Rio Grande do Sul

Coluna

Pedagogia do Sopapo, um desdobramento possível da Pedagogia das Africanidades

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O tambor de Sopapo e sua enorme proporção - Foto: Luis Ferreirah
Sopapo é um tambor negro gaúcho considerado mais do que um instrumento musical

André de Jesus* e Richard Serraria**

Na coluna de abertura da Gira Negra Gaúcha publicada em abril de 2023 destacamos a política pública como mola propulsora do sopapo. Agora em 2024 é hora de chamar a atenção para outro aspecto relevante desse tambor negro gaúcho que sabidamente mais do que um instrumento musical, é efetivamente um artefato político já que atesta a histórica presença negra na construção econômica do Rio Grande do Sul.

O foco por hora é na Pedagogia do Sopapo, termo criado por Richard Serraria no princípio da segunda década do século XXI para dar conta da potencialidade de se pensar em Epistemologias dos Tambores do sul. Já em 2011 o termo aparece pela primeira vez em um Caderno de Estudos sobre Educação e formas de implementação da Lei 10639, numa publicação da Uniritter em Porto Alegre. Em 2013 é publicada no Rio de Janeiro a Revista do Sesc Departamento Nacional com um artigo falando sobre o tambor Sopapo e o Alabê Ôni e ali avança-se com a afirmação de que a Pedagogia do Sopapo era um desafio para o Século XXI. Em 2017 numa tese acadêmica na Letras UFRGS, dedica-se um capítulo inteiro para contar parte da História Social do Sopapo e lá detalha-se como seria essa Pedagogia do Sopapo. Em suma: democratização do acesso ao sopapo para que também crianças e mulheres pudessem se aproximar cada vez mais do tambor ancestral negro gaúcho com a afirmação tácita de que o sopapo transcende a dimensão musical para ser um dispositivo político à medida que afirma a presença negra na construção do estado do RS através da mão de obra escravizada nas charqueadas durante os séculos XVIII e XIX.

Em 2018 converso com a produtora cultural Lorena Sanchez e mediante pedido dela e com sua indispensável orientação definimos uma série de atividades dentro disso que finalmente se materializou numa proposta prática e continuada de execução da Pedagogia do Sopapo. Local: Quilombo do Sopapo, ponto de cultura referencial na zona sul de Porto Alegre, numa programação de aniversário de 10 anos da casa que tem como padrinhos Giba Giba, Mestre Baptista e Bataclã FC. Como madrinha Dona Sirley Amaro, griô pelotense. Aqui a possibilidade em aberto de se pensar novamente nas Pedagogias griôs: tamboralituras de certo modo um desdobramento da Pedagogia das Africanidades. Em suma toda uma rede complexa de intersecções pedagógicas e políticas, cidadania e transformação social em relações plenas, democráticas e efetivas.


"O sopapo, para além de um instrumento musical, é um artefato político" / Foto: Leandro Anton

A importância de tal projeto residiu na certeza de que a política pública é de fundamental importância em diferentes momentos da trajetória moderna do tambor Sopapo (Projeto Cabobu 1 e 2, criação do Ponto de Cultura Quilombo do Sopapo, Cultura Viva, Ação Griô, Doc O grande tambor em 2010, Projeto Pedagogia do Sopapo, livro O Sopapo Contemporâneo em 2021 escrito por José Batista e lançado pela MS2 Editora). Ainda nisso pode-se mencionar a edição 3 do Cabobu também viabilizada mediante política pública via lei de incentivo fiscal, a LIC, com patrocínio da Natura, a partir da articulação de Edu do Nascimento, José Batista e produção da Sandra Narcizo.

Com essa série de ações em torno do sopapo reafirma-se a constatação tácita da presença negra num estado costumeiramente associado como a Europa do Brasil através de seu folclore “oficialesco”. Tal presença negra se mostra através das práticas culturais vivas hoje com base no sopapo e cresce de importância sua difusão e expansão em um momento histórico de retomada do Ministério da Cultura com avanços inegáveis na dimensão social em nosso país.

Pedagogia do Sopapo, assim, já não é mais uma semente, trata-se de um galho de uma árvore que, por sua vez, é fruto de outros baobás referenciais da cultura negra no RS: Giba Giba, Zilá Machado, Mestre Baptista, Gratulina do Shapanã, Mestre Borel, Mãe santinha da Oxún dentre outros e outras, podendo acrescentar ainda Oliveira Silveira, ícone da poesia gaúcha.


A primeira edição do Festival “Cabobu A Festa dos Tambores” foi realizada por Giba Giba em 1999 em Pelotas / Foto: Diego Coiro

Assim, pensar ainda que o sopapo se transforma enquanto forma cultural em busca de sua permanência. Desse modo afirmo que o Sopapo é como um oriki, forma poética africana, que se desdobra e se expande. Ori, cabeça. ki, saudar. Palavras provenientes do iorubá, para dar conta da criação oral em plano poético. Sopapo recria assim a memória da diáspora africana, trazendo saberes e manifestos rituais negros no RS como Sopaporiki, livro lançado em 2020 pela Editora Escola de Poesia Amefricana e que em 2024 fará parte da segunda edição revista e aumentada da Antologia de Poesia Afro-brasileira, agora coordenada pelas pesquisadoras Zilá Bernd e Liliam Ramos com a colaboração das doutorandas do PPG-Letras-UFRGS Roberta Flores Pedroso e Cristina Gamino Tonial. Ver mais em Pedagogia do Sopapo.

* André de Jesus é ator/ponteiro de Cultura, locutor, arteativista e produtor cultural.

** Richard Serraria, poeta/cancionista e tocador de sopapo, doutor em Estudos Literários pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs).

*** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo