Segue a mobilização da comunidade escolar contra a privatização administrativa de escolas estaduais gaúchas. Nesta quarta-feira (4), no bairro Restinga, em Porto Alegre, equipes diretivas e professores das escolas de ensino fundamental José do Patrocínio e Ildo Meneghetti se reuniram com o objetivo de reforçar a contrariedade em relação ao projeto de implantação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), proposto pelo governo Eduardo Leite (PSDB). O encontro ocorreu na sede da escola José do Patrocínio.
O evento organizado em conjunto pelas duas escolas e o 39º núcleo do CPERS Sindicato apresentou aos docentes as principais características do projeto, que visa conceder à iniciativa privada a gestão da parte administrativa de 99 escolas gaúchas por um prazo de 25 anos. De acordo com a proposta, serão leiloados três lotes de 33 escolas para empresas que terão a atribuição de efetuar reformas, ampliações, alimentação, vigilância e prestação de serviços de forma independente, a partir da solicitação das direções e sem o intermédio da Secretaria Estadual de Educação (Seduc).
O valor total do contrato é estimado em R$ 4,8 bilhões e abrange 33 escolas da Capital. Dessas, 21 estão situadas na região de abrangência do 39º núcleo do CPERS. Para a diretora geral do núcleo, Neiva Lazzarotto, a implantação das PPPs não passa de mais uma tentativa do governador Eduardo Leite e da secretária de Educação, Raquel Teixeira, de terceirizar as responsabilidades e enfraquecer a mobilização das comunidades escolares.
Neiva afirma que o projeto está sendo colocado em prática para privatizar a educação e desarticular as comunidades escolares – que estão apenas sendo informadas dos atuais trâmites da proposta e não foram chamadas para construir o projeto em conjunto. Na única audiência pública realizada pela Seduc para apresentação do projeto, no dia 6 de agosto, Raquel Teixeira sequer permaneceu até o final do encontro para ouvir as demandas dos representantes das escolas, o que foi motivo de indignação dos professores.
Valor anual concedido é muito acima dos repasses normais
Ainda segundo Neiva, se os gastos previstos fossem aplicados diretamente nas instituições de ensino, o valor anual concedido seria aproximadamente R$ 500 mil, recurso bem acima do que normalmente é repassado para as escolas. Além disso, ela aponta que é falsa a afirmação de que as empresas irão se dedicar somente às “atividades não-pedagógicas”, uma vez que todo o conjunto de atividades realizadas no interior das escolas está relacionada com a aprendizagem.
“Tudo o que ocorre nas escolas tem a ver com o ensino-aprendizagem, desde a merenda até a monitoria. Não é possível separar uma coisa da outra. Se o estado acha que é possível ter R$ 4,8 bilhões para o setor privado, naturalmente isso poderia ser investido nas escolas e não contar o lucro que a empresa terá com essa concessão”, avalia.
Além disso, a dirigente salienta que os atuais funcionários contratados que atuam nos setores abrangidos pela reforma terão alta probabilidade de serem demitidos. “Não tendo necessidade de ser remanejado para outras escolas da rede, eles serão dispensados. Não podemos permitir que isso aconteça”, informa Neiva.
Escolas atingidas pela enchente estão fora da PPP
“Se essfosse repassado para as escolas este valor, as escolas seriam de primeiro mundo”, reitera a presidenta do CPERS Sindicato, Helenir Aguiar Schürer. A dirigente considera estranho que o decreto seja justificado pela reconstrução do RS. “Chamou a atenção que nenhuma escola de Estrela, de Muçum, de Roca Sales ou outros espaços onde elas foram destruídas, nenhuma delas foram contempladas. Ao mesmo tempo, escolas que não têm problema nenhum estão dentro.”
Pontua ainda o perigo da terceirização da alimentação dos estudantes. “A gente sabe o que tem no Brasil de fraudes em relação à merenda escolar, entregaria a merenda escolar e toda a parte de manutenção, terceirizando funcionários. Não serve para nós, eu não tenho dúvida nenhuma.”
Helenir destaca que o Conselho Geral do sindicato definiu que todos os núcleos que têm escolas dentro do PPPs deverão fazer plenárias com a comunidade escolar “para esclarecer e nós cerrarmos fileira para evitar que isso aconteça no Rio Grande do Sul”. O caminho, para ela, é investimento em educação, “mas não distribuído para empresas, inclusive estrangeiras”.
A empresa responsável pelo projeto de concessão é a SP Parcerias, que desenvolveu iniciativas similares em São Paulo. A previsão é que o edital seja publicado em dezembro deste ano e a estimativa é que o leilão ocorra em fevereiro de 2025.
Professores e diretores planejam calendário de mobilizações
As dezenas de representantes das escolas que se reuniram em uma das salas de aula da Escola José do Patrocínio destacaram os principais riscos que o projeto apresenta, diante da possibilidade de que hajam interferências no projeto pedagógico e dificuldades de encaminhamento de demandas e outras reformas simples nas estruturas das instituições de ensino.
Ao longo das próximas semanas, serão formados grupos junto aos Conselhos de Pais e Mestres e comunidades escolares, buscando realizar manifestações para ampliar a adesão de moradores e impedir que a concessão seja efetuada.
A diretora da José do Patrocínio, Carla Costa Machado, explica que as reuniões com os conselhos escolares terão o objetivo de mostrar que essa iniciativa parte de um sucateamento planejado das instituições públicas de ensino – para facilitar que o setor privado seja beneficiado com verbas que deveriam ser aplicadas diretamente na educação.
“Tem muitas coisas por trás desse projeto que os pais e comunidade devem entender. Esse projeto não esclarece como questões de manutenção simples podem ser resolvidas e não existe uma garantia que a empresa vai cumprir com suas responsabilidades. A gente sabe que no papel eles apresentam de um jeito, mas na prática é bastante diferente”, destaca.
"Farra legalizada com o dinheiro público"
A professora de Biologia da Ildo Meneghetti, Silvana de Souza, corrobora esse temor que consiste na precarização das escolas. “Na Jornada Pedagógica, fizemos uma reunião para debater a implantação das PPPs. O governo não manda verba para reparos e para manutenção predial como deveria, e faz parecer que colocar as escolas na mão da iniciativa privada é melhor. A lógica é precarizar para privatizar”, afirma.
Para o professor de Filosofia da Ildo Meneghetti, Diego Nunes, o governo Leite está fazendo uso indevido da legislação do Plano Rio Grande – criado para atender à emergência ambiental no estado após as enchentes – para privatizar o ensino gaúcho e escoar esses recursos para o setor privado.
“Depois da enchente, Leite aproveitou para incluir essas privatizações no Plano Rio Grande, algo que não deveria ocorrer. Esse projeto está sendo conduzido pela Secretaria de Reconstrução Gaúcha e visa gerar lucros com o dinheiro da educação. É uma farra legalizada com o dinheiro público”, salienta.
O professor da Escola José do Patrocínio, Roger Pereira, explica que os encontros vão buscar descrever os prejuízos que o projeto vai trazer para a comunidade. “Vamos elaborar aulas públicas para mostrar às comunidades a importância da participação e denúncia desse projeto privatista do governo Leite”, comenta.
O que diz o governo
Procurada pelo Brasil de Fato RS, a Secretaria da Reconstrução Gaúcha, que está responsável pelas PPPs no governo do Leite disse que "a PPP da Educação será uma concessão de 25 anos e não prevê nenhuma interferência nas atividades pedagógicas", e que "essa responsabilidade seguirá sendo da Secretaria da Educação."
A pasta prossegue explicando que "o projeto contempla a qualificação da infraestrutura de 99 escolas (todas em áreas de vulnerabilidade, conforme indicadores do RS Seguro), em 15 municípios e beneficiando 56 mil alunos". Salientou ainda que "a atuação da PPP será em áreas que hoje já sao terceirizadas (alimentação e infraestrutura, basicamente)".
Edição: Marcelo Ferreira