O último debate entre os postulantes à prefeitura de Porto Alegre, realizado na noite desta quinta-feira (3) pela RBS TV, teve entre seus principais pontos as enchentes que atingiram a cidade, as longas filas nos hospitais, a falta de moradia popular e de vagas em creches, a privatização da educação e a preservação ambiental. Participaram as candidatas Juliana Brizola (PDT) e Maria do Rosário (PT) e o candidato Sebastião Melo (MDB).
Os demais concorrentes ao Paço Municipal não foram convidados para o embate. A regra usada foi a de que seus partidos não atingiram o mínimo de cinco representantes no Congresso Nacional, conforme as normas estabelecidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para a execução de debates nesta eleição.
O programa foi organizado em quatro blocos, sendo os dois primeiros com temas livres e os dois últimos temas sorteados; e as considerações finais. A três dias do primeiro turno, o debate foi organizado em perguntas e respostas para que os candidatos apresentassem o plano de governo de cada um para a capital gaúcha.
O embate foi marcado pelo candidato Melo nervoso e pronto para atacar. O emedebista iniciou sua participação no programa reprovando a militância do PT e do Psol. Ao longo da noite, fez acusações graves e quase não apresentou propostas. O atual prefeito alegou que Maria do Rosário “rezou para as chuvas” de abril/maio caírem e alagar Porto Alegre, para fazer vídeos e pedir votos. “Chuva de oportunismo”, disse Melo. Além disso, em diversos momentos o candidato atacou o Partido dos Trabalhadores (PT) e o governo federal, transferindo a responsabilidade para o Executivo federal.
Juliana e Rosário discutiram de forma limpa e respeitosa até o quarto bloco. O embate ficou marcado pela união das duas candidatas, tendo como alvo o atual prefeito de Porto Alegre. “As duas estão alinhadas contra o prefeito. São duas da mesma vertente. Farinha do mesmo saco’, esbravejou o emedebista a respeito das candidatas.
Em diferentes ocasiões, Juliana afirmou que ela seria a única que teria condições de derrotar Melo em um segundo turno para reconstruir Porto Alegre. A candidata convidou Maria do Rosário para se somar à ela.
Primeiro Bloco
Juliana Brizola questionou Sebastião Melo sobre as longas filas da saúde. Ela disse que mais de 2 mil pessoas aguardam por cirurgias e que tem projeto para vencer a fila em seis meses.
Melo respondeu que a saúde pública em Porto Alegre é um desafio enorme, reconheceu a situação das filas mas disse que o Executivo avançou muito. Afirmou que vai criar policlínicas. De acordo com ele, o governo estadual quebrou todas as emergências da cidade, mas que o município está atendendo essa demanda. "Ano passado fizemos 64 mil cirurgias. Estou resolvendo a fila. A saúde é tripartite e é nosso compromisso.”
Já Maria do Rosário perguntou a Brizola sobre a prevenção às enchentes. Em resposta, Juliana afirmou que os técnicos avisaram sobre o que iria acontecer, e o que o prefeito não ouviu. Prometeu que fará a reforma do sistema de proteção e manutenção de forma contínua, com transparência para a população, com monitoramento e alerta. “Na última chuva vimos que os rios não subiram, mas as águas do bueiros voltaram”, afirmou Brizola.
Rosário replicou com a promessa de recriar o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) para garantir condições adequadas de atuação na prevenção às enchentes. Afirmou que vai valorizar o Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) como um órgão público, sem cogitar sua privatização. “A privatização representa o desmonte da estrutura pública da prefeitura, prejudicando o atendimento aos cidadãos."
Por fim, Melo indagou Rosário sobre o mesmo tema. A candidata disse que é preciso muito mais responsabilidade e cuidado com a cidade. Enfatizou que em vez de atacar, Melo deveria resolver os problemas, uma vez que tem a caneta na mão e está sentado na cadeira de prefeito. De acordo com ela, a cidade alaga toda vez que chove, não precisando nem ser uma chuva forte. “Os bueiros estão vertendo água porque a manutenção não está sendo feita. O senhor optou por uma linha de privatização e desmonte do setor público, como o DMAE e o DEP, e, em 2023, investiu apenas 37% do orçamento previsto para o DMAE", ressaltou.
Na réplica, Melo mais uma vez atacou o governo federal afirmando que o sistema de proteção contra cheias é uma responsabilidade da União. Disse que o sistema foi concebido na década de 1960 e executado pelo governo federal, e que se mostrou insuficiente. “O que estamos fazendo? Já estamos realizando obras no Sarandi, no muro da Mauá, nas comportas e no fechamento delas, além da construção de casas de bombas. Essas obras somam R$ 500 milhões, meio bilhão de reais, e até agora não recebemos um centavo do governo federal. Mesmo assim, estou tocando essas obras e vou cobrar depois.”
Segundo bloco
No segundo bloco Juliana iniciou indagando Melo sobre o transporte público e mobilidade urbana, mais especificamente no extremo da cidade e com relação às mulheres.
O atual prefeito afirmou que a cidade tem problemas, mas também tem soluções. Disse que quando assumiu, “o transporte público estava quebrado após a pandemia, assim como em várias outras cidades do Brasil”. Disse ainda que mantém a tarifa de ônibus sem aumento há três anos “pensando em quem mais precisa” e que a cidade tem uma frota de 1,2 mil ônibus e terá, até o final do ano, mais 400 novos veículos em operação, incluindo 12 ônibus elétricos, financiados pela prefeitura, com ampliação de novas paradas de ônibus horários de funcionamento. Também afirmou que a privatização da Carris foi importante.
“Vamos enfrentar o problema da mobilidade urbana com muito respeito pela população, que é quem mais sofre, especialmente nos extremos da cidade, onde nem mesmo o transporte por aplicativo chega", replicou Juliana.
Questionada por Melo sobre geração de emprego e renda, Rosário afirmou que o ambiente de negócios no Brasil melhorou muito sob a liderança do presidente Lula e que quer alinhar Porto Alegre com o rumo de desenvolvimento que o país está seguindo.
“A nossa proposta é desenvolvimentista. Estamos trabalhando em diversas áreas com projetos importantes no nosso plano de ação. Queremos estreitar laços com o Sebrae e garantir acesso a crédito e microcrédito. Além disso, daremos ênfase à economia popular solidária e ao polo de saúde, conectando esses setores à neo industrialização que o Brasil está vivendo”, prometeu. A candidata petista disse ainda que Melo só ataca o PT, sem apresentar proposta, e afirmou que trabalhará junto dos institutos federais.
Em sua réplica Melo afirmou que é um prefeito que assume a responsabilidade em vez de transferir para os outros. Disse que sua gestão reduziu 62 alíquotas de ISS e implementou o licenciamento rápido e acessível. “Também criamos o programa Qualifica POA, com 3 mil vagas financiadas com recursos públicos para a qualificação profissional. Além disso, temos os feirões digitais que estão chegando nas vilas populares e o nosso feirão de empregos."
Na sequência, em resposta à Mária do Rosário sobre a questão dos desastres climáticos, Juliana disse que a população de Porto Alegre vive com medo. “As pessoas têm medo de voltar para casa, não confiam que as bombas de contenção vão funcionar, e os empresários estão receosos de retomar seus negócios, especialmente no 4º Distrito. Muitos comerciantes e empreendedores não querem mais voltar. Estamos perdendo empresas para outros municípios porque aqui elas não se sentem seguras para investir e empreender. Porto Alegre deveria ser uma cidade de inovação e tecnologia, mas não é acessível para todos”, afirmou a pedetista.
Tema livre
O penúltimo bloco foi dedicado a temas livres. Juliana indagou Melo sobre a volta das chuvas. Ele respondeu que o sistema, embora robusto, se mostrou insuficiente para a cheia enfrentada. "Estamos refazendo esse sistema e trabalhando na recuperação da cidade. Foram 300 equipamentos atingidos, entre praças, parques, casas de bomba, entre outros. Se fosse tão simples, o Trensurb já estaria funcionando até o centro, assim como outros equipamentos essenciais”, alfinetou.
Outro momento que chamou atenção foi a indagação de Melo a Maria do Rosário por, segundo ele, denfender “invasões”, citando como exemplo a ocupação do antigo prédio do INSS, próximo ao Mercado Público.
Em resposta Rosário afirmou que "o prefeito que faz essa pergunta é o mesmo que construiu zero casas e que criminaliza a população". Ressaltou que 90 mil famílias tiveram suas casas atingidas e que o governo federal está fazendo a sua parte. “O governo federal já contratou mais de 3 mil unidades habitacionais para Porto Alegre por meio de um programa inédito, focado na moradia. Isso é algo que nunca aconteceu antes no Brasil, e o presidente Lula está garantindo. Mas o senhor não construiu uma única casa. Os prédios aos quais o senhor se refere, tentando criminalizar as pessoas, são na verdade voltados para moradia, pois serão adaptados para esse fim pelo governo federal, com recursos do programa Minha Casa Minha Vida", disse a petista.
Quarto bloco
O último bloco começou com Melo e Rosário em confronto direto. Por duas rodadas consecutivas, eles discutiram sobre habitação e ensino. Melo defendeu o Plano Diretor e disse que não pode colocar habitação popular onde não tem cidade. “É preciso colocar onde tem escola, creche, saneamento básico”, explicou. O emedebista também disse que, se eleito, vai "parceirizar o DMAE".
Maria do Rosário defendeu que parcerizar é o mesmo que privatizar. “Vai ser a mesma coisa que aconteceu na Restinga. Denúncia grave na área de Saúde onde as pessoas não têm nem atendimento”, criticou.
Sobre a educação, Melo disse que nenhum governo teve um amplo atendimento de crianças de 0 a 5 anos na educação pública de Porto Alegre e que a solução foi comprar vagas do setor privado. “Rede parcerizada é uma rede que nos orgulha muito. Diretor de escola tem que cuidar da educação e não de goteira. É preciso melhorar a qualidade de ensino de Porto Alegre”, disparou o atual prefeito.
Rosário disse que além de melhorar o acesso à educação vai colocar uniforme na rede pública de Porto Alegre para os alunos se sentirem mais parte das escolas. Além disso, prometeu criar território seguro, turno integral, servir café da manhã, lanche, almoço e janta. “As cozinhas solidárias vão ser parceiras. Vamos chamar os pais e as mães para o EJA (Ensino de Jovens e Adultos)”, concluiu.
Sobre a questão da saúde, Rosário brincou que a única parcerização que fará é com o Ministério da Saúde. "Vou implantar as policlínicas e articular toda a saúde. O SUS é um sistema que vai desde a saúde da família. Vamos priorizar com o Ministério da Saúde para trazer mais recursos para a cidade. Nós vamos valorizar o que tem hoje e ampliar. Articular a atenção básica com as consultas especializadas. Vou recriar a secretaria da pessoa idosa para tratar de modo especial essa população que deve ter a nossa prioridade”, finalizou. Segundo Rosário, a cidade tem estrutura para mais de 700 equipes de estratégia da Saúde da Família, mas a capital do RS abriga apenas 334.
Juliana falou de responsabilidade fiscal. “Tudo que tu promete precisaria dobrar o orçamento municipal, e tudo que tu promete é amparado no governo federal. Por falta de articulação política, o presidente do teu partido não aprovou a isenção”, disse Juliana à Rosário..
“Ele não é presidente do meu partido, é presidente do Brasil. O que me espanta é que tu não conhece o trâmite de Brasília”, respondeu a petista. “Eu posso representar a cidade de Porto Alegre e posso governar a cidade com a experiência de ter sido governadora, ministra. Quem quer mudança também pode vir com a gente. Porque é preciso estar nos segundo turno para isso e a gente vai estar no segundo turno”, disse Rosário alfinetando Brizola.
Considerações finais
As considerações finais ficaram marcadas por trocas de farpas. Maria do Rosário disse que seu plano de ação para a cidade “também carrega o coração, o amor pela cidade, o potencial de mudança”. Segundo ela, estão em jogo para Porto Alegre dois projetos: um que “não cuida de todos os bairros de forma igual” e é “do negacionismo científico”, que “acumula lixo, que alaga”, em referência a Sebastião Melo.
“O nosso é o projeto da Mudança. O 13 não é só o PT. O 13 é Lula, Olívio Dutra, Fortunati, Manuela, Fernanda Melchionna, Luciana Genro, Alckmin, Thamyres. Pessoas negras, brancas. São todas as pessoas. A mudança precisa ser segura e com experiência. A cidade está machucada e sofrida. Os problemas vinham desde antes da enchente”, completou a petista.
Em seguida, foi a vez de Sebastião Melo. Ele disse que o povo de Porto Alegre o conhece. “Fui vereador, deputado, prefeito. Sou prefeito linha de frente. Aqui foi a cidade que mais vacinou na covid-19. Eu acredito na ciência, mas também fiz a cidade voltar a funcionar. Até as enchentes, a cidade vivia um momento muito espetacular.” Segundo ele, o caminho frente às enchentes é “a união do governo local, municipal, federal”, mas “Porto Alegre tem que avançar e não pode começar do zero”.
Juliana Brizola finalizou o debate destacando a polarização entre Melo e Rosário. “Nos blocos que eles podem, eles me isolam. Eles querem continuar com a política do ódio. Nenhum dos dois têm a capacidade de sentar na mesa e dialogar com o diferente. Nosso objetivo é enfrentar os problemas de Porto Alegre com muita coragem. De um lado, o estado máximo e do outro, o estado mínimo. Nós somos o diferente”, bradou Brizola. Ela destacou o apoio do governador Eduardo Leite à sua candidatura, dizendo que ambos deixaram suas diferenças políticas “pelo bem da cidade”.
Edição: Marcelo Ferreira