Rio Grande do Sul

CULTURA

Especial Artistas Gaúchas: Adriana de Los Santos

Gaiteira fez parte da primeira banda de música regional formada apenas por mulheres, o grupo Só Gurias

Brasil de Fato | Porto Alegre (RS) |
"Vejo ainda poucas mulheres tendo seu show próprio, compondo e tendo espaço em feiras, rodeios, campereadas, bailes, para apresentarem seu espetáculo" - Arquivo Pessoal

As mulheres têm conquistado um espaço de autonomia dentro de territórios onde antes eram silenciadas. Suas produções artísticas são cada vez mais relevantes. Nesta série, apresentamos artistas gaúchas que, ao mesmo tempo que têm perpetuado as tradições do Rio Grande do Sul, têm feito uma revolução na história.

Adriana de Los Santos tem 45 anos. Começou a tocar gaita em 1991 com o professor Sadi Cardoso, na cidade de Guaíba, cidade onde nasceu. Em 1992 iniciou nos Rodeios de Gaita Ponto e, mais tarde, foi apadrinhada por Airton Pimentel, iniciando profissionalmente sua carreira.

Sobre ser mulher no meio tradicionalista gaúcho, Adriana nos conta que percebe algumas barreiras. Porém "nada comparadas com as que Berenice Azambuja, com certeza, deve ter enfrentado". Ela ainda vê "poucas mulheres tendo seu show próprio, compondo e tendo espaço em feiras, rodeios, campereadas, bailes, para apresentarem seu espetáculo".

Entende-se que organizadores e produtores possuem um leque de artistas (na grande maioria, homens) com os quais já trabalham há anos. Alguns chamarão de afinidade - mas ainda é uma forma de perpetuar a ausência das mulheres nesses espaços.

"Vejo que 99,9% das grades de shows são de artistas masculinos nos eventos do RS. Quem sabe uma lei de incentivo as mulheres ajudaria neste aspecto?", questiona.


"Vejo que 99,9% das grades de shows, são de artistas masculinos nos eventos do RS" / Arquivo Pessoal

Voltando aos bailes, Adriana conta que são poucas as mulheres nesses locais. Mesmo assim, hoje em dia, ela percebe que está mais fácil levar a música aos palcos e à mídia. "Acho que essa mudança se deve principalmente porque a bombacha já não é uma veste considerada apenas masculina e pelo fato dos festivais despontarem grandes talentos femininos."

"Cinco gurias no palco"

Em 2005, Adriana fez parte da primeira banda de música regional formada apenas por mulheres - o grupo Só Gurias. Na época, os empecilhos eram diversos: a começar pela vestimenta (bombacha e bota), que até então era usada quase que apenas por homens. Mas a insistência das Gurias fez vitórias e fez história.

"Éramos cinco gurias no palco tocando música regional, fazendo baile. O povo ficava impactado, não acreditavam no que viam. Animamos grandes multidões e assim fizemos até 2012. Lembro de como era difícil achar uma bombacha legal. Não tínhamos muitas opções de vestimenta gaúcha, para uma versão feminina", lembra.

Também houve repressão. "Tivemos shows em que fomos praticamente obrigadas a vestir palas por cima das roupas. Parecia que afrontávamos pelo simples uso da bombacha e hoje vemos ser uma peça fundamental no guarda-roupa das mulheres."

Quando perguntada sobre a importância de ter mulheres falando sobre tradição e tradicionalismo, Adriana reforça que é algo de muita relevância. E acrescenta que também é importante a participação dos homens. "Desde que seja com muito respeito e de forma elegante, pois nosso RS tem uma das tradições mais lindas do mundo. Reconhecida no mundo inteiro. Homens e mulheres devem caminhar juntos nesse amor pelo Rio Grande do Sul."

A artista tem mais de 30 anos dedicados à gaita e ao RS e se emociona ao lembrar de quando se apresentou na Fiesta Nacional del Chamamé, em Corrientes, Argentina. "Ter levando meu jeito de tocar chamamé para o anfiteatro Trânsito Cocomarolla foi mágico."


Em 2005, Adriana fez parte da primeira banda de música regional formada apenas por mulheres - o grupo Só Gurias. / Arquivo Pessoal

Também algumas cidades gaúchas lhe deram registros de memórias incríveis e festas lindas, como as semana farroupilhas de Guaíba, de Farroupilha e de Porto Alegre, o Planeta Atlântida de 2006, entre tantos outros… Ela pensa em, um dia, escrever um livro com algumas histórias de estrada e de shows.

Conexão com as raízes

Como seus objetivos futuros, Adriana pretende se ligar mais ao campo, em busca de uma conexão maior com as raízes, com o cheiro da terra e dos cavalos. Para ela, a gaita é um instrumento mágico, fortemente atrelado à essência da natureza: rios, campos e animais.

"Me sinto hoje muito agradecida de poder, de alguma forma, fazer as pessoas sentirem essa minha felicidade. Tocar é um momento de liberdade e de conexão com o astral."

Atualmente, o alcance de sua música instrumental se expandiu, ganhando espaço em outras cidades brasileiras, como São Paulo. O que ela considera mais uma conquista, que é sua, mas também de todas as mulheres e artistas gaúchas.


Edição: Marcelo Ferreira