Já se passaram cinco meses da pior tragédia vivida no Rio Grande do Sul e o sistema de proteção contra cheias de Porto Alegre continua precarizado. Mas este não é o único problema da cidade, que segue com localidades vivendo sob medo contínuo de chuvas e alagamentos.
Lidiane Alves Machado relata a dificuldade enfrentada por ela e seus vizinhos. “O problema aqui, que nós já tínhamos, e agora, depois da catástrofe da enchente, piorou, é dos esgotos. A gente tem um medo, a gente cada dia que chove ou que o tempo está para chuva, a gente já fica apreensivo... 'Meu Deus, vai chover e vai alagar’.”
Comerciante, Lidiane é liderança comunitária de uma vila próxima à entrada da cidade, no bairro Humaitá, a Casa de Passagem Carandirú. Lá vivem, há quase 20 anos, mais de 160 famílias oriundas da outras vilas removidas pelo poder público. O local era para ser provisório até o encaminhamento para novas habitações, o que nunca ocorreu.
Confira a reportagem em vídeo:
Ela conta que uma chuva forte em setembro, dias antes do primeiro turno das eleições, fez os moradores reviverem o trauma da enchente. “Aqui alagou também. As casas... Aqui, onde nós estamos mesmo, eu já tive que erguer as coisas. Porque como é o meu comércio, agora, depois da catástrofe eu perdi muitas coisas. Aqui era cheio de freezer, eu vendia pão, ali era o forno. Tudo foi pro lixo, porque nada deu pra aproveitar”, disse, mostrando o espaço.
Todas as famílias da vila estão cadastradas no programa de subsídio de moradias do governo federal, o Compra Assistida. Cerca de 40 já assinaram contrato e devem se mudar em 2025. Esperança da conquista de uma moradia digna após tanto tempo. Porém, até lá, pedem que a prefeitura efetue a limpeza dos esgotos que retornam para dentro de seus pátios e casas.
"Nem aguento eu ficar dentro de casa"
Moradora do local, Nathaly da Rosa também comenta a situação. “A minha casa está alagada de fora a fora. Começa na frente da casa até o final. O meu roupeiro vai estragar por causa da água e está tudo alagado, por causa dos esgotos. A merda boiando, lixo, fedor. Tem que ver o fedor que está dentro da minha casa. Nem aguento eu ficar dentro de casa.”
Os fundos da casa de Marino Brasil estão com uma poça de esgoto a céu aberto. “Eu peço encarecidamente, pelo amor de Deus, que eles venham e deem um jeito de fazer alguma coisa. Não só para mim, mas para todo mundo. Porque é triste a pessoa chegar ali, comer com esse fedor, dormir com esse fedor, se não tem um ventilador, é aquele cheiro insuportável.”
Lidiane conta que já procurou os serviços da prefeitura. “Tem que vir fazer a limpeza, já ligamos para o DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgotos), já ligamos para a subprefeitura, já mandamos para o gabinete de vereador que se diz da comunidade. A gente está aguardando aqui, eles só sabem dizer que vão vir e que a gente tem que esperar, tem que aguardar, que as demandas são grandes”, conta.
Desiludido, Marino questiona onde está a consciência do poder público. “Aí reclamam que não votaram, que o pessoal não apareceu. Mas se aparece, eles não fazem nada. Se não aparece, também não fazem. Então a pessoa, sei lá... o pessoal vai dar os trocos agora no segundo turno. Eu, por exemplo, já não vou votar. Votei no primeiro turno e não vou votar.”
Bares do 4º Distrito
No outro extremo da região conhecida como 4º Distrito fica o bairro Floresta, que nos últimos anos viu aumentar o número de bares e estabelecimentos culturais. Hoje, em meio às marcas da enchente e dificuldade em obter financiamento, empresários que conseguiram retomar seus empreendimentos pedem apoio do poder público. Como no caso do bar Jardim São Geraldo.
É o que conta o proprietário Alessandro Kny. “A gente não teve, após a enchente, nenhum tipo de incentivo ou nenhum tipo de apoio para mostrar, inclusive, para as pessoas, que o nosso lugar voltou, que o 4º Distrito voltou. Infelizmente, não todos, porque não são todos que conseguiram retornar.”
Segundo ele, o bar existe há cinco anos e estava consolidado, mesmo tendo passado dificuldades durante a pandemia de covid-19. Após a enchente, conta que voltaram com toda a força. “A gente conseguiu retornar pelo apoio que a gente teve de nossos clientes, amigos.”
“Infelizmente outros bares não. Muita gente estava vindo para o 4º Distrito. Então, muitos bares tinham acabado de abrir. Esses bares, infelizmente, não conseguiram [retomar]. A gente estima que em torno da metade dos bares do 4º Distrito não retomaram”, prossegue.
Apreensão com o sistema de proteção
As casas de bombas que drenam a região em caso de enchente passaram por reparos mas aguardam reforma. Assim como as comportas que impedem que a água do Guaíba invada a área central da cidade. Na região próxima ao bar, as comportas seguem quebradas, preenchidas com sacos de areia.
Alessandro conta que a demora na reforma do sistema deixa os empresários apreensivos. “Aí vem uma preocupação enorme, as casas de bombas seriam o ponto principal. A gente não consegue mais entender o porquê de não estarem já preparadas para qualquer tipo de infortúnio."
A prefeitura informa que oficializou, no dia 15 de outubro, a contratação de uma empresa para, num prazo de 15 meses, realizar uma consultoria sobre o sistema de proteção de enchentes que já existe, além de estudos sobre um sistema para o Sul da cidade, que não conta com proteção. Até lá, paira entre a população de Porto Alegre o medo de uma nova enchente.
A reportagem questionou a prefeitura de Porto Alegre sobre a limpeza dos esgotos entupidos na Casa de Passagem Carandiru e sobre as ações de incentivo a bares do 4º Distrito. Até o fechamento da reportagem, não houve resposta.
Edição: Vivian Virissimo