A Campanha Levante Feminista contra o Feminicídio, Transfeminicídio e Lesbocídio no Rio Grande do Sul, através do seu Observatório Lupa Feminista Contra o Feminicídio, está chamando a atenção para a continuidade de altos índices de assassinatos de mulheres no estado. De janeiro a 10 de outubro, 70 mulheres foram eliminadas, 10 apenas no mês de setembro, o que demonstra a repetição de uma tendência dos últimos anos.
“Nos parece que as medidas repressivas implementadas pela área de segurança pública do estado no início do ano, as enchentes que criaram situações excepcionais de mobilização contra a violência, bem como a desqualificação de crimes violentos de mulheres com características de feminicídio, conseguiram represar os dados até agosto”, analisa a psicóloga social Thais Pereira Siqueira, coordenadora do observatório.
No entanto, segundo a pesquisadora, “passado o choque da iminência de morte ou das perdas da tragédia climática, a face extremamente violenta se reapresentou às mulheres no estado a partir de julho até outubro”. Foram 25 mortes, “restaurando-se a naturalidade ao se matar mulheres”.
Os números, analisados pela equipe técnica da Lupa, levam a crer que a curva elevada pode reiterar em 2024: em 2021 foram 99 feminicídios, em 2022 foram 106, em 2023 foram 102, mantendo-se uma média de 8 feminicídios ao mês e 100 feminicídios ao ano no Rio Grande do Sul.
Este quadro contínuo é visto pela equipe que compõe o observatório como um indicador da falta de políticas preventivas e educativas na sociedade, de insuficiência de serviços de informação e atendimento às mulheres que estão vivendo situações de violência e da baixa divulgação das penas dadas aos autores desses crimes.
Lupa como fonte de informação
Com mais de três anos de existência, o observatório Lupa Feminista foi criado como uma iniciativa do movimento de mulheres para alertar a sociedade e, também, para ter dados comparativos aos oficiais. Integra uma rede de observatórios latino-americanos, mas é o primeiro no Brasil sem vínculo governamental. A entidade baseia suas análises em notícias publicadas na imprensa diária, nos dados da Secretaria de Segurança Pública e na busca ativa de informações promovidas pelas integrantes da Campanha Levante Feminista.
Segundo Thais, na leitura diária dos casos publicados na mídia, os feminicídios têm ocorrido não só nas relações íntimas, presentes ou passadas, mas também em outros contextos. Fato que nem sempre é considerado na qualificação dos crimes como feminicídios.
“A misoginia e o menosprezo, ou seja, o ódio à condição de mulher aparece não só nas situações de violência doméstica, mas em outras nas quais não há vínculo evidente entre quem pratica o crime de feminicídio e a vítima. São assassinatos em que os corpos das mulheres são marcados pelo desejo de destruir a vítima por razão de gênero, como as mutilações em áreas genitais e seios, rosto, abandono do corpo da mulher, violência sexual seguida de morte”, afirma.
Políticas públicas e qualificação de agentes
Desde 2021 têm sido elaborados Dossiês sobre os Feminicídios no Rio Grande do Sul, que são publicados no site do observatório e entregues às autoridades do estado com apontamentos de medidas necessárias para prevenir os feminicídios. Dentre as quais, além das políticas públicas, destaca-se a qualificação permanente de agentes governamentais para a aplicação das Diretrizes e Protocolos para a identificação, processos, julgamentos com perspectiva de gênero, e que indicam pelo menos 13 diferentes categorias de análise para a conclusão sobre um feminicídio.
Além disso, a Campanha Levante Feminista e o observatório defendem que os assassinatos violentos de mulheres devam ser investigados, a priori, como possíveis feminicídios, descartando-se essa hipótese apenas após a aplicação dos critérios de análise do Protocolo Latino Americano, de 2014, adotado pelo Brasil desde 2016.
Estes dados e a metodologia do observatório gaúcho serão apresentados no 1º Encontro Nacional da Campanha Levante Feminista contra o Feminicídio, Transfeminicídio e Lesbocídio que se realiza de 2 a 4 de novembro, em Brasília (DF), com 17 estados participantes. No dia 5 haverá um conjunto de atividades de incidência política no Congresso, a fim de sensibilizar sobre a grave realidade nacional, em que pelo menos 1.500 mulheres são vitimas de feminicídio no Brasil.
Edição: Marcelo Ferreira