Há que reconhecer as dificuldades do momento, ir em frente, pensando que o futuro dependerá de nós
Considerando o nível, a desqualificação de personagens do naipe de um Melo, um Bolsonaro e um Marçal, é possível supor que num futuro próximo até a Dilma acabe acreditando que os golpistas de seu tempo, Temer, Moro e Aécio, entre outros, não eram tão ruins assim.
E não se trata aqui de sugerir possível saudade do pior de antes, mas sim da necessidade de compreendermos que avança entre nós um processo degenerativo, uma trajetória socializante que potencializa e estende os limites do pior.
Nesta ladeira abaixo, a apatia em relação à destruição de conquistas sociais já assume um caráter epidêmico, bem-sucedido, altamente contagioso e aparentemente imune a evidências da realidade. Em outras palavras, não sabemos o que fazer e aquelas referências de sucesso montadas no dragão do neoliberalismo já são dominantes em tantas áreas que se faz impossível negar seu caráter generalizante.
A pergunta é: O que está amarrando e dando unidade a pessoas que se erguem contra o bom senso, negando ou até solapando propostas de enfrentamento, por exemplo, à destruição de conquistas sociais, às causas do aquecimento global e aos desastres previamente anunciados? O que leva tantas pessoas a apoiar quem nega conexões entre a captura do Estado por interesses antissociais e a fragilização de direitos humanos, a emergência de epidemias, a ampliação no uso de agrotóxicos, as queimadas, a apropriação privada de bens comuns, as privatizações de serviços essenciais e a expansão da corrupção?
Li esta semana (e recomendo) interessante avaliação que interpreta estarmos vivendo o final (?) de um ciclo histórico onde, pela associação da esquerda a imagens de desilusão, em médio prazo a direita tenderia a seguir avançando. Nesta condição a radicalização de propostas da esquerda não levaria à contenção da extrema direita, nem por revoluções nem pelos caminhos eleitorais. Seria necessário, opostamente, uma lenta e operosa reconstrução da consciência social coletiva. E isso só seria possível via processos educativos de longo prazo, que deveriam ser claramente enunciados e definitivamente orientados para a defesa de valores e conquistas que precisam ser conservados.
Mas nem por isso se recomendaria o abandono de propostas reformistas buscadas através das coalizões possíveis, pela via eleitoral. Ainda que sabendo da impossibilidade de vencer, este caminho seria necessário e faria parte do processo educativo. E mesmo no caso de vitória, as experiências recentes mostram que o acúmulo de frustrações tenderia a ocorrer pelo menos até que a sociedade passasse a exigir mais do que promessas de pequenas melhorias, manifestando disposição para assumir o ônus correspondente.
Concluindo, tudo indica que precisamos nos preparar para aguentar firme e sabe-se lá por quanto tempo, fazendo o possível para contribuir com mudanças nas condições objetivas que hoje definem quem controla o Estado. Trata-se de encarar disputas eleitorais defendendo propostas reformistas tímidas, mas radicalizando alertas a respeito do papel desempenhado por representantes da direita e trabalhando pelo fortalecimento de processos de conscientização educativa, apoiando as organizações da sociedade civil que já atuam neste campo.
Naturalmente (e desde suas perspectivas) estas oportunidades também se colocam para a direita. E ela conta não apenas com o poderoso aparelhamento da comunicação social como também com grupos oligárquicos firme e historicamente instalados nos poderes republicanos. Neste ponto, vale lembrar a queda de braço sobre a liberdade de mentir e enganar em redes sociais, travada entre o ministro Alexandre de Moraes (um homem da direita) e Elon Musk, aquele promotor de golpes de Estado que conta no Brasil com apoio de congressistas liderados por Arthur Lira (PP-AL ) e empenhados em bloquear o PL 2630 (PL das Fake News).
Portanto, há que reconhecer as dificuldades do momento. E sabendo que não são poucas, ir em frente, pensando no futuro que pelo bem e pelo mal, dependerá de nós.
Isso cansa, sim, mas não o suficiente para que eu deixe de acreditar em nós.
Uma música? Renato Braz – Vapor Barato.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko