Da lei à vida: aquilo antes aprovado agora passa à prática e se vêem confirmadas as nossas críticas e preocupações. Quando denunciávamos o teor da nova legislação que versa sobre o princípio constitucional da Gestão Democrática, não o fazíamos por desagrado, veleidade ou oposição pura e simples, mas porque o exame dos pressupostos inscritos na redação do texto indicava um método e sistema estranho e avesso àquilo construído e conquistado historicamente pelo movimento educacional.
Ao tempo da aprovação da nova versão da Lei de Gestão Democrática - no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul sob o Governo Eduardo Leite - incluída num pacote de propostas e medidas batizado de "marco legal da educação" e que tinha ainda o incentivo à municipalização, a desresponsabilização do entendimento estadual em ofertar ciclo completo do ensino fundamental, mudanças na composição e representatividade no Conselho Estadual de Educação e alterações no Ensino Técnico e Profissional, expressávamos a avaliação de que a mesma seria transformada em algo burocrático, tecnocrático e autoritário.
As exigências não dialogam com a realidade social, muito menos com a concepção política do que representa a escola no sistema de educação ou mesmo no imaginário das pessoas. Cursos prévios obrigatórios - com teor e conteúdos discricionários, prazos exíguos e condições precárias de acompanhamento e realização - são apenas a primeira parte de um rosário de imposições e dificuldades.
A aplicação - em caráter excludente - de prova de conhecimentos pode parecer inquestionável, afinal quem pode ser contra uma seleção que distingue e separa "melhores vs. piores" ou "preparados vs. inaptos". Volta-se à carga: condições de estudo, conteúdo exigido (que circunscreve e aponta para determinado conceito e prática educacional), anulação da dimensão intrinsecamente relacional e humana da gestão político-pedagógico de um educandário. É a substituição da democracia pela burocracia, com óbvios caracteres tecnocráticos e riscos autoritários.
Ainda que vencidas estas etapas problemáticas, restam como obstáculos e impeditivos a própria eleição (e o fato de que se reduz ano a ano a disponibilidade de habilitados ao cargo na medida em que quase 60% dos professores e mais do que isso entre os funcionários não são servidores de carreira e não se realizam concursos públicos conforme a necessidade de preenchimento das vacâncias). E cumpre registrar que o texto legal conserva o absurdo dispositivo de proibição a detentores de mandatos sindicais em concorrer ao cargo (derrubado em caráter liminar pelo Sindicato).
Resta como outro aspecto equivocado e deletério do novo procedimento a exigência de apresentação e aprovação de Plano de Gestão que acompanhe e obedeça estritamente as diretrizes e ordenamentos da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), verdadeira afronta a um dos pilares da Gestão Democrática, a autonomia e que faz letra morta do Projeto Político-pedagógico da escola.
Em conceituação, narrativa e intento, a Lei de Gestão Democrática em vigência no Rio Grande do Sul está em desacordo ou, no mínimo, em flagrante contradição com o que motivou sua inscrição na Carta Constitucional de 1988 e implica num infeliz "indigestão burocrática" .
Apesar dos pesares, Sindicato e categoria - de maneira responsável e inteligente - participarão do processo realmente existente como forma de resistência e construção de bases concretas que possam num momento futuro reaver as máximas de uma Gestão Democrática de verdade em todo o Rio Grande do Sul.
* Alex Saratt é diretor do Cpers-Sindicato, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo