Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

Nova reitoria da UFRGS promete universidade 'fora da caixa' e ações mais conectadas à sociedade

Primeira gestão eleita com o voto paritário assume sob boas expectativas da comunidade acadêmica

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Professora de física Márcia Barbosa é a nova reitora da UFRGS - Foto: Rafa Dotti

A professora de física Márcia Barbosa e o professor de administração pública e social Pedro Costa assumiram a reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) com a promessa de mudanças. A gestão nomeada pelo presidente Lula foi empossada no final de setembro em uma cerimônia com direito a escola de samba, muita representatividade e promessa de ações conectadas com a sociedade.

"Declaro que desde o primeiro dia de gestão nós já temos um grupo discutindo e assessorando a administração central sobre as ações frente às emergências climáticas", destacou a reitora em uma de suas primeiras palavras durante a posse, no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre, no dia 27 de setembro.

Ao Brasil de Fato RS, a reitora conta que a gestão quer construir uma universidade "fora da caixa", pautada pelo diálogo com a comunidade e o fortalecimento da ciência, ampliando o diálogo para dar conta das diversas demandas. "Quando alguém diz, não tem prazo pra gente conseguir fazer isso, a gente dá um jeito, a gente vai atrás, principalmente quando for recurso pra fazer algum projeto que eu considere bom."

Confira a reportagem em vídeo:


"Vamos buscar as maneiras de resolver", prossegue. "O que não é aceitável é a gente ficar sem alimentação para os estudantes, sem energia elétrica para os pesquisadores e pesquisadoras trabalharem. Essa [a reitoria] é uma sala que vai receber as pessoas que quiserem conversar com a UFRGS."

Mais presente na comunidade

Para Márcia, a universidade mais próxima da comunidade fortalece a ciência, que nos últimos anos tem enfrentado constantes ataques. "A universidade, ao longo de sua história, ela foi se acomodando a ser aquele órgão que dá resposta para o poder dominante. Ela tem todas as respostas, mas ela só fala num momento mais tranquilo e traz aquela resposta para o problema imediato. Ela tem que retornar aos seus grandes momentos ao longo da história, em que a universidade batalhava por estar mais presente na comunidade."

A reitora avalia que essa é "a única forma" de vencer a guerra contra a mentira, "que equivocadamente é chamada de fake news". Ela reitera que "não é fake news, não é notícia forjada, é mentira" e que "a maneira de lutar contra a mentira é estar presente na comunidade".

Algumas ações já estão sendo implementadas para reforçar os laços com a comunidade e ampliar a diversidade. "Já na primeira semana, nós removemos as grades que circundavam a reitoria, que tem o simbolismo de uma reitoria que, sim, está conversando com todas as pessoas. Então isso é significativo."

Ações iniciais

Ela conta que sua gestão está enviando ao Conselho Universitário (Consun) três propostas prometidas na campanha. A primeira é a criação de uma Coordenadoria de Educação Básica. "O que quer dizer isso? A universidade tem um colégio, um colégio de aplicação, ela tem licenciaturas que atuam na educação básica. Ela tem que ser uma protagonista nessa educação básica. Abrindo canais de uma comunicação mais forte com o estado e municípios para estar junto nesse grande desafio que é melhorar o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) do Rio Grande do Sul."


Ações da UFRGS vão estar nucleadas em olhar como "contribuir para diminuir as emissões e para sobreviver aos efeitos das mudanças climáticas" / Foto: Rafa Dotti

"A segunda ação é a criação da Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Equidade, cujo papel não é simplesmente garantir o ingresso pelas cotas e que estudantes terminem se graduando, estudantes cotistas, mas é mais amplo que isso. Nós precisamos pensar um modelo em que a universidade se apropria das diversas formas de conhecimento, para ela ser mais diversa. Lembra do 'fora da caixa'? As universidades são uma caixa, uma única caixa, porque ela tem sido dominada por um jeito de olhar o mundo, notadamente o do homem branco, com pelo menos 50 tons de terno cinza. Mas o que a gente quer é que as várias caixas estejam, os foras da caixa."

O tericeiro projeto é a criação de uma Secretaria Especial de Emergências Climáticas e Ambientais. Segundo Márcia, a contribuição da ciência para o enfrentamento aos desafios, como foi visto por exemplo durante as enchentes no estado ou durante a pandemia de covid-19, deve ser um dos principais eixos, através do programa Saúde Planetária, que deve englobar todas as áreas do conhecimento.

"As diversas ações que a universidade vai fazer, elas vão estar nucleadas em olhar como é que nós podemos contribuir para diminuir as emissões e para sobreviver aos efeitos das mudanças climáticas que certamente vão continuar acontecendo. Então, a gente tem que se preparar para o ruim e construir os mecanismos para não ficar pior. Então são dois elementos que vão estar envolvendo todas as ações da universidade", conta.

Primeira eleição paritária

A nova reitoria da UFRGS foi a primeira eleita sob o critério de paridade no valor dos votos para estudantes, funcionários e professores. Ela assume após uma gestão marcada por conflitos com a comunidade acadêmica. Agora, com a proposta de uma universidade fora da caixa, os próximos quatro anos são marcados por boas expectativas.

O coordenador-geral do Sindicato dos Técnico-Administrativos do UFRGS, UCPSPA e IFRS (Assufrgs), Gabriel Focking, recorda que a luta pela paridade tem longa data. "Remonta, inclusive, a discussões que vêm dos anos 60, quando passou pela ditadura, mas mais recentemente na UFRGS, faz pelo menos uns 40 anos que essa pauta vem sendo colocada de geração em geração. Para que técnicos, discentes e professores tenham o mesmo peso enquanto segmento na hora de escolher o reitor, na hora de fazer a consulta à comunidade e preparar a eleição, que é feita no Consun, no formato atual da lei."


Manifestação pela paridade nos votos para a escolha da reitoria durante a gestão anterior, comandada por Carlos André Bulhões e considerada interventora / Foto: Divulgação Assufrgs

Ele conta que o sindicato entende que há uma reitoria mais aberta. "Tendência a ser mais democrática, a ter um diálogo maior com os técnicos de tantos problemas represados, que a categoria dos técnicos na UFRGS tem, as relações de trabalho, a questão da jornada de trabalho, o controle dessa jornada. Nós queremos resolver essas questões."

Segundo ele, já há um diálogo com a reitoria. "A gente quer seguir, mas a gente sabe também que a estrutura da gestão está sendo ainda montada, são poucos dias, nós vamos seguir firmes na cobrança das nossas pautas", afirma.

A estudante de Saúde Coletiva e vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes no Rio Grande do Sul (UNE-RS), Niara Dy Luz, também celebra a nova reitoria. "Esses últimos quatro anos da gestão do [ex-reitor] Bulhões, que foi uma intervenção, representou um não diálogo com estudantes, com os técnico-administrativos, muito assédio para essa categoria dos professores, os técnicos, enfim."

Ela afirma que há anos não se via a universidade tão engajada em algo como foi visto na última eleição para a reitoria. "Então, para a gente, representa o início de um diálogo que coloca a universidade também no centro das lutas do cotidiano da nossa cidade, do nosso estado."

Ampliação das ações afirmativas

Niara integra a comissão da universidade que iniciou o debate sobre cotas trans e comemora as promessas de ampliação das ações afirmativas. "Tem estudantes que têm deficiência, estudantes negros e negras que, muitas das vezes, olha, são desligados. Essa matrícula provisória hoje, ela é representa isso, desligamento dos cotistas."

Para ela, a criação da Pró-reitoria de Ações Afirmativas e Equidade "vem pra discutir esses assuntos e trazer alternativas para permanência dos estudantes". Porque, prossegue, "a gente entra e muitas das vezes a gente evade".

"Para quem é uma pessoa trans, uma travesti, uma mulher negra, para quem vem dessa dissidência de gênero, é muito importante para que possa dizer a essa comunidade não tenha que ir apenas pros pontos de prostituição. Que a gente também possa entrar na universidade, dar uma dignidade maior para nossa vida. Então, logo mais acho que vem aí a aprovação das cotas trans na UFRGS", finaliza.


Edição: Vivian Virissimo