Rogério Castro se estabeleceu na rua Mata Bacelar, quase esquina Xavier Ferreira, na capital Porto Alegre (RS). Aos poucos, desde o início das enchentes, em maio, foi fazendo seu “chalé” com madeiras, restos de obras e outras quinquilharias “que as pessoas jogam fora”. Ficou bem ajeitadinho. Não entra água da chuva. Colocou um protetor de alumínio no teto. Foi se virando com o que aparecia. Ali tem o seu colchão, suas roupas e seu “patrimônio” constituído de roupas que vai ganhando, galões de água, panela e uma espiriteira a álcool para fazer alguma comida ou aquecer alguns ovos, como fazia neste domingo (13) enquanto lagarteava ao sol em uma velha cadeira de praia que recebeu de uns vizinhos do bairro Auxiliadora.
Mora com Judite, sua companheira há mais de cinco anos. É uma cadelinha que adotou nas ruas do Parque dos Maias, quando ela estava com cinco meses. Não desgruda de Rogério, 56 anos, nascido no Bairro Areal em Pelotas no dia 2 de maio de 1968. Há muitos e muitos anos – ele nem lembra mais o ano exato – saiu daquela cidade. Diz que houve um desentendimento geral com a família. Pai e mãe já haviam morrido e não se dava bem com os irmãos. Viviam de brigas. Depois de umas confusões e algumas gritarias, pegou suas coisas e se mandou. Nunca mais voltou e nem soube de mais nada dos familiares, irmãos, sobrinhos.
A mulher Sônia morreu há mais de 20 anos. Tinha um filho, que aos 17 anos resolveu ir para São Paulo e nunca mais deu sinal ou o procurou. Ele ainda está magoado com isso. Afinal, diz, poderia construir uma vida melhor para os dois. Só espera que o menino não tenha entrado para o mundo da bandidagem ou das drogas. “Tentei dar uma boa educação, mas nunca se sabe os descaminhos que a vida nos apresenta.”
Perto deste seu barraquinho de rua na Mata Bacelar, há dois contêineres. Ali, outrora um local de muita sujeira, ficou limpo nos últimos meses graças ao trabalho do Rogério. Diz que não dá para manter sujeira por perto para não atrair aranha, barata e rato. “Varro toda esta área sempre que posso, ou seja, todos os dias. Dou banho na Judite para ela não pegar carrapato ou pulga. E eu tomo banho por aí. Sempre dou um jeito. Não gosto de me sentir sujo”.
Se diz vítima ou desabrigado da enchente e que perdeu as coisas que acumulou na vida e nos lugares onde morava, em Viamão e no Parque dos Maias. Hoje, espera uma solução do governador Leite, que é lá de Pelotas, ou daqui, da prefeitura, que até hoje não deu nenhuma assistência, mesmo tendo ligado várias vezes. “Olha, tenho um celular e ligo para estes caras, mas não me levam em consideração. Digo que sou morador de rua”. Só ganhou ajuda da Caixa, onde se cadastrou para receber auxílios. “Por enquanto está bom aqui, mas vai chegar uma hora que vou ter que procurar coisa melhor”, confia ele.
Rogério conhece as pessoas vizinhas pelo nome. Se apresenta sempre, explica a sua situação e diz que não vai pedir nada e nem incomodar ninguém. E vai cumprindo o seu papel. Gosta de conversar sobre tudo. É um filósofo de rua. Tem sempre suas lógicas para explicar qualquer coisa que se pergunte a ele. Falou que já foi roubado duas vezes no seu barraquinho de rua. “Me levaram cobertas, jaqueta e até o isqueiro que usava na minha espiriteira. É um absurdo, um pobre miserável como eu ser roubado por outro mais pobre. Quando dou uma volta passo um cadeado, mas os caras malvados não perdoam. E são tudo como eu, de rua, sem rumo, sem canto, até sem sonhos de melhorar. Eles arrebentam tudo. Não tem Deus no coração.”
Edição: Vivian Virissimo