista, em Porto Alegre, e do MAB, em Canoas, receberam alimentos do MPA

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Cinco toneladas de alimentos produzidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores foram entregues a cozinhas solidárias - ana c

Movimentos sociais se uniram para doar um caminhão cheio de alimentos agroecológicos para cozinhas solidárias, em ação pelo Dia Mundial da Alimentação, nesta quarta-feira (16). Cinco toneladas de alimentos produzidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) foram entregues para a Cozinha Solidária da Azenha e a Cozinha Solidária Periferia Feminista, em Porto Alegre, e para a Cozinha Solidária do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB), em Canoas.

As cozinhas solidárias têm atuado na erradicação da fome nos centros urbanos, distribuindo marmitas gratuitamente para a população e executando um trabalho junto às comunidades vulneráveis onde falta a atuação do poder público. Destaque para a atuação durante a pandemia de covid-19 e, atualmente, no Rio Grande do Sul, nas enchentes que devastaram o estado.

Coordenadoras e coordenadores dos movimentos sociais destacar a importância desta integração dos trabalhadores do campo e da cidade. Reforçam ainda a importância da criação e do fortalecimento de políticas públicas para que ações pela conquista de direitos fundamentais sigam crescendo e se desenvolvendo.


"A ação é uma extensão da nossa casa. Os alimentos que estão chegando aqui não são qualquer alimento. A banana que a gente come lá é a mesma banana que tá chegando aqui, o repolho que a gente come lá é o mesmo que está chegando aqui. Não tem distinção. O que a gente está trazendo aqui é o que o campesinato está produzindo e trazendo para os trabalhadores aqui da cidade, no compromisso que temos de fazer essa aliança entre o campo e a cidade", afirma Miqueli Schiavon, dirigente estadual do MPA.


Trabalho conjunto da Rede Camponesa de Agroecologia e outras parcerias / Foto: ana. c

Os alimentos são coloridos e diversificados, fruto do trabalho conjunto da Rede Camponesa de Agroecologia e de outras relações que o movimento estabelece com a Fundação Banco do Brasil (FBB), através do Programa Ajuda Humanitária e da parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Se soma ainda, a este movimento, a campanha Sementes da Solidariedade, com todas as entidades que a compõe, que viabilizaram o transporte.

"O papel do campesinato é de fato produzir comida de qualidade e o reflexo disso está aqui. O MPA fica muito feliz e grato de poder trazer esses alimentos para cá, pois a gente está junto nas trincheiras, somando nos processos de luta e no desafio de construir novas políticas públicas que deem conta dessas necessidades." completa Miqueli.


Miqueli Schiavon do MPA: "a ação é uma extensão da nossa casa: os alimentos que estão chegando aqui não são qualquer alimento" / ana c

Coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) e da Cozinha Solidária da Azenha, Fernando Campos Costa  lembra que os efeitos da enchente de maio ainda não foram completamente superados. De acordo com ele, as situações de instabilidade nos territórios ainda são grandes.

"Realmente a gente não está com os problemas resolvidos", alerta. "O plano diretor da cidade delega coisas para o campo, para o meio rural. Assim, cada vez mais temos que tirar os 'muros' que dividem o urbano e o rural e enxergar isso tudo como parte de um sistema único. As cozinhas têm sido um caminho para que a classe trabalhadora do rural consiga entregar alimento para a classe trabalhadora urbana."

Dia de luta

Para Ana Isabel Ramalho, do MPA de Rondônia, o dia Mundial da Alimentação deve ser pautado como um dia de luta. "Esse não é um dia que a gente celebra, porque se a gente tem muita gente com fome nesse país, é um dia que a gente construiu para fazer luta."

Uma luta que, como lembra a militante, "é historicamente marcada pelo enfrentamento às grandes corporações nacionais e internacionais", que dominam toda a riqueza do país, do continente e do mundo.

De acordo com ela, construir soberania alimentar passa também por construir reforma agrária popular, assim como uma série de direitos. "Quando a gente reparte, a gente não doa o que está sobrando, a gente está repartindo o que a gente tem de melhor. Essa é a essência do campesinato."

Mulheres nos territórios

Representante da Marcha Mundial de Mulheres e da Cozinha Solidária e Horta Comunitária do Morro da Cruz, Any Moraes ressalta o papel das mulheres. "As experiências das cozinhas solidárias demonstram também a iniciativa prioritária das mulheres nos territórios. São as mulheres que estão em maior situação de insegurança alimentar, mas também são elas que estão liderando esses processos e buscando soluções frente à ausência de políticas públicas."


"São as mulheres que estão em maior situação de insegurança alimentar, mas também são elas que estão liderando esses processos e buscando soluções frente à ausência de políticas públicas" / ana c

Ela pontua que as cozinhas solidárias e as hortas comunitárias, desde a pandemia, vêm demonstrando esse processo organizativo das mulheres nos territórios, que atravessam outros temas inerentes à suas vida. Nesses espaços dialoga-se sobre violência contra as mulheres, situação de dignidade menstrual, violência contra as crianças.

"Esses temas se atravessam - não é só o plantar e o cozinhar, ou a ação de solidariedade por si só, mas uma conscientização e uma auto-organização dessas mulheres", afirma.

Conforme utilizam as cozinhas solidárias, as mulheres relatam que conseguem economizar em gás de cozinha e assim, sobra renda para investir em melhorias na infraestrutura das suas casas. Recentemente, agentes do posto de saúde local procuraram o espaço da Cozinha Solidária do Morro da Cruz, pois perceberam que as crianças estavam mais saudáveis - verificado pelo fato de estarem ganhando peso, conforme os registros de pesagem para o programa Bolsa Família.

''Isso é reflexo da atuação das cozinhas solidárias, pois ali as crianças conseguem se alimentar com qualidade, no almoço e na janta, ainda mais no período das enchentes, quando as escolas estavam fechadas", complementa Any.

Para Jacira Dias Ruiz, representante da Cáritas RS, a experiência da cozinha solidária é muito inspiradora e deve ser reconhecida. "Vocês não enfrentaram só água, mas muitas outras resistências. Isso aqui é inspirador como estratégia de organização, como estratégia de conscientização das pessoas, algo que tem em vista alimentar o corpo, os sonhos e as utopias."


Edição: Marcelo Ferreira