Também é necessário abordar a construção de um individualismo que segrega pessoas em suas casas
Tive o privilégio de participar ativamente na coordenação da vitoriosa campanha eleitoral do meu namorado, Gustavo Almansa (PT), o primeiro vereador assumidamente LGBT eleito no município de Cachoeirinha (RS). Juntos, percorremos praticamente toda a cidade, entrando em cada viela. Conversamos com muitas pessoas, ouvimos inúmeras histórias. Foi uma experiência incrível e enriquecedora, mas também triste e dolorosa. Como tudo na vida, havia os dois lados.
Escutamos muitas pessoas clamando por socorro, sentindo-se abandonadas pelo Estado. Geralmente, fazíamos a seguinte pergunta: Como você tem se sentido? A partir dessas conversas, buscávamos pensar em propostas de políticas públicas capazes de minimizar o desamparo de tantas vidas. Durante toda a campanha, nos guiamos pelo ideal de que a política deve ser horizontal, e que as demandas devem emergir do povo, e não de um indivíduo que, de forma verticalizada, presume saber o que é melhor para os outros.
Na nossa experiência, encontramos pessoas em estado de extremo sofrimento, se agarrando à vida por um fio. E ao falar de “fio”, me lembro de uma senhora, moradora de um bairro periférico, que nos disse que só precisava de um grupo de tricô. Algo que a tirasse de casa, que a ajudasse a não pensar, diariamente, no dilema de continuar vivendo ou não. Uma metáfora poderosa: o encontro com o outro através do tecer dos fios ajudando a sustentar o desejo de seguir vivendo.
No dia 10 de outubro, celebramos o Dia da Saúde Mental. Descobri isso assistindo ao jornal durante o almoço. Nele, vi uma colega psicóloga falando sobre o tema. No entanto, o que realmente me chamou a atenção foi a ausência de qualquer análise minimamente crítica sobre o contexto social. Afinal, falar sobre saúde mental é falar sobre luta de classes.
Falar de saúde mental é discutir a exploração trabalhista intensificada após a reforma neoliberalista do governo Michel Temer. É falar sobre a reforma da previdência, que forçará muitos de nós a trabalharmos até o fim da vida. É abordar a devastação ambiental que destrói vidas em prol do enriquecimento insaciável de poucos. É debater a macroestrutura machista que objetifica e violenta os não homens, ao mesmo tempo em que impõe ideais inatingíveis e adoecedores aos corpos masculinos. É expor a exclusão de corpos que não pertencem à norma cis-heterossexual. E, claro, é falar do racismo, que ainda submete corpos negros a um ideal violento e inalcançável de branquitude.
Também é necessário abordar a construção de um individualismo que isola e segrega pessoas em suas casas, enfraquecendo os movimentos coletivos de luta e adoecendo inúmeras vidas que, muitas vezes, pedem apenas por algo tão simples como um grupo de tricô.
Jacques Lacan, psicanalista francês, utiliza a imagem topológica da fita de Möbius, aquele enigmático objeto com um só lado, sem distinção entre dentro e fora. Uma metáfora de quem somos. Tudo está interligado. O social compõe o individual, e vice-versa. Falar de saúde mental é questionar e transformar o social. É lutar por um movimento antimanicomial, reconhecendo que o isolamento dos corpos fortalece o sistema de exploração vigente. Falar de saúde mental é, essencialmente, falar de revolução! Falar de saúde mental é um ato político e indissociável da política. Seguiremos lutando!
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo