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Mudanças climáticas e inércia: o plano que Porto Alegre precisa, mas não tem

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A falta de precisão é particularmente alarmante ao considerarmos que Porto Alegre enfrenta há décadas os impactos das mudanças climáticas - Gustavo Mansur/Palácio Piratini
Falta articulação entre as ações climáticas e o Plano Diretor de Porto Alegre

Maurício Polidoro*

A cidade de Porto Alegre lançou no último 26 de setembro de 2024 o esperado Plano de Ação Climática, com a promessa de reduzir os impactos dos eventos extremos e adaptar a capital gaúcha frente as mudanças climáticas. Contudo, uma análise atenta do conjunto de 30 ações publicizadas nos leva a uma constatação alarmante: o plano parece ser mais uma lista de desejos do que um compromisso real com ações concretas. O distanciamento entre as propostas e a implementação prática é gritante, revelando falhas estruturais que comprometem a sua eficácia.

Uma das principais críticas às ações está na falta de especificidade e de metas quantificáveis. O documento lista atividades que vão desde a reestruturação do sistema de transporte coletivo até a ampliação de ciclovias e a arborização de áreas vulneráveis, mas não apresenta prazos concretos nem metas claras para cada uma dessas ações. Embora  seja mencionada a necessidade de reduzir emissões de gases de efeito estufa, não há qualquer estimativa de quanto e como a cidade planeja fazer isso e quais setores serão os mais afetados pelas medidas.

A falta de precisão é particularmente alarmante ao considerarmos que Porto Alegre enfrenta há décadas os impactos das mudanças climáticas, agravados pelas desigualdades que fazem com que o racismo estrutural torne algumas populações — especialmente as não brancas — ainda mais vulneráveis. Bairros como Bom Jesus, Vila João Pessoa, Coronel Aparício Borges, Vila São José, Morro Santana e as Ilhas são exemplos de áreas altamente expostas tanto às ameaças climáticas quanto aos fatores não climáticos que aumentam a vulnerabilidade frente a eventos extremos. O Plano de Ação Climática menciona a necessidade de criar moradias seguras e promover a revitalização urbana para as populações dessas áreas de risco, o que contrasta com a gestão de Sebastião Melo, que tem realizado o menor investimento em habitação popular dos últimos 20 anos na Capital.

O contraste entre a magnitude dos desafios enfrentados e a superficialidade das soluções propostas é ainda mais evidente quando comparado ao recente mapeamento das áreas de risco de Porto Alegre, realizado pelo Serviço Geológico do Brasil. Esse estudo revelou que o número de áreas de risco geológico alto e muito alto na cidade é de 119, impactando 84.460 imóveis e 44.436 pessoas. No entanto, mesmo com esses dados alarmantes, o plano parece desconsiderar a urgência de ações estruturais e definição de locais prioritários para amenizar os impactos dos desastres iminentes.

A falta de articulação entre as ações climáticas e o Plano Diretor de Porto Alegre é uma questão crítica. Ao longo das últimas décadas, o Plano identificou várias áreas com demanda por habitação, infraestrutura e urbanização. Contudo, essas regiões, reiteradamente destacadas como prioritárias em estudos, raramente recebem as intervenções necessárias. Além disso, a vasta produção científica das instituições de ensino da capital reforça a compreensão desse cenário, evidenciando a lacuna entre o conhecimento gerado e sua execução prática. O novo Plano de Ação Climática repete esse padrão, mencionando a necessidade de reestruturar o sistema de drenagem da cidade e aumentar a permeabilidade do solo, sem, no entanto, apresentar detalhes concretos sobre como, quando e onde essas ações serão implementadas.

É impossível não questionar a efetividade de um plano que continua a depender de promessas vagas e de ações genéricas. A ampliação da arborização urbana, por exemplo, é uma medida mencionada, mas o plano não detalha quantas e quais árvores precisam ser plantadas, em quais áreas prioritárias, nem quanto tempo levará para que essa arborização cause impactos positivos na qualidade de vida da população. A cidade já enfrenta temperaturas extremas, agravadas pela falta de cobertura verde, mas o plano não oferece respostas adequadas para esse problema premente.

Outro ponto de crítica é a ausência de coordenação regional. Porto Alegre não é uma ilha isolada; os efeitos das mudanças climáticas impactam toda a região metropolitana e as suas adjacências. O plano, ao se concentrar exclusivamente nos limites do município, ignora o fato de que enchentes, ondas de calor e outros ameaças climáticas afetam também cidades vizinhas, como Alvorada, Viamão e Canoas. Essa falta de articulação intermunicipal, evidente na vida cotidiana de quem utiliza o transporte público, compromete a eficácia de qualquer medida proposta, pois os desafios climáticos não respeitam fronteiras político-administrativas.

Além disso, o plano não deixa preciso de onde virão os recursos para financiar as ações propostas. Embora a Prefeitura mencione um investimento inicial de R$ 25 milhões em 13 ações que já estão em andamento, não há detalhes sobre os custos das outras 17 ações e como serão ou poderão ser financiadas, ou se o montante alocado será suficiente para atingir os objetivos estabelecidos​. Em um contexto de crise fiscal e restrições orçamentárias, é crucial que o plano inclua uma estratégia de financiamento detalhada, o que, infelizmente, não ocorre.

Um exemplo particularmente alarmante é a ausência de um plano consistente para lidar com as inundações, um dos maiores desafios de Porto Alegre. As ações propostas no Plano de Ação Climática carecem de uma estratégia para reduzir esses riscos de forma significativa. Embora a menção a sistemas de alerta e monitoramento hidrometeorológico seja válida, isso está longe de ser suficiente para enfrentar um problema de tal magnitude. É inconcebível que o município não busque parcerias com as instituições públicas de ciência e tecnologia. O Rio Grande do Sul abriga as melhores Universidades e Institutos Federais do Brasil, com uma produção científica de ponta e projetos de extensão consolidados. Deixar de envolver ativamente essas instituições na definição, implementação e monitoramento das ações climáticas, por pura ideologia política, é um erro colossal. A cidade tem à disposição um imenso potencial acadêmico e técnico, mas parece optar por negligenciá-lo, o que só agrava a situação.

O documento também carece de um componente essencial: o engajamento comunitário. A implementação de ações climáticas de sucesso depende, em grande parte, da participação ativa das pessoas, como bem mostrou o papel dos civis nas ações de resgate durante a tragédia de maio de 2024. No entanto, o plano sequer menciona como a população será envolvida nas ações propostas, seja a partir de programas voltados à ação e a educação climática, seja por meio de incentivos para que as comunidades adotem práticas de autogestão e vigilância popular de desastres. As áreas mais suscetíveis as ameaças climáticas da cidade, muitas das quais foram mapeadas no estudo do Serviço Geológico, continuarão sendo as mais afetadas se não houver um esforço conjunto para envolver as comunidades locais na formulação, implementação e monitoramento de soluções​.

Enquanto as áreas de risco se multiplicam e os desastres climáticos extremos devastam Porto Alegre, a atual gestão insiste em promessas. Mesmo após as enchentes catastróficas de maio, que evidenciaram a fragilidade da cidade, o Plano de Ação Climática surge como uma lista de desejos sem execução prática. Sem articulação metropolitana, financiamento adequado e compromisso real com a implementação, Porto Alegre continuará exposta e vulnerável aos efeitos destrutivos do clima.


Mapa das áreas de risco de inundação em Porto Alegre. Fonte: Serviço Geológico do Brasil. Disponível em: https://geoportal.sgb.gov.br/desastres/ / Observatório das Metrópoles

* Maurício Polidoro é geógrafo, doutor em Geografia, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (Campus Porto Alegre) e pesquisador do Observatório das Metrópoles.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

 

Edição: Vivian Virissimo