Rio Grande do Sul

Coluna

O voto das áreas inundadas em Porto Alegre

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Porto Alegre era uma das poucas cidades do RS que possuía um sistema de proteção que poderia ter evitado ou, pelo menos, reduzido a tragédia - Rafa Dotti
Como já mostramos anteriormente, a enchente de 2024 atingiu principalmente as áreas mais pobres

André Coutinho Augustin*

Faltam poucos dias para o primeiro turno das eleições municipais 2024 e, como não poderia deixar de ser, as enchentes estão sendo um dos temas mais discutidos pelos candidatos em diferentes municípios do Rio Grande do Sul. Em Porto Alegre o tema é ainda mais polêmico, já que a cidade era uma das poucas que possuía um sistema de proteção que poderia ter evitado ou, pelo menos, reduzido a tragédia. No entanto, a falta de manutenção das casas de bombas e comportas fez com que o sistema tivesse pouca serventia. Enquanto a oposição tenta mostrar aos eleitores a responsabilidade do atual prefeito na tragédia, Sebastião Melo culpa seus antecessores e o governo federal.

Essa disputa para definir quem são os culpados deve influenciar a decisão dos eleitores em toda a cidade, mas é provável que tenha uma influência maior nas áreas mais atingidas pela enchente, principalmente naquelas que ficaram debaixo d’água. Portanto, um exercício interessante é comparar as áreas atingidas em 2024 com a distribuição dos votos em 2020, ano do último pleito municipal.

O mapa dos votos de 2020 mostra que as escolhas políticas não são distribuídas de forma igual no território. A votação está correlacionada com muitas variáveis, como a renda. Se compararmos o percentual de votos válidos que Melo recebeu em cada local de votação com a renda média do setor censitário (em 2010) onde se localizam esses locais, chegamos a uma correlação positiva. Ou seja, Melo teve mais apoio entre os mais ricos. É importante dizer que esse dado é uma aproximação, já que um local de votação também recebe eleitores que moram em outros setores censitários próximos e não apenas daquele onde está localizado, mas ele já diz muita coisa. Embora nas regiões mais pobres existam resultados mais dispersos, em todas aquelas com renda média acima de R$ 4.000,00 Melo fez mais de 55% dos votos válidos.


Observatório das Metrópoles

Para quem não está acostumado a analisar gráficos de dispersão, a lista dos bairros em que cada candidato se destacou pode deixar mais clara a distribuição dos votos. Sebastião Melo obteve seus melhores resultados na Bela Vista, Três Figueiras e Montserrat. Já Manuela d’Ávila foi melhor na Pitinga, Cidade Baixa e Bom Jesus.


Observatório das Metrópoles

Como já mostramos anteriormente, a enchente de 2024 atingiu principalmente as áreas mais pobres. Então seria esperado que tenha atingido mais os eleitores de Manuela, mas não foi o que aconteceu. Em vários bairros que alagaram, Melo teve um bom desempenho, como Lami (64,4%), Sarandi (64,0%), São Geraldo (63,5%), Navegantes (61,6%), Floresta (61,6%), Ponta Grossa (59,6%) e Arquipélago (55,4%). Em todos eles, o atual prefeito foi melhor do que os 54,6% que conseguiu na média da cidade. O mapa com o resultado por local de votação de 2020 e com a área inundada em 2024 mostra esse resultado.


Observatório das Metrópoles

No total dos locais de votação que foram diretamente atingidos pela enchente, Melo teve um desempenho um pouco melhor (56,3%) do que naqueles que não foram atingidos (54,4%). No entanto, quando olhamos apenas para as urnas que ficam em setores censitários com renda abaixo de mil reais, a diferença aumenta: 58,9% nas atingidas pela enchente contra 50,2% nas não atingidas.

Ou seja, a maior vantagem de Sebastião Melo em 2020 foi nas regiões ricas da cidade. Já nos bairros pobres, ele teve um desempenho médio pior, mas com bastante discrepância, tendo se saído bem em alguns deles. A questão é que entre essas áreas mais pobres em que Melo ganhou estão, principalmente, as que alagaram. Caso Maria do Rosário consiga convencer os eleitores desses bairros da responsabilidade de Melo pela tragédia (evidências disso não faltam), o resultado das eleições 2024 podem trazer uma polarização de votos entre ricos e pobres ainda maior do que a observada em 2020.

* André Coutinho Augustin é economista e pesquisador do INCT Observatório das Metrópoles.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo