Rio Grande do Sul

ENCHENTES I

Prefeitura decide publicar relatório completo dos holandeses

Discurso oficial é de que documento é favorável para manter a retórica de que as cheias não poderiam ser evitadas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Centro histórico de Porto Alegre alagado após quase 20 dias dos temporais de maio - Rafa Dotti

A prefeitura de Porto Alegre pretendia divulgar o relatório holandês das cheias só daqui a dois meses, quando o turbilhão eleitoral passasse, mas decidiu antecipar e tornar público na íntegra o documento elaborado pelos técnicos.

Desde o dia 19 de agosto, quando foram divulgados as primeiras conclusões do relatório, o prefeito Sebastião Melo vem fugindo da raia e se eximindo de qualquer culpa pelos episódios que devastaram a cidade, destruíram bairros, desabrigaram mais de 140 mil pessoas e afetaram locais públicos, privados, deixou parte do comércio e indústria jogados às traças e lotados de prejuízos. As manifestações negacionistas poderiam inviabilizar a sua tentativa de reeleição. Usou a eleição para escapar de julgamentos e desagradou a delegação holandesa.

Reuniões depois, muitas definições e contra definições, levaram a prefeitura a divulgar, no site do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto), o relatório dos integrantes do Programa do Governo Holandês de Redução de Risco de Desastres e Suporte a Surtos (DRRS). Eles apontaram uma sobreposição entre três fenômenos climáticos: geração de áreas de instabilidade em grande parte do RS; chegada de uma massa de ar úmida proveniente da Amazônia; e uma frente fria proveniente do Atlântico.

“Estes eventos se chocaram na porção Centro Norte do Estado do RS e não conseguiram se dissipar para Norte devido à presença de uma massa de ar quente e seca com alta pressão localizada no centro do país. Assim, todo o volume de água ficou concentrado e precipitou em um curto intervalo de tempo e em elevadas intensidades”, explicam.

O fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, segundo os holandeses, também contribuiu que áreas de instabilidade ficassem sobre o RS. “Algumas fontes indicam que as temperaturas acima da média no Oceano Atlântico (proveniente de mudanças climáticas) também podem ter contribuído para o aumento dos volumes evaporados no oceano e precipitados sobre o estado”, concluem.

As precipitações em um curto espaço de tempo provocaram, segundo os holandeses, picos de vazões e níveis de água muito superiores às médias históricas. Aliados a isso, houve a combinação de condições meteorológicas que se sobrepuseram de maneira anômala para gerar um evento de chuva com magnitude sem registros anteriores no estado do Rio Grande do Sul. As precipitações ocorreram dentro de um curto intervalo de tempo gerando picos de vazões e níveis de água muito superiores às médias históricas. Estes eventos, segundo estimaram os técnicos, estão associados à um período de recorrência superior a 100 anos.

Ventos no sentido contrário ao escoamento das águas também ajudaram a reduzir a capacidade dos corpos hídricos; efeitos de maré alta e remanso dos lagos provocaram ainda mais o estrangulamento hidráulico no fluxo hídrico até o oceano; com destaque para foz do Delta do Guaíba no Lago Guaíba (área da Ponta do Gasômetro, na altura da Região Metropolitana de Porto Alegre); pontos intermediários do Lago Guaíba (devido às baixas profundidades) no seu encontro do Lago Guaíba com a Lagoa dos Patos. O assoreamento do Guaíba também teve forte determinação nos alagamentos.

Culpabilidades

Baseando-se no relatório, identificados pela prefeitura como favoráveis para manter o discurso de que a enchente “não poderia ter sido evitada” e que não cometeu falhas no enfrentamento da crise, além da combinação de condições meteorológicas peculiares, são: sistemas de bombeamento foi dimensionado com base em dados históricos antigos, e com defasagem técnica quanto ao seu dimensionamento; os níveis de chuvas resultaram acima dos parâmetros de projeto datados da década de 1960; foram excedidos os níveis de água operacionais das bombas, incluindo seus controles elétricos e de automação. Devido a isso, a alimentação elétrica foi obrigatoriamente desligada para evitar riscos de curto-circuito.

Outros motivos para a tragédia, alguns já conhecidos da prefeitura desde a enchente de 2023, como os problemas com as comportas e a falta de manutenção dos equipamentos, relatados no documento, a prefeitura admite que muitas comportas não operaram com eficiência, apresentando inúmeros vazamentos ou pequenos rompimentos. Algumas comportas de emergência empenaram devido às altas energias do escoamento. A falta de alternativas de energia emergencial (geradores) para suprir os equipamentos de bombeamento também foram citados pela prefeitura, assim como a aparente falta de manutenção dos equipamentos; retorno do escoamento nas bombas devido à falta de válvulas de retenção; verificados diques rebaixados em alguns locais; além da presença de assentamentos informais em determinados trechos deles.

Por fim, o trecho intitulado “Sistemas de proteção e contenção contra cheias em Porto Alegre” afirma que o sistema de diques e comportas está sob operação do DMAE desde 2019 e “não possui ainda um sistema robusto de ação frente a emergências”. Ainda assim, os técnicos holandeses ponderam que “a reação de emergência pós-desastre do DMAE tem sido muito eficaz”.

* Com informações do relatório holandês divulgado pelo DMAE e Sul21.


Edição: Katia Marko