Mesmo sendo metade da população (51,5%) e do número de eleitores (53%), as mulheres ainda estão longe da equiparidade nos espaços de poder. Com o objetivo de debater a representatividade das mulheres e a violência política, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, presidida pela deputada Laura Sito (PT), promoveu uma audiência pública nesta quarta-feira (28). O encontro foi proposto pelo Movimento Independente de Mulheres 50-50 de Advogadas Gaúchas.
Nas eleições municipais deste ano, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), do total de 456.310 candidaturas registradas, 155 mil (33%) são de mulheres e 301.310 são de homens. Desses totais por gênero, 74.355 são mulheres não negras, 80.645 mulheres negras, 159.942 homens negros e 141.368 homens não negros.
A deputada Laura Sito abriu sua fala pontuando acerca da participação das mulheres nos espaços de poder. De acordo com ela, apesar das mudanças na legislação a partir de 2018, ela segue sub-representada e o recorte social aprofunda ainda mais a desigualdade da esfera política. Ela também destacou a violência política como fator de intimidação. “Eu mesmo sofri já seis ameaças de morte entre o meu mandato como vereadora e a estada aqui na Assembleia Legislativa. E o que nós vemos é um total despreparo das instituições para conseguir garantir a nossa proteção e das nossas famílias”, afirmou.
Conforme destacou a integrante do Movimento Independente de Mulheres 50-50 (MIM 50-50) de Advogadas Gaúchas Luciana Almeida da Silva, as mulheres são 53% da população e não chegam a 16% das eleitas. “Essa conta não está fechando. Existe uma necessidade de debater, de refletir sobre as desigualdades que ainda acompanham as mulheres na política.”
Também integrante do MIM 50-50, Circe Lisiak ressaltou que a ausência de mulheres em postos de definição não apenas prejudica a observância das prioridades comunitárias, mas também limita a produção de conhecimento em pautas inclusivas. “Brilhantes mulheres são marginalizadas em estruturas que dificultam sua participação nos ambientes de poder.”
De acordo com ela, o Movimento busca mobilizar a sociedade para transformar a realidade das questões de gênero, raça e etnia, nos espaços institucionais ou partidários, “para mudanças eficazes”. “A sub-representação feminina nos cargos eletivos reflete as barreiras culturais, econômicas e sociais que precisam ser enfrentadas com determinação”, afirmou.
Representando a Comissão da Mulher da OAB, Marice Balbuena Dal Forno, enfatizou que é preciso união para mudar a realidade. “A legislação só não está bastando, como bem sabemos, a questão das laranjas continuam acontecendo, e eu acho que é uma construção de um pensamento, de uma irmandade.”
Ela recordou um evento no Tribunal Regional Eleitoral sobre a implantação do Comitê de Enfrentamento às Fraudes nas Cotas de Gênero, sugerindo ações mais efetivas para garantir que a mulher ameaçada por sua participação na política não desista, uma vez que as ameaças e provocações desencorajam a militância diária. “Uma sociedade melhor que só vai acontecer quando a gente tiver o nosso percentual lá, respeitado. Nosso percentual, que eu digo, é os nossos 53% de população, não é só os 30%."
Avanços lentos
“As mulheres estão sendo sobrecarregadas e por isso a nossa dificuldade de estarmos tanto na política”, destacou a vereadora Abigail Pereira (PCdoB). Procuradora da Mulher da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, ela destacou os ataques que se vêm sofrendo no direito das mulheres.
“Nós estamos aqui reunidas para discutir uma maior participação das mulheres na política. Ao mesmo tempo, eu poderia referenciar que nós depois de 100 anos, conquistamos na lei o direito de recebermos o mesmo salário para a mesma carga horária e a mesma função do homem”, pontuou.
A parlamentar também ressaltou, em relação às mulheres no espaço de poder que não basta ser mulher, e expôs propostas que estão na agenda na Câmara, como a escola sem partido, assim como o projeto que prevê que vítimas de estupro ouçam batimentos do feto antes de abortar, protocolados por uma mulher.
Em sua intervenção a deputada estadual Sofia Cavedon ressaltou o caráter machista o país, que se reflete na violência de gênero na política, e também que a ponta do iceberg da violência de gênero que é o feminicídio. “Nós temos um retrocesso permanente, um ataque permanente do Congresso Nacional contra a nossa liberdade. A gente vem avançando muito lentamente em mecanismos que melhoram a representação.” A parlamentar também apontou para a necessidade de reforçar ações no ambiente educacional, uma vez que os conservadores têm pautas que limitam a atuação das mulheres.
Representatividade
Por sua vez a desembargadora do Tribunal de Justiça, Elaine Harzheim Macedo, pontuou que é preciso “sair das cotas e caminhar para paridade nos cargos”. Segundo sua avaliação a proporção 30/70 na lei (de cotas) veio para manter as mulheres com representação mínima no Congresso. “Qual a regra, qual a legislação para permitir a participação das mulheres nos cargos majoritários, que são, governo do estado, Presidência da República e Senado federal? Não tem nenhuma norma. E os resultados estão aí. Como presidente do Brasil, tivemos uma mulher eleita e reeleita, nenhuma vice. Atualmente temos duas governadoras nas 27 unidades federativas. E no Senado estamos em torno também de 18% a exemplo do Congresso. Nas filiações de mulheres nos partidos não alcançam 50%”, expôs.
“Temos mais mulheres negras do que brancas no Brasil e precisamos do enfrentamento nos cargos também na questão racial”, defendeu. A desembargadora recordou que o Brasil assinou a Agenda 2030, da ONU, onde está incluída a questão de gênero, “com absoluta igualdade de tratamento em todos os espaços públicos e privados e determina o seu empoderamento”. Para ela essa ação deve ser das mulheres, porque o Congresso não vai avançar, sugerindo que através do TSE seja provocada a paridade nos cargos eletivos.
“Ainda são os corpos de mulheres brancas que representam todas as pautas relativas aos movimentos de mulheres. E aí fica o questionamento, quanto a gente precisa avançar e o quanto nós estamos dispostas a levantar dos nossos lugares, das nossas posições de privilégios, enquanto branquitude, para dar e compartilhar esse espaço com mulheres negras, com mulheres indígenas e, sobretudo, com mulheres travestis e transexuais”, indagou a integrante do Movimento Negro Unificado Winnie Bueno.
De acordo com ela, são essas mulheres que estão alijadas dos processos de decisão, invisibilizadas da construção e da formulação de políticas, mas que ao mesmo tempo são as que representam o que há de mais poderoso em termos de articulação política. Winnie saudou a presença das deputadas Laura e Bruna Rodrigues no Parlamento, ao mesmo tempo que ressaltou ser preciso avançar na representatividade. “Vivemos no país processo complexo de extrema polarização que exacerba questões relacionadas ao racismo e ao sexismo.”
Mecanismos de enfrentamento
A advogada Ariane Leitão, coordenadora jurídica do Plantão de Atendimento Onde Ela Quiser de Enfrentamento à Violência Política de Gênero e de Raça, do Instituto E Se Fosse Você – idealizado pela ex-deputada Manuela D’Ávila, explicou o funcionamento do espaço de apoio jurídico e psicológico, disponibilizou o telefone 99697-1224.
“É um plantão de apoio, de confiança sigiloso que possibilita que as mulheres em situação de violência política de gênero e raça possam buscar formas coletivas de enfrentamento. Ter acolhimento psicológico, orientação jurídica e conhecer como tornar pública a denúncia, no caso, pelas redes sociais. Essa é uma ação de um ente privado, na ausência absoluta do Poder Público às mulheres que constroem a democracia. Nós não podemos tratar a violência política apenas como uma violência no período eleitoral. A violência política é uma violência que restringe o direito político”, ressaltou. Ariane também relatou ter sido vítima de violência política e da repercussão em sua vida.
A presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Mulheres e da União Brasileira de Mulheres RS, Fabiane Dutra, também expôs a violência política por ela sofrida e que levou o caso à Ouvidoria do TRF4. “A violência política está em todos os lugares e as mulheres não devem se calar. A gente precisa de muitas das nossas, das feministas, porque não basta ser mulher. Tem que estar na luta contra a opressão masculina. Só vamos mudar essa realidade quando a gente fortalecer umas às outras. Se nós estivermos nos espaços de poder e de decisão, a sociedade vai ser outra, com certeza melhor para nós e para eles, pelo menos sem tanta violência, tantas mortes.”
Representante do Ministério das Mulheres, Andreza Xavier informou que o órgão lançou a campanha Mais Mulheres no Poder, Mais Democracia. “A gente vem de um contexto de ataque ao nosso sistema democrático. São inúmeras as barreiras impostas, que são sistêmicas, estruturais, que existem para impedir a participação política das mulheres nesse espaço de poder e decisão. Como o acúmulo das jornadas de trabalho com as tarefas domésticas e de contato que não são compartilhadas, não são ainda socializados como deveriam ser”, pontuou.
Conforme informou a dirigente do Núcleo de Defesa da Mulher (NUDEM), da Defensoria Pública do Estado, Paula Britto Granetto, a entidade busca constantemente uma paridade de gênero no sistema de justiça. “A mudança só vai acontecer quando a gente estiver nesses lugares de poder, especialmente a mudança em decisões judiciais, que até hoje são bastante sexistas e não têm uma escrita feminista”, afirmou.
Ainda de acordo com a defensora, infelizmente, há mulheres também com pensamentos machistas. “Daí a importância da fala da deputada Sofia. Temos que começar a prevenção justamente nas escolas, as mulheres precisam conhecer os seus direitos. E assim como abordou Winnie, é muito importante que tenhamos espaço para a diversidade. Nossa participação, especialmente na política, ela tem que ser transformadora, não só estarmos lá. Temos que estar nos locais de poder para transformar.”
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Representante da Frente Nacional de Mulheres na Política, Milene Bordini ressaltou que a presença de mulheres na política não é apenas uma questão de justiça social, mas uma necessidade para a construção de políticas públicas que atendam às demandas reais da nossa sociedade. “As cotas de gênero são um avanço importante, mas a verdadeira representatividade vai além: precisamos de mulheres comprometidas com as pautas femininas, que pensem e atuem para garantir direitos e oportunidades iguais.” Ela informou que a Frente lançará uma pós-graduação em política voltada para mulheres.
As deliberações da audiência serão encaminhadas ao Ministério das Mulheres, em especial a limitação de cotas femininas em 30%.
* Com informações da Agência de Notícias da Assembleia Legislativa.
Edição: Katia Marko