A premiação do 7º Festival Santa Cruz de Cinema, realizado de 3 a 6 de setembro de 2024, no auditório da Unisc, em Santa Cruz do Sul, evidenciou como temáticas sensíveis e destacadas nas produções concorrentes as preocupações da mulher preta periférica, retratando as agruras das mães e avós em diferentes partes do Brasil.
Entre as grandes vencedoras deste ano, estão as diretoras e roteiristas Laís Santos Araújo, de Maceió (premiada com Infantaria anteriormente no Festival de Berlim), e Giovanna Castellari, de São Paulo (com seu título de conclusão de curso, Cida tem duas sílabas).
Considerado o melhor filme gaúcho pelo júri formado por Lígia Walper (roteirista, diretora e produtora), Shaiane Giusti (fotógrafa) e Kaya Rodrigues (atriz, cantora e produtora), O Tempo, de Ellen Corrêa, é uma produção que conversa com essas abordagens. A diretora e roteirista já tinha vencido a mostra gaúcha do Festival de Gramado no ano passado com este curta e, desde então, vem fazendo discursos importantes e emocionantes sobre representatividade. Em Santa Cruz, não foi diferente, e a realizadora foi ovacionada com muitos aplausos de uma plateia em pé, que lotou todas as noites do festival.
Ellen disse estar muito feliz em receber o troféu Tipuana com o filme que mudou a sua vida: “Trabalhei no Audiovisual por 20 anos, sempre como camareira. Um dia, resolvi escrever. E agora tô aqui recebendo prêmio”.
Igualmente ovacionado foi Diego Tafarel, criador e integrante da coordenação do evento, ao confirmar a realização da oitava edição na primeira quinzena de junho de 2025. “É muito bom fazer esse festival de novo. Ele vai acontecer no mês que seria realizado neste ano, se não fosse a tragédia tão triste que o nosso estado viveu, esse momento tão marcante, difícil pra muita gente. Junho teoricamente será o mês oficial do festival daqui pra frente. Estou muito emocionado de estar vivendo isso com vocês, com as pessoas daqui e de fora, ver o fim da sessão de InfiniMundo. Um filme que foi rodado nas localidades que, hoje, infelizmente, não existem da mesma forma. A enchente transformou aqueles ambientes em outros, em outra situação. Mas é muito bom entender a importância do cinema, que cinema é memória e aqueles lugares estão eternizados para sempre. Então, a gente se encontra no ano que vem, aqui nesta sala”, concluiu o diretor da Pé de Coelho Filmes.
Exibido fora de competição, no encerramento do evento, o longa InfiniMundo, de Bruno Martins e Diego Müller, é ambientado na cidade fictícia de Bons Costumes, que pegou emprestados cenários do interior de Santa Cruz do Sul e Sinimbu, com apoio da Film Commission local e do Polo Audiovisual do município. Recentemente, aliás, no 52º Festival de Cinema de Gramado, a Santa Cruz Film Commission foi eleita como a melhor locação para gravações no Rio Grande do Sul, fato que foi bastante valorizado nos roteiros das noites do festival.
Turismo audiovisual e economia criativa
Outro grande destaque da sétima edição do festival na cidade do Vale do Rio Pardo foi a realização do painel "Colaboração entre Indústrias Criativas: Cinema, Turismo e Cultura" na sua programação. Participaram do evento Christiano Braga (Supervisor de Audiovisual e Economia Criativa na Gerência de Inovação da Embratur), Joana Braga (coordenadora da Porto Alegre Film Commission), Alaor Oliveira (representante da Setur/RS - Secretaria de Turismo do Estado) e César Cechinato (Secretário de Desenvolvimento Econômico e Turismo de Santa Cruz do Sul).
A iniciativa foi um amplo espaço de debate que apenas colaborou para a noção de que Cinema e Turismo, amparados em aspectos da cultura local, contribuem para a economia de forma significativa, inclusive para o PIB (Produto Interno Bruto). Nesta conjuntura toda, em que todas as partes são beneficiadas, é importante ter film commissions, festivais de cinema, profissionais de audiovisual capacitados, atrativos culturais, territórios com potencial cênico e estrutura hoteleira e de gastronomia para criar um produto turístico, conforme a apresentação da representante da Capital.
O secretário Cechinato, inclusive, lembrou do episódio em que a cidade de Santa Cruz “perdeu” de sediar as filmagens de O filme da minha vida, de Selton Mello, em 2015, pela ausência de uma film commission na região. Joana Braga relembrou o contexto de criação dessas entidades na Serra gaúcha, onde o longa acabou sendo rodado. O nosso estado é considerado pioneiro e referência em cases de sucesso com a criação das film commissions de Bento Gonçalves, Garibaldi e Antônio Prado.
Alaor reforçou muito a ideia do valor de marca turística dos destinos, acreditando que o segmento do turismo cinematográfico será importante na reconstrução do estado pós-enchentes, para recuperar a confiança dos visitantes: “Apostar no posicionamento turístico da cidade, reforçar a imagem e o valor agregado à marca do estilo turístico local é uma forma de apoiar a produção cinematográfica e a cadeia audiovisual”.
Já Christiano Braga reforçou a questão das subjetividades simbólicas e identitárias para o cinema, garantindo que, além da economia, isso deve ter impacto na formação dos cidadãos: “A gente precisa se enxergar nas telas. A gente precisa ver as nossas histórias nessa janela que é o audiovisual. Não é possível que, no país que gera tanta receita no audiovisual, as pessoas não veem e não vão ao cinema ver filmes brasileiros. Cultura é abrir formas de ver o mundo e o outro. A arte é um diálogo. Acredito muito nisso”.
Confira os premiados do 7º Festival Santa Cruz de Cinema:
Mostra Nacional
Melhor Filme (Júri Oficial): Cida tem duas sílabas, de Giovanna Castellari (SP)
Melhor Filme (Júri Popular): Cida tem duas sílabas, de Giovanna Castellari (SP)
Melhor Direção: Laís Santos Araújo, por Infantaria (AL)
Melhor Atriz: Marta Aurélia, por Circuito (CE)
Melhor Ator: Tonico Pereira, por O aniversário do Seu Lair (SP)
Melhor Roteiro: Estevan de La Fuente, por Sereia (PR)
Direção de Fotografia: Roberto Chacur, por Big Bang (MG)
Direção de Arte: Lyara Cavalcanti, por Infantaria (AL)
Figurino - Prêmio Especial Santa Cruz Film Commission: Infantaria (AL)
Montagem: Elder Gomes Barbosa, por A Noite das Garrafadas (RJ)
Trilha Sonora: Morro do Cemitério (MG)
Desenho de Som: Kiko Ferraz, por Zagêro (RS)
Melhor Filme Gaúcho: O Tempo, de Ellen Corrêa (POA)
Mostra Olhares Daqui
Melhor Filme: De volta para o mesmo lugar (SCS)
Edição: Katia Marko