Rio Grande do Sul

ARTIGO

Reencantar a educação para reencantar a cidade de Porto Alegre

'A educação é desafiada a formar o cidadão/a com consciência crítica sobre todos os aspectos da vida em sociedade'

Porto Alegre (RS) |
"A situação atual das escolas públicas municipais de Porto Alegre revela descaso, descuido e ausência de um projeto integrador da rede de escolas" - Igor Sperotto

Porto Alegre tem a memória da experiência democrática de 16 anos de Administração Popular. A cidade foi referência internacional de participação popular. A cidade do Fórum Social Mundial, do Orçamento Participativo, da cidadania ativa na proposição e controle social das políticas públicas.

A partir de 2004 a cidade foi sendo privada dos seus espaços participativos, de suas práticas coletivas de ação política. O público foi enfraquecido e a prioridade passou a ser o interesse privado, determinado pelo mercado.

Resgatar a memória e experiência da democracia participativa da cidade é desafio atual. Não para repetir mecanicamente uma experiência, mas para ressignificá-la, aportando-lhe sentidos de presente e futuro.

A situação atual das escolas públicas municipais de Porto Alegre revela descaso, descuido e ausência de um projeto integrador da rede de escolas, que garanta uma identidade política-pedagógica própria de uma rede escolar pública e que se articule com outras políticas municipais, instituições e atores sociais que podem potencializar e qualificar o trabalho realizado.

Os dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica – IDEB (INEP, 2024), revelam que Porto Alegre tem, entre as capitais dos estados brasileiros, um dos piores desempenhos em termos do nível de aprendizagem/aprovação dos seus estudantes. Além disso é expressivo o número de crianças excluídas do acesso à educação infantil.

O Censo Escolar aponta que a Educação Básica teve uma queda, nos últimos dez anos, em torno 42 mil matrículas na Rede Estadual em Porto Alegre, e de 3 mil matrículas na Rede Municipal. Na Educação Infantil a Rede Municipal tem apenas 500 matrículas a mais que dez anos atrás e os dados da demanda mostram um déficit de 7 mil matrículas. Da mesma forma, a Educação de Adultos tem mil e quinhentas matrículas a menos que há dez anos. A democratização do acesso continua sendo um desafio para a educação na cidade.

A superação desta complexa situação exige uma resposta, também complexa, que aborde os aspectos internos da vida das escolas, redimensionando a formação dos professores e provendo as escolas das condições necessárias para a efetivação do direito à educação, garantido constitucionalmente no Brasil, bem como aspectos externos que qualifiquem as condições de vida de nossos meninos e meninas, incidindo positivamente para a permanência na escola.

A primeira tarefa relaciona-se ao levantamento, bairro a bairro, da demanda por vagas na educação infantil e no ensino fundamental, para o atendimento universal de crianças e adolescentes, nestas duas etapas da educação básica.

Também se coloca, como tarefa prioritária, a ampliação da oferta da Educação de Jovens e Adultos, a serem estimulados a voltar para os processos de escolarização, tanto para qualificação de sua vida social, profissional e cidadã, quanto para qualificação da ambiência pedagógica que favorecerá também os processos de escolarização das crianças e adolescentes.

As experiências acumuladas, no campo da educação, apontam a necessidade da implicação dos professores/as e outros/as profissionais, a partir do contexto de cada escola e de suas características sócio-territoriais, na pactuação de objetivos e na mudança de rumos no trabalho cotidiano, para garantir a permanência, aprendizagens e o pleno desenvolvimento aos educandos/as e estudantes e assegurar a inclusão de todos/as e de cada um/a.

Nessa perspectiva ainda, é preciso qualificar processos e recursos pedagógicos voltados também à inclusão de alunos/as com deficiência, como o fortalecimento das salas de recursos, ampliação do número de monitores e formação de educadores.

Propõe-se, no contexto deste diálogo, a progressiva ampliação da jornada escolar diária, para crianças e adolescentes, visando a consolidação universal da escola de educação integral em tempo integral em Porto Alegre.

Para tanto será necessário, em colaboração permanente com o Governo Federal, a partir do proposto pela Lei 14.640/23, articular os espaços das escolas com outros espaços possíveis e a serem mapeados na cidade, preferencialmente em instituições educativas, culturais, esportivas, científicas, que propiciem a extensão da jornada escolar, para a complementaridade interinstitucional, tendo como foco a formação integral dos estudantes.

Propõe-se pensar em termos de territórios educadores que mapeiem, no âmbito dos bairros ou interbairros, tanto as possibilidades educadoras, a serem identificadas, afirmadas e articuladas, quanto os fatores deseducadores a serem superados e que demandam articulação com Conselhos Tutelares, Unidades de Saúde, Segurança Pública, entre outros, para superar a violência endêmica que assola inúmeras comunidades em Porto Alegre.

Esta proposta implica a assunção do princípio da intersetorialidade, integrando a ação das diferentes secretarias municipais para incidir nos territórios, a fim de garantir o acesso, o acompanhamento, a permanência e a qualificação das aprendizagens.

A escola precisa consolidar-se como um polo de educação, cultura, esportes e lazer em seu território, promovendo atividades que envolvam toda a comunidade, disponibilizando seus espaços inclusive nos finais de semana, também para organização de turmas de EJA e alfabetização de adultos.

Nesse sentido, é necessária a criação de um programa de escola aberta para as comunidades escolares para qualificação dos tempos e espaços de convivência entre crianças, jovens, adultos e idosos, na perspectiva da afirmação de uma cultura de paz e diálogo.

Trata-se, portanto, de construir um novo pacto entre o governo municipal e a cidadania de Porto Alegre, para garantir que nossas crianças e jovens – a maior riqueza de que dispomos – possam inserir-se de modo pleno no convivialidade social, em todos seus aspectos, considerando como disse Hannah Arendt, que a educação é o ponto em que decidimos:

se amamos as nossas crianças o bastante para não as expulsar de nosso mundo e abandoná-las aos seus próprios recursos, e tão pouco arrancar de suas mãos a oportunidade de empreender alguma coisa nova imprevista para nós preparando-as, em vez disso, com antecedência, para a tarefa de renovar nosso mundo comum

Educar para “renovar nosso mundo comum” nos remete também a uma escola em um contexto de cidade profundamente atingida pela crise climática global, com as suas piores e mais danosas consequências, o que demanda ações pedagógicas que integrem às atividades curriculares para a educação que promova o aprendizado da convivência respeitosa e equilibrada com a natureza, sem dicotomizar natureza humana e natureza física, afirmando uma nova dimensão de aprendizado de defesa da vida, que possibilite a formação de um cidadão comprometido com a preservação dos elementos naturais que garantem a existência humana e a vida em geral, no âmbito local e global.

A educação na cidade é desafiada a formar o cidadão/a com consciência crítica sobre todos os aspectos da vida em sociedade, incorporando a compreensão da crise climática, provocada pelos humanos, e sobre a necessidade de mitigar seus efeitos, bem como desenvolver ações para harmonizar as relações entre humanos e ambientes, prevenindo novas catástrofes.

* Eliezer Moreira Pacheco, ex-secretário de Educação de Porto Alegre; Jaqueline Moll, Professora Titular da Faculdade de Educação da UFRGS; José Clóvis Azevedo, ex-secretário de Educação de Porto Alegre; Maria Beatriz Pauperio Titton, professora aposentada da Rede Municipal de Porto Alegre.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko