O que uma canção como “Singing in the rain” está fazendo na campanha política de Porto Alegre? Aparentemente nada a ver mas quando se lembra que a capital gaúcha ficou debaixo d`água com as enchentes de maio, começa a fazer certo sentido. Mais ainda quando se sabe que a inundação foi muito agravada – como dizem todos os especialistas – pela falta de manutenção do sistema de proteção da cidade contra as cheias, quando comportas emperraram e casas de bombas entraram em pane. Tudo se completa quando a música de “Cantando na Chuva”, célebre musical da era de ouro de Hollywood, vira trilha sonora de um vídeo hilário sobre as falhas da prefeitura e a degradação do centro urbano.
Bastam os poucos minutos do clipe para injetar graça em uma campanha convencional onde, até agora, a sátira estava completamente excluída em favor da exaltação de méritos próprios e da troca de acusações. Ao mesmo tempo, retoma uma tradição das campanhas alegres da Frente Popular, liderada pelo PT, que marcaram muitas vitórias na cidade e no estado.
É um dos quatro vídeos que agitam e animam as redes sociais, todos concebidos, roteirizados, dirigidos e estrelados por um dublê de deputado e ator que, por profissão, é policial. Nele, o protagonista reproduz a coreografia do trecho famoso do musical hollywoodiano onde o ator e dançarino Gene Kelly canta e dança espalhando água em meio à chuvarada, aqui de uma Porto Alegre alagada e negligenciada.
“Bem vindos à Porto Alegre, a Veneza do Brasil!”
“O papel do humor numa campanha política é usar a sátira para fazer uma crítica contundente mas de uma forma leve e que gera reflexão”, detalha o deputado estadual Leonel Radde (PT).
Suas raízes artísticas vem do tempo em que atuou nas duas companhias do pai, o diretor teatral Ronald Radde, a Teatro Novo e a Teatro Novo DC. Sua irmã, Karen, segue o legado familiar e coordena o Teatro do Museu do Trabalho.
Em outro vídeo, com quatro minutos de ironia, um Radde submerso emerge de chapéu de palha saudando os internautas: “Bem vindos à Porto Alegre, a Veneza do Brasil!” O chapéu virou marca registrada do prefeito Sebastião Melo (MDB) que, junto com sua declaração como “pardo” após nove candidaturas sendo “branco”, integra a construção de sua nova imagem como um tipo popular.
“Dó-Ré-Mi” em uma cidade de faz-de-conta
Neste clipe, sai “Cantando na Chuva” e entra outro musical “A Noviça Rebelde”, com Radde adaptando e cantando a música tema “Dó-Ré-Mi” em uma cidade de faz-de-conta. Antes, desperta em uma praça de bairro rico “na periferia de uma propaganda do Sebastião Melo” onde as escolas e creches tem “padrão Finlândia” e tudo funciona. Em seguida, vai para as vilas pobres onde nada funciona, falta água, saneamento, pavimentação, praças e o lixo se amontoa. Em minutos, concluiu-se uma síntese divertida porém ácida das prioridades de uma administração.
“Às vezes, quando a gente usa um discurso frontal, muito argumentativo, a informação não chega à grande parte do público”, repara. “Acredito que a sátira, o humor, tem esse papel de criticar o status quo, os grupos dominantes, mas de uma forma que deixa, inclusive, representantes desse mesmo grupo na dúvida sobre se gostam ou não gostam daquele teor humorístico”, explica.
Formado em direito e história, o deputado, que define seu mandato como “Antifascista”, atua especialmente em pautas que defendem políticas para mulheres, os servidores públicos, a população negra e LGBTQI+, o meio ambiente e os direitos humanos, além do combate às redes de ódio. Os vídeos compõem uma frente preferencial de sua comunicação que distribui pelas redes sociais.
Edição: Vivian Virissimo