Rio Grande do Sul

IRREGULARIDADES

Polícia Federal instaura inquérito para evitar desmandos da prefeitura no Hospital da Restinga

Denúncia aponta contas reprovadas, despesas sem comprovação e pagamentos contrários às normas municipais

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Governo Melo renovou contrato de terceirização, mesmo com pareceres contrários - Foto: Cesar Lopes/ PMPA

O prefeito Sebastião Melo está prometendo na sua campanha à reeleição uma saúde perfeita para os portoalegrenses. Na prática, neste seu primeiro mandato, o caos dominou a área. Basta dar uma olhada no que acontece nos postos, nas UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e no HPS. Precariedade total, falta de servidores, de material, lotações permanentes, tempos recordes de espera e muitas irregularidades em contratos com prestadoras de serviços. Agora, o site de notícias Matinal denuncia, com documentos, que o governo Melo renovou contrato de terceirização com a instituição Associação Hospitalar Vila Nova (AHNV) para continuar no comando do Hospital Restinga e Extremo Sul, mesmo com pareceres contrários de técnicos e alertas do Conselho Municipal de Saúde.

A reportagem revela que o hospital é alvo de inquérito da Polícia Federal, através de pedido do Ministério Público Federal (MPF) em razão de contas reprovadas por técnicos da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e vícios de gestão apontados pelo Conselho Municipal de Saúde (CMS) desde 2019. Hospital com grande procura, responsável por uma grande área populacional, com cerca de 80 mil habitantes, o local é administrado pela AHVN desde que venceu a licitação realizada pela Secretaria Municipal da Saúde em 2018. Entre as principais denúncias apontadas estão despesas sem comprovação, pagamentos por serviços de terceiros feitos a gestores e servidores e descumprimento da norma municipal que condiciona contratação de serviços a análise de três orçamentos.

Um parecer técnico da prefeitura ao qual o portal Matinal acessou mostra que, a cada inspeção da SMS, foram contabilizados milhões em recursos públicos com destinação sem comprovantes – ou seja, não foi possível saber se foram convertidos em atendimentos ou exames. Os técnicos encarregados da fiscalização exigiam a devolução desses recursos aos cofres públicos. A comprovação ou o ressarcimento de valores indevidamente desembolsados, de acordo com o parecer, não existiu. O montante ultrapassa hoje R$ 173 milhões. 

O contrato foi feito em 2018, assinado durante o governo de Nelson Marchezan Jr. (PSDB). A partir dos anos seguintes, todas as análises de execução financeira quadrimestral recomendaram a reprovação das contas. Os pareceres técnicos reprovaram valores de R$ 27,8 milhões em 2019, R$ 37,1 milhões em 2020, R$ 44,1 milhões em 2021 e R$ 64 milhões em 2022.

Contrato renovado

O secretário municipal de Saúde ao longo da maior parte desse período foi Mauro Sparta, que assumiu no começo do governo de Sebastião Melo (MDB), em 2021, e deixou o cargo em maio de 2023. Mesmo com tantas reprovações ao longo dos anos, em agosto de 2023, o governo do prefeito Sebastião Melo renovou, através de aditivo, o contrato com a AHVN para continuar mandando no hospital da Restinga. O Conselho Municipal da Saúde foi contra, mas não foi levada em conta suas advertências para os problemas ali existentes e a flagrante improbidade administrativa na renovação do compromisso por mais de cinco anos. 

Com esta renovação, o MPF entrou em ação e solicitou à PF a abertura de uma investigação e de um inquérito, há pouco instaurado. A Matinal teve acesso a toda documentação encaminhada à Polícia Federal, totalizando mais de mil páginas com todos os detalhes das irregularidades. “Os apontamentos da fiscalização foram sendo sucessivamente ignorados, em sua maioria, pela entidade e também pela cúpula da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e pelo prefeito. Melo fiscaliza o orçamento da pasta via Comitê de Gestão Orçamentária e Financeira (CGOF), vinculado por decreto diretamente ao gabinete do prefeito. Foram ao menos 11 despachos informando irregularidades aos mais diversos órgãos da prefeitura”, informou a reportagem.

Além de renovar o contrato com a entidade privada em 2023, a administração Melo estreitou ainda mais os laços com o AHVN ao lançar o programa Atenção Primária em Saúde, para reduzir o tempo de espera para cirurgia, com aporte de R$ 55,6 milhões que não constava no orçamento previsto daquele ano, destinou parte da verba à entidade, o que novamente chamou a atenção do CMS. “Com tantas contas reprovadas, como o AHVN ainda estava na disputa?”, questionou a psicóloga Ana Paula de Lima, conselheira do CMS pelo segmento trabalhador e membro da Secretaria Técnica e da Comissão de Orçamento e Finanças (Cofin). 

“Em outro chamamento público, desta vez para a Atenção Primária em Saúde, publicado no Diário Oficial de Porto Alegre, não constava o nome da AHVN entre as entidades privadas habilitadas. O prefeito Sebastião Melo, então, destituiu a comissão que elaborou a lista e nomeou uma nova. Na listagem refeita pela então recém-criada comissão, o AHVN voltou a constar entre as entidades privadas que poderiam gerir unidades básicas de saúde. Novamente fizemos pareceres aos órgãos de controle de que a inclusão do AHVN feria a Lei das OSCs (organizações da sociedade civil) porque a entidade estava com a prestação de contas reprovada há quatro anos consecutivos”, disse a assistente social Maria Letícia de Oliveira Garcia, também conselheira do CMS e membro do Cofin”, mostra a denúncia divulgada pelo site de notícias.

Além do Hospital da Restinga e Extremo Sul, a AHVN gerencia dezenas de estruturas de saúde em Porto Alegre, com mais de 30 unidades de atenção básica, o Hospital Vila Nova, o Pronto Atendimento de Saúde Mental do IAPI e a Farmácia de Medicamentos Especiais (Celme). 

A Matinal procurou a Secretaria Municipal de Saúde e cobrou respostas sobre o contrato, mas não obteve retorno. A AHVN também foi procurada e não respondeu aos questionamentos.

* Eugênio Bortolon é jornalista.

Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo