Rio Grande do Sul

Coluna

Um momento difícil para respirar

Imagem de perfil do Colunistaesd
Será que vamos nos acostumar, como em tantas outras coisas, com a fumaça que grita? - Arte: Paloma Aguilar
Como se diz nos Andes, a Pachamama (Mãe Terra) suporta, mas não infinitamente

A fumaça de imensos incêndios florestais na Amazônia e em outros lugares afetou 60% do Brasil, mas também o Uruguai e a Argentina.

De acordo com o Inpe (Instituto Nacional de Investigações Espaciais), estudos de satélite mostram que 10 milhões de quilômetros quadrados foram afetados, incluindo algumas regiões da Bolívia e do Paraguai.

Essa situação se deve principalmente a atividades criminosas ligadas à exploração agrícola e à seca interminável, devido às mudanças climáticas.

E isso nos traz enfermidades pulmonares, sinusite, tosse seca, asma e várias doenças respiratórias e, de acordo com os registros dos institutos de saúde, esses casos têm aumentado nas grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro.

E por que isso está acontecendo?

Por uma doença psicossocial, que é a de não considerar a Mãe Natureza como um sujeito, um ser vivo, e usá-la como um produto inesgotável que não responde a equilíbrios, tão óbvios quanto visíveis.

E, como se diz nos Andes, a Pachamama (Mãe Terra) suporta, mas não infinitamente.

O mundo se sufoca, como na pandemia, o mesmo sintoma.

É nesse cenário que se reproduz um modelo hierárquico de poder, segundo o qual o poder simplesmente se irradia de cima para baixo, sem debate coletivo. Sem a sensibilidade de colocar na equação financeira a dor viva da natureza e da humanidade que respira a fumaceira da ganância.

Nós somos entes interdependentes, e o poder é recíproco. Dependemos uns dos outros e todos somos necessários.

É essa visão de mundo que foi apagada de nossos estudos, de nossa percepção.

Quando nos apoiamos fisicamente no chão, é fácil encontrar apoio emocional em nosso ambiente humano. Quando permitimos movimentos respiratórios naturais, nos reconectamos com a atenção e o afeto provenientes das partes mais desenvolvidas e saudáveis de nós mesmos, que são as encarregadas de prestar atenção para nos dar tempo de sentir a base de todo esse raro momento que chamamos viver.

Mas quando somos sufocados pela fumaça e pela poluição, pelas nanopartículas expandidas no ar, que talvez não percebamos na correria, mas que afetam nossos alvéolos e todo o nosso sistema orgânico, algo acontece; nos sufocamos sem perceber, falta-nos a essência vital da vida, que vem em cada alento.

E aí está, o lucro extremo, o famoso progresso a qualquer custo, essas bugigangas tão brilhantes, que falseiam a realidade e ferem tantos seres vivos.

É neste momento em que nos roubam o que há de mais precioso, o ar fresco com o qual a Vida nos dá Vida. Este é o momento em que podemos nos unir para chamar a atenção das autoridades e lutar pelo básico, pelo belo, pelo vital, pelo ar limpo e claro.

É paradoxal para nós, povos indígenas dos céus azuis e límpidos dos Andes, dizer isso, e ainda assim há as belas árvores sem voz pedindo ar, os pássaros que nos presenteiam com seu canto para despertar o coração da manhã, resignados com a fumaça e a voz do vento que tosse a fumaça dos pobres ecossistemas queimados para explorar a terra e expandir os plantios de soja ou outras culturas híbridas.

Enquanto isso acontece, onde estamos? Perdidos e tropeçando, entre a aventura e a desventura, como matéria inacabada, aparentemente tentando seguir alguma inspiração.

Será que vamos nos acostumar, como em tantas outras coisas, com a fumaça que grita?

Embora a vida de um ser humano seja breve e a vida do mundo possa ser infinita, todos nós podemos contribuir com esse futuro de ar limpo. O incêndio na biblioteca de Alexandria, que destruiu três quartos da literatura antiga do mundo, vem à mente.

Esses incêndios não são algo novo, e é um problema de consciência da totalidade da vida. É uma pergunta que nos aflige continuamente: será que poderemos resolver as trágicas contradições que vivemos desde o primeiro dia da criação?

Nosso coração diz que sim, que é possível uma vida coletiva com fresco vigor e responsabilidade em todos os níveis, para deixar uma pegada de carinho por todos os seres vivos.

Por que não?

Rogamos à Mãe Vida, Pachamama, que não, que muitos de nós, com corações cansados, mas lúcidos, levantemos nossas vozes, nas mesas de família, nas reuniões do café do trabalho, em nossas redes e pequenas atividades coletivas e elevemos nosso grito ao poder, contagiando a voz dos corações como um rio caudaloso que diz ao melhor de suas consciências: por que o homem civilizado chegou mais de uma vez ao ponto de sentir horror de si mesmo?

Pode ser que nossas Abuelas e Abuelos Andinos nos transmitam sua sabedoria ancestral para permitir-nos respirar as dificuldades deste momento que aflige muitas relações. Quiçá o Silêncio seja a medicina santa para que as criaturas exaltadas de ego cheio de ira e separatividade se sanem de uma vez e para sempre, esta é nossa irradiação como Consciência Pachamama para este agora…

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko