Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

Márcia Barbosa e Pedro Costa tomam posse da primeira reitoria da UFRGS eleita por voto paritário

Para a comunidade acadêmica, nova gestão simboliza tempos de diálogo, diversidade e vitória da democracia

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"Quanto mais formas de pensar distintas e integradas, com direito à escuta e direito à fala, nós conseguimos produzir as soluções", disse a reitora em seu discurso de posse - Divulgação UFRGS/Gustavo Diehl e Rochele Zandavalli

Tomou posse nesta sexta-feira (27) a nova reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Márcia Barbosa. Ela já havia sido nomeada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 17 de setembro e ocupava a função desde o último domingo (22). A cerimônia de condução ao cargo ocorreu no salão de atos da universidade, na parte da manhã. Na ocasião, Pedro de Almeida Costa também foi empossado como vice-reitor, assim como os demais integrantes da Gestão 2024-2028, os servidores técnico-administrativos em Educação.

Com muita música, alegria e um auditório lotado, Márcia e Pedro foram recebidos com longos minutos de aplausos. Para os presentes, a nova gestão representa a entrada de tempos mais democráticos e de diversidade para a universidade, após a gestão enterior marcada por combates com a comunidade acadêmica. Ela reafirma a vitória de tempos de luta da comunidade acadêmica, a paridade na escolha de sua gestão.

“Pra gente representa um novo início, é a primavera, um novo ciclo. A gente veio aí de longos anos de não diálogo [da reitoria] com os estudantes, com parte dos técnicos e dos professores”, afirma a estudante de Saúde Coletiva e vice-presidenta da União Nacional dos Estudantes (UNE) no RS, Niara Dy Luz.

Coordenador-geral do Sindicato dos Técnico-Administrativos em Educação da UFRGS, UFCSPA e IFRS (Assufrgs), Gabriel Focking também celebrou a escolha da reitoria com paridade de votos. Ele conta que o sindicato fez parte da comissão de consulta e que formulou o processo de escolha.

“Nós temos agora o entendimento que essa reitoria, ao entrar pela paridade, tem a possibilidade de fazer o diálogo com os técnico-administrativos. De podermos trabalhar questões que ficaram pendentes por longos anos na universidade quanto às relações de trabalho. Que ela efetive as 30 horas para todos. Que ela transforme essa universidade num local em que o ambiente de trabalho seja bom, que acolha os servidores e não o que vinha acontecendo, que era uma universidade que praticamente expulsava os servidores”, relata.

Para o professor da Faculdade de Educação (Faced) da UFRGS, Bruno Ferreira Kaingang, a aposta na nova reitora é um símbolo do reconhecimento da diversidade cultural. Indígena, ele vê com bons olhos a nova gestão que inicia para a ampliação das formas de conhecimento.

“É um processo que abre porta para novas epistemologias na universidade. Ela possibilita o ingresso de outros estudantes indígenas, negros, quilombolas, para trazer essas epistemologias para essa sociedade que hoje está com dificuldade de forma mais global. Nós estamos sofrendo com as crises climáticas, mas as epistemologias indígenas podem ajudar e contribuir para esse processo”, explica.


Primeiros atos

Durante a sessão solene, a nova gestão encaminhou ao Conselho Universitário os projetos de criação da Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe), da Secretaria Especial de Mudanças Climáticas e da Coordenadoria de Educação Básica.

O evento contou com a presença da comunidade e de ex-reitores, incluindo a 1ª reitora da UFRGS, Wrana Panizzi, o Ministro-Chefe da Secom do Governo Federal, Paulo Pimenta, o reitor do Instituto Federal do RS, Júlio Xandro Heck e a vice-reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), Jenifer Saffi. O evento contou ainda com a participação do Coral da UFRGS e da Escola de Samba Imperadores do Samba.

A escolha de Márcia Barbosa como reitora segue os trâmites da eleição para o cargo, que envolve duas etapas principais. Inicialmente, uma consulta informal à comunidade acadêmica foi realizada pela primeira vez de forma paritária, na qual a chapa de Márcia e Pedro obteve 6.620 votos, sendo a mais votada. Posteriormente, o Conselho Universitário (Consun) realizou a votação para formar a lista tríplice, na qual Márcia recebeu 44 dos 75 votos, sendo a primeira indicada da lista enviada ao Ministério da Educação.

Um novo tempo

A abertura musical do evento foi feita pelo Coral da UFRGS, que interpretou a canção “Um novo tempo”, de Ivan Lins, simbolizando o início de um tempo na Universidade. O Coral também apresentou o Hino Nacional, marcando o início da sessão solene do Conselho Universitário.

Na sequência, o reitor e a vice-reitora receberam das mãos de representantes dos diferentes segmentos da comunidade universitária alguns dos elementos que compõem a indumentária oficial para as sessões solenes do Consun: os docentes Fernanda Bairros e Bruno Ferreira Kaingang, entregaram a pelerine branca; os aposentados Walberto Chuvas e Denise Coutinho, a borla branca; as técnicas Maria Cristina Meira e Isabel Nepomuceno, o livro do Estatuto e o Regimento da Universidade; e as técnicas terceirizadas Marli Ribeiro de Oliveira e Jurema Oliveira, flores. Já os estudantes Wellington Porto e Niara Dy Luz fizeram a entrega de um quadro com grades e um cadeado que foi aberto diante do público, sinalizando o fim de um período autoritário e a retomada do diálogo em todas as instâncias da UFRGS. Os dois estudantes fizeram um pronunciamento em nome dos diversos segmentos da universidade.

"Novos futuros e horizontes"

Ao iniciar seu pronunciamento inicial como vice-reitor, Pedro Costa ressaltou o caráter democrático e autônomo da nova gestão que se inicia, relatando o quadro que encontrou ao visitar diferentes setores da universidade, ao lado da nova reitora. “Iniciamos um mandato legítimo, revestido de imensas expectativas e esperanças de que esta universidade volte a ser um espaço vivo, de criação de novos futuros e horizontes para todas as pessoas e para o nosso planeta. Tendo percorrido nos últimos meses todos os campi desta universidade, encontramos ambientes degradados e dificuldades de toda ordem, às vezes, um ar de tristeza e desânimo, mas também orgulho e esperança na construção de uma nova universidade. Encontramos muitos sonhos, guardados em gavetas e corações, muita vontade de mudar o trabalho, o estudo, muita vontade de mudar o mundo. Fomos nos nutrindo disso, dessa energia em gotas que pareciam cacos quebrados de um grande rosário que estava rompido. Aos poucos, estamos reencontrando a alegria, o orgulho e a responsabilidade de fazer desta universidade”, relatou.

Pedro observou que este é o começo de uma caminhada de quatro anos que se inicia que será trabalhosa e, ao mesmo tempo, revigorante. A essa dimensão afetiva do trabalho, o vice-reitor acrescentou o compromisso social da universidade pública. “Diante de tantas mazelas socioeconômicas e ambientais, diante da escalada de preconceitos e violências, diante da crescente desinformação e de ataque a ciência, aqui perto de nós e no planeta todo, nossas responsabilidades e demandas crescem exponencialmente. A UFRGS é hoje referência em ciências, artes e humanidades. Tudo isso é motivo de orgulho, mas não podemos nos acomodar em um lugar de soberba, apartados das grandes questões do nosso tempo e de costas para as necessidades concretas dos que vivem à nossa volta. Chega de muros, chega de grades”, proclamou.

"Local onde se cria, protege e espalha o conhecimento"

Marcia Barbosa agradeceu a todas as autoridades presentes, em especial ao ex-reitor Hélgio Trindade e a ex-reitora Wrana Panizzi, nomeada pela nova reitora como a inspiração para todas as mulheres. “Quero agradecer primeiramente a todas as pessoas aqui presentes, porque a UFRGS está em cada trabalhador e trabalhadora do país, que financia a escola pública, gratuita e de qualidade”.

A gestora compartilhou também sua emoção ao falar do pai e da mãe que tornaram possível que a menina oriunda da escola pública se tornasse membro da Academia Mundial de Ciências, contra todas as possibilidades. “Eu amo a universidade, este local onde se cria, protege e espalha o conhecimento. Esta universidade, que começou quando o primeiro ser humano se deu conta como produzir fogo e guardou esse conhecimento e contou às outras pessoas. Ou, quando a primeira pessoa descobriu como usar as sementes e criar a agricultura. Até chegar ao seu formato como hoje a conhecemos na Universidade de Bolonha – uma universidade que atravessou governos, modos de pensar, revoluções, guerras e ficou incólume, mais duradoura do que partidos políticos. E acho que os políticos aqui presentes têm muito a aprender com a universidade e sua história tão longeva como local que cria, protege e espalha conhecimento.”

Conforme a reitora, tal longevidade resulta de duas características importantes: é delas que nasce a revolução e também a renovação. “Hoje, a universidade precisa de uma transformação frente aos ataques ao conhecimento, que ocorrem justamente por meio de instrumento criado pela universidade, que é a internet. Esse instrumento vem sendo usado para atacar os cientistas, mas também a democracia, omitindo a informação importante de que o mundo vive uma mudança climática causada pelas transformações impostas pelos seres humanos. Mas, tenho um plano: a universidade possui os instrumentos para se revolucionar e tomar o mundo. Esses instrumentos são típicos do sul global e não existem nas grandes universidades do Hemisfério Norte: a extensão e a diversidade”, explicou.

A favor da diversidade e contra a mentira

Segundo a reitora, será a extensão, como um vírus do conhecimento, que vai contaminar a sociedade e fortalecer a verdade. “Estamos sendo atacados por mentiras. A expressão fake news está sendo usada para dourar uma coisa que é a mentira, porque existe o que tem evidência e o que não tem evidência.”

O outro elemento, a diversidade, é também muito distinto do que ocorre nos programa de ações afirmativas do norte global, de acordo com Márcia. “Em Harvard, ingressam pessoas diferentes e todas saem iguaizinhas. O que estamos vendo, através de evidências, é que a diversidade de modos de olhar o mundo e de produzir o conhecimento é essencial não como uma entrada, mas como um processo. Quanto mais formas de pensar distintas e integradas, com direito à escuta e direito à fala, nós conseguimos produzir as soluções. Esse é o meu plano, aqui do sul, do sul, utilizando os nossos polos de extensão - que já estão sendo mapeados -, juntando com a Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade, criaremos os meios para trazer um novo olhar não só para a UFRGS, para Porto Alegre, para o Rio Grande do Sul ou para o Brasil, mas para o mundo."

Saúde planetária

Marcia finalizou seu discurso frisando que a universidade tem de resolver os problemas da democracia, da distribuição de renda e das mudanças climáticas. “Os países que dependem da economia do petróleo não irão resolver o problema das mudanças climáticas. Nós não dependemos. Temos uma biodiversidade capaz de solucionar todos os problemas. E para provar isso, esta manhã entramos em uma competição entre as universidades do mundo inteiro para colocar a UFRGS na fronteira dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU. Esta universidade em cada formulário vai perguntar aos seus pesquisadores em que ODS o seu projeto se enquadra. E isso será feito por meio de um projeto construído com muito diálogo em toda a comunidade universitária."

A iniciativa, segundo a reitora, é um projeto transversal de saúde planetária, que engloba todas as áreas do conhecimento, a natureza, os animais, a geografia e as relações entre as pessoas. "Sempre com a visão de que o que estamos fazendo é para preservar a nossa própria existência com equidade e com distribuição. Vamos produzir um novo olhar, um novo modelo econômico, que olhe para o planeta Terra não mais como uma mãe, que tudo nos dá a exaustão. A Terra é nosso planeta, é a filha e não a mãe. Vamos trabalhar para proteger esta filha, que vai cuidar de nós em troca, porque seremos protetores do planeta”, declarou.


Edição: Marcelo Ferreira