O problema é quando a instituição toma conta e mata o movimento
A poucos dias da eleição municipal, quando se disputam espaços e presença na instituição 'Parlamento' e na instituição 'Governo', pode parecer pouco apropriado falar em mais movimento e menos instituição. Ainda mais da parte de alguém que, ao longo de décadas, esteve em diferentes espaços institucionais, disputando eleições, sendo deputado estadual constituinte gaúcho, esteve em governos, municipais e federais, foi dirigente partidário em instâncias estaduais e nacionais, esteve formalmente em Ordem religiosa e assim por diante.
Fui criado pessoal e politicamente em diferentes movimentos: movimento estudantil, Pastoral da Juventude, na primeira parte dos anos 1970; movimento de bairros, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), na segunda metade dos anos 1970; Pastoral Operária, movimento sindical, ONGs, na primeira metade dos 1980; Movimento Fé e Política, na segunda metade dos anos 1980. A Educação Popular e Paulo Freire sempre foram presença de movimento, com formação na ação, formar e agir, agir e formar ao mesmo tempo, através do Centro de Assessoria Multiprofissional (CAMP), fundado em 1983, e do Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe (CEAAL), cujo primeiro presidente foi Paulo Freire. Movimento, acima de tudo, sempre movimento.
As associações de bairro da Lomba do Pinheiro, a União de Vilas da Lomba do Pinheiro, o jornal O Lomba, mimeografado, eram movimento, movimento dos moradores das vilas populares, na luta por postos de saúde, por melhorias na educação, por transporte púbico de qualidade, etc. Em com muitas conquistas e vitórias ao longo do tempo. A Oposição Sindical e a Greve dos Trabalhadores da construção civil eram movimento no final dos anos 1970. A luta e mobilização por Diretas Já e por uma Constituinte Livre e Soberana eram movimento. O Núcleo do PT da Lomba do Pinheiro, final dos anos 1970, início dos 80, era movimento. Hoje, em 2024, são movimento na Lomba do Pinheiro: o Conselho Popular da Lomba, o Núcleo de Reflexão Política, as CEBs e o Cursinho Popular KiLomba.
A presença e participação em eleições, no meu caso desde 1978, e especialmente a partir de 1982, eram sempre mais movimento que instituição. Momento do debate, do diálogo, da organização política, da construção de propostas e programas de governo a partir da base popular.
Não sou, nunca fui contra a instituição, em qualquer nível e espaço. A instituição é necessária e inevitável. Até namoro costuma ser seguido pelo casamento e pela família, institucionais. O problema é quando a instituição toma conta e mata o movimento, como tem acontecido muito nos últimos tempos. O movimento fica secundário, ou desaparece, a instituição manda e comanda.
O próprio mandato de deputado estadual constituinte, ainda que na Instituição-Parlamento, e sendo presidente da Comissão de Saúde da Assembleia, foi basicamente na rua, nos movimentos populares e sindicatos, nas ocupações urbanas e rurais, nas Oposições sindicais, nas greves, nas lutas em geral. Deputado estadual, apanhei da Brigada Militar na entrada da Assembleia Legislativa no apoio à greve dos professores estaduais. Fui expulso de dentro da GHC, Grupo Hospitalar Conceição, de Porto Alegre, junto com Olívio Dutra, ambos deputados constituintes, por nosso apoio à greve das-os trabalhadoras-es da saúde.
Em governos, anos 1990, Porto Alegre, a presença e participação foi na equipe do Orçamento Participativo e no DEMHAB, Departamento Municipal de Habitação, organizando a 1ª Conferência municipal de Habitação. Nos governos Lula e Dilma, a convite de Frei Betto e Gilberto Carvalho, a presença foi na equipe de educadores populares do TALHER, organizando, no Programa Fome Zero, a mobilização social e a formação através da RECID, Rede de Educação Cidadã. Ou seja, na instituição governo federal, sendo movimento.
Agora, 2024, as eleições municipais são mais do que importantes, a exemplo da primeira eleição municipal para capitais em 1988, quando foi eleito Olívio Dutra de Porto Alegre, e surgiu o OP, Orçamento Participativo. Agora, 2024, é urgente e necessário o apoio e eleição de mandatos populares para prefeitas-os, vereadoras-es. É o que está em jogo: mandatos-movimento , não apenas mandatos-instituição.
A política tem que ser feita na rua, na defesa de direitos, na defesa da democracia. Os mandatos, seja em governos, seja em Parlamentos, são institucionais, mas têm que estar na rua, serem feitos na rua, nos bares, nas periferias, nas escolas, nas comunidades.
Muitas vezes, nos últimos tempos, infelizmente, mandatos têm sido mais institucionais que populares, mesmo no campo democrático-popular, mais ainda com o surgimento das emendas parlamentares, cuja existência e forma de implementação têm que ser discutidas. O orçamento público tem que ser discutido pela população. Os recursos públicos têm que ser decididos em assembleias pela população organizada.
Por isso, nos últimos dias de campanha, até 6 de outubro: 'RUA, RUA, RUA'. Assim se constroem os governos populares e os mandatos populares. Sem descanso, manhã, tarde, noite, madrugada. Em todas as vilas populares, nas favelas, nas periferias, nas escolas, conversando com o povo, trabalhadoras e trabalhadores, indígenas, mulheres, jovens, quilombolas, população LGBTQIA+, e também com as classes médias.
A vitória eleitoral vai ser na base do movimento, da luta, da mobilização, do diálogo com as comunidades, das propostas concretas, da organização popular, não à base do dinheiro, das emendas, da compra do voto, do controle institucional.
É o que está em jogo na reta final da campanha municipal, para garantir democracia, paz, justiça social, direitos, políticas públicas, Conselhos, Conferências, participação social. É política com solidariedade, é política com ternura. E, sobretudo, em movimento, esperançar, freireanamente.
* Selvino Heck é deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo