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Escola estadual denuncia ação abusiva da Brigada Militar contra professora em Porto Alegre

Sem denúncia prévia, docente foi encaminhada à delegacia em viatura na frente dos alunos

Porto Alegre (RS) |
Escola Brasília fica no bairro Navegantes, em Porto Alegre - Reprodução/Google Street View

Uma professora da Escola Estadual de Ensino Fundamental Brasília (bairro Navegantes, Porto Alegre) foi conduzida para a Divisão Especial da Criança e do Adolescente (Deca) em uma viatura policial, durante o recreio escolar, na frente dos estudantes. Ela foi acusada de estar maltratando uma aluna, filha de um policial militar que faz parte da Patrulha Escolar, mas os responsáveis pela menina não haviam feito reclamações na escola antes da última quinta-feira (29), quando o caso aconteceu.

O CPERS manifestou repúdio ao que considera uma ação abusiva da Brigada Militar. Conforme o sindicato, a professora “foi conduzida de maneira coercitiva, frente aos estudantes, em razão de uma denúncia infundada e sem a devida apuração dos fatos”. Segundo o diretor da escola, Nei Colombo, a professora está em licença saúde por 15 dias, sem condições de trabalhar. O Sul21 teve acesso aos boletins de ocorrência registrados pela professora e pelo pai da aluna.

Nesta quarta-feira (4), o Sul21 ouviu a mãe da aluna. Ela afirma que a menina tem se automutilado após sofrer humilhação por parte da professora, e fica semanas sem querer frequentar a escola. Segundo a mãe, a sugestão de encaminhar a professora à Deca partiu da Patrulha Escolar após conversa dos pais com a coordenação da escola naquela quinta-feira.

No dia do ocorrido, o pai da aluna foi à escola acompanhado da esposa, da filha e de mais três policiais militares em viaturas. A professora foi chamada à sala dos professores enquanto lecionava para a turma do sexto ano. Lá, encontrou os policiais e foi informada de que seria levada à delegacia.

“Acompanhada da vice-diretora da escola, fui levada ao carro da polícia, na frente de todos os alunos, causando um constrangimento para mim”, relata a professora no registro de ocorrência. “Ao chegar ao Deca, me pediram para esperar na sala de recepção, sem nenhuma outra orientação. Após uma hora de espera, os policiais vieram me avisar que iam me levar de volta para a escola, pois o delegado optou por não me ouvir. De volta à escola, tive que descer do carro, novamente na frente dos alunos, causando outro constrangimento maior”.

Foi só na delegacia, depois da espera, que a docente recebeu a documentação da ocorrência. “Só estão apontando o dedo para mim e ninguém está parando para me escutar. Causa uma sensação de desespero”, desabafa a professora em entrevista ao Sul21.

O pai da aluna, policial militar, registrou ocorrência informando que ele e a esposa tiveram uma reunião com a coordenação da escola na manhã daquela quinta-feira, sem que nada fosse resolvido – por isso teria resolvido encaminhar o caso à Deca. Ele alega que a professora trata mal a estudante na frente dos colegas, dizendo que a menina é a única que não entende o conteúdo, por exemplo.

“Dou aulas na escola desde 2021, e nunca tive problemas com alunos. Como é uma escola pequena, há um convívio harmônico. Sempre tive muita proximidade com os alunos e eles sempre se engajaram muito nas minhas propostas de sala de aula. Busco criar um ambiente em que eles se sintam seguros de acertar, de errar, de aprender e de perguntar”, conta a professora.

Em relato enviado à Secretaria de Educação (Seduc), o diretor da escola ressalta que não houve nenhum tipo de flagrante de delito para que a professora fosse conduzida de forma obrigatória a uma delegacia de polícia, o que seria uma condução coercitiva ilegal. “Esta situação trouxe bastante agitação, instabilidade e apreensão ao ambiente escolar com os alunos perguntando por que a professora foi ‘presa’”, descreve.

O diretor também elaborou um manifesto, enviado à Seduc e à Secretaria de Segurança Pública, solicitando que os fatos sejam investigados e que os agentes envolvidos sejam responsabilizados. Cem diretores de outras escolas estaduais assinam o documento em apoio à docente.

Para o CPERS, o ato arbitrário representa um atentado contra os princípios de justiça, diálogo e respeito que devem reger as instituições. “A presença de monitores militares, sem a devida formação pedagógica, abre margem para intimidações, ameaças e para uma prática educativa que não condiz com os princípios da educação democrática e inclusiva, como o ocorrido na escola Brasília”, diz a nota do sindicato.

Procurada, a Seduc informou apenas que a pasta acompanha a situação. A corregedoria da BM não retornou contato da reportagem até o fechamento desta matéria. O espaço segue aberto.

Diretor se sentiu ameaçado 

O diretor Nei, acompanhado da professora e da orientadora pedagógica, foi até o 11º BPM na mesma quinta-feira para registrar uma reclamação do que considerou ilegal na abordagem daquela manhã. “Ficamos das 13h às 17h20 até que a reclamação fosse formalizada, o que me pareceu um desestímulo para o registro”, afirma o diretor.

Ele também marcou uma reunião para o dia seguinte, com os pais da aluna, para ouvir a reclamação deles e tomar as devidas providências. Nei relata que na manhã de sexta-feira, porém, os responsáveis pela aluna chegaram atrasados e aguardaram até a chegada da viatura da patrulha escolar.

“Os PMs da patrulha escolar chegaram e estacionaram junto ao carro do pai, policial militar, e passaram a conversar. Já sabendo do ocorrido no dia anterior, liguei para o 190 para pedir ajuda. Logo em seguida chegou outra viatura da BM, conversou com eles e um policial veio até a escola para mediar a situação. Isso causou novo alvoroço nos alunos e a situação se estendeu por mais de duas horas”, relata.

Na sexta, os pais da aluna não entraram na escola em momento algum, segundo Nei. O diretor foi então informado pelos policiais que a mãe da menina registrou ocorrência contra ele. “Optei por fazer novo registro, por ter me sentido ameaçado no exercício da minha função de servidor público”, conclui o diretor.

Edição: Sul 21