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Coluna

O poder da literatura: sobre a Festa Literária em Paraty

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Entre os dias 9 e 13 de outubro aconteceu a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty - Tomaz Silva/Agência Brasil
Me preocupa também a falta de reação e de respostas. Serei só eu a ver isso?

Vou fazer uso deste espaço, como o seu nome o indica, dialogando de maneira feminista com vocês, pois estou com uma inquietação.

Entre os dias 9 e 13 de outubro aconteceu a FLIP – Festa Literária Internacional de Paraty e fiquei com várias ideias quicando.

Uma delas foi a partir da mesa conformada pela poeta Bruna Mitrano e o escritor José Falero, com mediação da poeta Stephanie Borges.

O escritor gaúcho vem falando de como sua relação com a escritora Dalva Maria Soares vem influenciando sua forma de ver o mundo e, sobretudo, da descoberta de tremenda toxicidade masculina que eleva o Brasil ao 5º país em violência contra as mulheres.

Chegando ao final da conversa, Stephanie convidou a Bruna e José para lerem um trecho da sua obra. Ele começou, como todas as vezes. Antes de mostrar um trecho do seu próximo romance, mencionou que havia um alerta de gatilho de violência contra as mulheres.

E foi fundo mesmo, na incrível descrição de um homem furioso contra “sua” mulher. Ela tinha ido visitar a sua mãe e não deixou a comida pronta, nem a casa limpa, enquanto o coitado passava fome e sua boca cada vez secava e grudava mais, consequência da ressaca da bebedeira da noite anterior. O ódio do omi vai crescendo a cada linha.

O que deveríamos de ter feito todas nós que já passamos por violências frente a sua alerta? Sair do auditório? Se ele faz uma alerta de gatilho, ou seja, ele está reconhecendo que nas suas palavras haverá violência, o que tem isso a ver com um homem em desconstrução do seu machismo?

E se esse texto fosse escrito por uma pessoa branca e fosse uma pessoa negra a passar por todas essas violências narradas com alto luxo de detalhes, o público teria ficado assim, aplaudindo e falando maravilhas do autor?

Eu não entendi onde está a desconstrução do machismo, por isso estou aqui, escrevendo para dialogar com vocês, porque talvez essa violência narrada com tanta efetividade que tão violentada me deixou até o dia seguinte, mais me parece uma continuação do mesmo, um clichê da sociedade patriarcal, do que uma nova proposta.

Me preocupa também a falta de reação e de respostas. Serei só eu a ver isso? Algumas pessoas diziam, talvez depois o texto muda. Mas a gente ouviu um recorte feito pelo próprio autor. Essa foi a amostra que ele quis oferecer deixando a violência instalada. E ele sabia disso, pois houve e eu ouvi o alerta de gatilho.

Essa violência não é maior que quando o poeta Vinicius de Moraes canta como sussurrando ao ouvido de tantas mulheres heterossexuais, e as pessoas cantam junto: Você tem que me fazer um juramento / De só ter um pensamento / Ser só minha até morrer.

Como diria a espanhola Brigitte Vasallo, em outra mesa, isso que chamam amor, mata 80.000 mulheres por ano no mundo. E eu insisto, e quantas ficam feridas?

No seu livro O desafio poliamoroso, por uma nova política dos afetos, afirma “a monogamia é um sistema, não uma prática”.

Se me perguntaram como desconstruir a violência, eu responderia conversando sobre ela, nunca a reproduzindo. Faz um tempo que venho falando que é um tema do que precisamos conversar mais. Muito mais. Assim como quando se escreve sobre abusos sexuais. Nunca narrar descrevendo o fato, pois isso dá de comer aos fetichistas e, também, volta a instalar no terror a quem passou pelo pesadelo. Nesse caso, Falero poderia ter descrito as sensações horríveis pelas que passa quem é violentada. Também serve como um excelente exercício, mesmo que não for publicado. Escrevi sobre isso nas minhas redes quando aconteceu a denúncia do ex ministro dos direitos humanos.

Recomendo muito a mesa na qual Brigitte conversou com Geni Nuñez, ambas trabalham não só a desconstrução amorosa imposta pelo CIStema, como também, falam sobre novas possibilidades. E esse grande momento teve uma mediação brilhante da livreira Nanni Rios. Aproveito a dizer que, infelizmente, as mediações tendem a ser invisibilizadas, enquanto que é um trabalho à altura das pessoas convidadas.

É possível assistir todas as mesas da FLIP, no Youtube da Festa.

Quando chegou seu momento, Bruna Mitrano, tranquila e quietinha como ela é, deu a melhor resposta. Num poema curto, descreve uma mulher degolando um homem e guardando sua cabeça dentro de uma sacola de supermercado.

Bruna deixava seu recado: a arte é maior do que a realidade.

* mariam pessah é ARTivista feminiSta, escritora, poeta e tradutora. Autora de Meu último poema, 2023; Em breve tudo se desacomodará, 2022; entre outros. Organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre, desde 2017, e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta.  Atualmente também tem uma coluna Conversa in vers(A) no Youtube do Jornal Poesi(A).

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo