Rio Grande do Sul

PORTO ALEGRE

Servidores municipais condenam supostas irregularidades do Escritório da Reconstrução de Melo

Aspectos técnicos, financeiros e eleitorais são abordados em denúncias sobre privilégios aos integrantes do órgão

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
Escritório foi criado para coordenar ações de reconstrução da infraestrutura, adaptação às mudanças climáticas e mitigação dos impactos sociais, ambientais e econômicos na Capital - Foto: Jorge Leão

O Escritório da Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre está envolvido em grandes polêmicas dentro do quadro de servidores municipais. Há insatisfação generalizada com a escolha dos 113 funcionários para participarem do escritório, com a inobservância de critérios estritamente técnicos de grande parte dos participantes, e que as recentes tempestades que atingiram Porto Alegre mostram que nada de expressivo foi feito até agora. As críticas/denúncias também atingem a remuneração destes funcionários, enquanto a maioria dos servidores públicos municipais, que tanto fizeram no período crucial da enchente, não ganharam nem a reposição salarial.

Também são condenados os aspectos eleitoreiros do órgão e os seus beneficiários, supostamente engajados na reeleição do prefeito Sebastião Melo (MDB). O Brasil de Fato do RS recebeu as denúncias e, antes de publicá-las, resolveu consultar todas as partes envolvidas para que o contexto das acusações não ficasse isolado e todos pudessem dar as suas explicações. O denunciante pediu que não fosse publicado seu nome, para evitar represálias, e assim está sendo feito. Aqui, publicamos a denúncia, a opinião do sindicato, da prefeitura e do escritório.

Denúncia

A denúncia do funcionário graduado do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) diz que as enchentes de maio serviram para um pequeno grupo de servidores comissionados próximos ao prefeito Sebastião Melo e ao secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade de Porto Alegre, Germano Bremm, uma oportunidade estratégica para benefícios financeiros próprios. “Em um ano de eleições, estes funcionários buscaram capitalizar politicamente a crise, direcionando esforços para projetos que pudessem ser apresentados como respostas imediatas à população, ainda que tais ações não atacassem as causas estruturais dos problemas de drenagem urbana”, disse.

Para ele, a catástrofe se transformou em uma ferramenta para angariar apoio eleitoral, desviando o foco das falhas preexistentes na gestão dos recursos hídricos da cidade. A lei complementar nº 1.016/2024 de 4 de julho de 2024 criou o programa para planejar e contratar obras de infraestrutura hidráulica, incluindo sistemas de bombeamento e drenagem, para prevenir futuras inundações e garantir a segurança hídrica da cidade, adaptando essas soluções às necessidades atuais e futuras em decorrência das mudanças climáticas, conforme o servidor do DMAE.

Apenas dois servidores do DMAE

“Um dos principais objetivos destacados nessa legislação é o de planejar e contratar obras de infraestrutura hidráulica, incluindo sistemas de bombeamento e drenagem. No entanto, observa-se que, do total de 113 servidores designados para compor a força-tarefa do Escritório da Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre, o prefeito Melo indicou apenas dois servidores efetivos, ambos engenheiros, do Departamento Municipal de Água e Esgotos. A autarquia DMAE é a responsável pelos serviços de Abastecimento de Água, Esgotamento Sanitário e Drenagem Urbana”, afirmou.

O servidor disse que da Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (SMAMUS), que tem como titular o advogado Germano Bremm, também coordenador-geral da força-tarefa, o prefeito indicou 21 servidores efetivos, a maioria ocupando Funções Gratificadas (FGs) de alto nível, além de outros 22 cargos em comissão (CCs). A lei nos artigos 11, 12 e 13 estabelece a criação, em caráter excepcional e temporário até 31 de dezembro de 2024, de seis CC8 de coordenador-geral, quatro CC7 de coordenador e dois CC9 ou FGE de secretário adjunto.

Além disso, o artigo 14, §§ 1º e 2º, determina que os nomes e currículos dos profissionais selecionados para esses cargos devem ser publicados no Portal da Transparência da Prefeitura de Porto Alegre. No entanto, ao consultar os currículos disponíveis no sistema, observa-se que muitas das informações fornecidas não atendem aos requisitos estabelecidos pela lei. Informações cruciais, conta o funcionário, como experiência profissional, formação acadêmica, principais competências e qualificações relevantes para os cargos estão inadequadamente apresentadas ou ausentes.

"Também, o Diário Oficial de Porto Alegre, na Edição 7.330 de 16 de agosto de 2024, publicou a nomeação do engenheiro Artur Amaral Ribas, matrícula 1408976/3, para o cargo de CC8 de coordenador-geral do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre. Essa nomeação é válida para o período de 2 de agosto de  2024 a 31 de dezembro de 2024 e o engenheiro está lotado no gabinete do prefeito, na vaga 1003254”, disse. A respeito desse profissional, ele lembra que uma matéria investigativa veiculada no Sul 21 denominada "Donos da Cidade" relata sua atuação anterior como diretor no Escritório de Licenciamento da SMAMUS. Artur Amaral Ribas foi um parceiro de longa data do secretário Bremm durante as gestões de Nelson Marchezan (2020) e Sebastião Melo (2021).

Falta de qualificação

Para ele, as indicações do prefeito não estão baseadas exclusivamente em qualificações e conhecimentos técnicos, mas também em conveniência e alinhamento político com a atual administração. “Aspecto que ganha relevância porque vários dos ocupantes das FGs e CCs estiveram envolvidos em intervenções urbanas controversas durante a Copa de 2014 e, atualmente, participam da criticada atualização do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA)”, garante.

No mais, diz o funcionário, esses 113 membros do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre, a lei, em seu artigo 15, estabelece que os servidores da administração direta e indireta, os ocupantes de cargos em comissão e os adidos designados pelo Executivo para a força-tarefa, receberão, de julho a dezembro, a gratificação GRFPOA (Gratificação de Resultado Fazendário e de Programação Orçamentária), conforme a Lei 10.087/2006, que desponta entre as maiores da administração de Porto Alegre.

Gratificações somam R$ 3 milhões

“Isso significa que cada um desses 113 — 63 efetivos e 50 em comissão — indicados pelo e avalizados por Bremm, receberá uma gratificação adicional mensal de aproximadamente R$ 5 mil”, revela. No total, até o final do ano, isso representará um desembolso superior a três milhões de reais do tesouro municipal, equivalente a mais de quatro mil cestas básicas (Dieese, julho/2024) para famílias de até quatro pessoas.

Contraste marcante com os servidores das áreas essenciais do município que se dedicaram durante a maior enchente da história de Porto Alegre e que enfrentam o descaso do governo municipal em discutir ao menos o reajuste previsto em lei da atual data-base (maio/2023 a abril/2024). As perdas inflacionárias chegam a 33,77% na gestão de Melo, do vice Ricardo Gomes e do secretário Bremm, mostra o funcionário do DMAE.

“Isso é um profundo desrespeito com o conjunto de servidores, testemunhas vivas da resistência do serviço público que mais uma vez provou que o estado mínimo é e sempre será apenas uma utopia ultraliberal - mas que assistem atualmente a sua dedicação não compensada de forma justa”, diz.

Para ele, a posição do governo soa como um deboche quando confrontada com os generosos benefícios financeiros concedidos aos membros da força-tarefa do escritório de reconstrução.

“Portanto, a criação do Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática, embora inicialmente pareça uma resposta emergencial adequada, é a cereja do bolo desse descalabro liberal e levanta sérias questões sobre a transparência e a verdadeira intenção por trás das nomeações e dos recursos alocados”, opina.

Para ele, a concentração de poder na SMAMUS e o oferecimento de gratificações elevadas para um grupo específico de servidores, quase que a metade deles comissionados, "contrastada com a falta de apoio às demais áreas essenciais, aponta para uma estratégia eleitoreira disfarçada de resposta às catástrofes climáticas”. O que o servidor entende que a situação requer uma resposta contundente da sociedade civil, dos órgãos de controle interno/externo e do Poder Judiciário.

Para o funcionário, é fundamental que mantenham uma vigilância rigorosa sobre as ações do Executivo municipal, garantindo que a gestão pública seja transparente, responsável e verdadeiramente voltada para o bem-estar da coletividade. “Em Porto Alegre, todos os servidores públicos são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”, conclui.

"Ferramenta de manobra política e eleitoreira"

Dirigente do Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa), Édson Zomar é responsável pela área do DMAE e reafirma as acusações, que para ele expõem falhas graves na gestão pública. “O que deveria ser uma resposta emergencial e técnica — o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática de Porto Alegre — nada mais é do que uma ferramenta de manobra política e eleitoreira.”

Zomar afirma que a criação desse escritório exemplifica como os interesses políticos estão, na gestão de Melo, acima das necessidades da população. “O prefeito, em conluio com o secretário Bremm, tira proveito da crise climática, distribuindo cargos e gratificações generosas a um grupo de servidores subservientes e a vários cargos em comissão indicados por partidos e apadrinhados por candidatos a vereador do campo conservador.”

O Simpa diz que "nesse trenzinho da alegria com o dinheiro público", os nomeados de “Melo & Bremm” são agraciados, desde julho de 2024, com gratificações exorbitantes. “Já para os servidores que estiveram e seguem na linha de frente das inundações, a luz no fim do túnel é o mesmo trenzinho do governo Melo, mas em sentido oposto, uma vez que o prefeito se nega até mesmo a negociar com o sindicato a reposição salarial prevista em lei de 28,98%.”

“Para piorar, dos 113 nomeados para o escritório, o número de técnicos qualificados para enfrentar os problemas de drenagem beira o absurdo: apenas dois são profissionais do DMAE. Logo, insanidade é acreditar que da composição política desse escritório saia algum produto aproveitável e de interesse público. Os eventos recentes, chuvas dentro da normalidade nos dias 24, 25 e 26 de setembro de 2024, mostram que a força-tarefa até agora pouco ou nada produziu, servindo para evidenciar que as deficiências da gestão Melo, no que tange à conservação e à manutenção da robusta infraestrutura de drenagem de Porto Alegre, são intransponíveis e persistentes”, afirma o sindicato.

Portanto, para Zomar, o uso da máquina pública pelo “desgoverno Melo & Bremm é um abuso que os servidores de carreira não podem aceitar. Denunciar essas injustiças disfarçadas de reconstrução, que privilegiam poucos às custas do sacrifício de muitos, faz-se urgente e necessário.” Por fim, o sindicato sugere que cada municipário verifique as nomeações em seu respectivo órgão, depois compartilhe e converse com os demais colegas sobre “mais essa injustiça da gestão Melo, nutrindo esperanças de que, com a exposição e o constrangimento público dos agraciados pelo escritório, a democracia com isonomia no ambiente da administração pública de Porto Alegre saia fortalecida”.

O que diz a prefeitura

A prefeitura de Porto Alegre foi consultada sobre as acusações vindas do DMAE e do Simpa, mas preferiu não comentar o assunto e passou a questão para o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática. Na nota enviada ao Brasil de Fato RS, a assessoria informa que o escritório está integralmente amparado pela lei nº 1.016/2024, aprovada por unanimidade pela Câmara Municipal, e pelo decreto nº 22.817/2024.

“O Escritório de Reconstrução, assim como toda a gestão da crise climática, segue rigorosamente os princípios da administração pública, especialmente no que se refere à legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, interesse público e eficiência. A atuação do escritório é pautada pela transparência e objetividade para mitigar as graves consequências climáticas da maior enchente da história do Brasil. A prefeitura segue comprometida com a proteção da população e a recuperação da cidade, sempre em conformidade com a lei e o interesse público”, diz a nota.


 
 

 

 

Edição: Marcelo Ferreira