É preciso refletir e avançar num desenho institucional de política urbana
Nos dias 14 e 15 de agosto de 2024 ocorreu o Fórum Local - Região Metropolitana de Porto Alegre 50 anos - avanços, possibilidades e desafios, sob responsabilidade do Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles - INCT vinculado à rede nacional do Observatório, sediado na Universidade Federal Rio de Janeiro (UFRJ). O evento aconteceu na Universidade La Salle (UNILASALLE), em Canoas (RS).
No final do dia 15 de agosto de 2024, reunidos os participantes no auditório da Universidade La Salle, o Núcleo Porto Alegre do Observatório das Metrópoles apresenta este documento com um conjunto de considerações resultantes das reflexões apresentadas no Fórum Local:
Considerando a emergência climática como fator com reais implicações na organização dos espaços urbanos e regionais, com particular impacto no Estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre e de sua Região Metropolitana;
Considerando a iniciativa do Observatório das Metrópoles, durante o ano de 2024, de articulação nacional dos núcleos para incidência no debate político e social, destacando temas importantes para a pauta urbana como transição ecológica, saneamento básico, governança metropolitana, gestão democrática, que se relacionam diretamente com os debates deste Fórum Local;
Considerando o importante momento de renovação política municipal, que poderá ocorrer nas eleições de 2024;
Vimos apresentar as seguintes considerações:
É preciso refletir e avançar num desenho institucional de política urbana que considere a Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) como um todo, visto que muitos problemas e soluções não podem ser resolvidos apenas no nível municipal. Está na hora de termos uma governança metropolitana, com orçamento, poder e estrutura própria;
É igualmente urgente fazer com que as políticas urbanas existam conjuntamente com a políticas ambientais, a fim de priorizar políticas de enfrentamento e adaptação às mudanças climáticas que têm efeito global, mas que no Rio Grande do Sul (RS) se constituiu como uma das maiores catástrofes ambientais do Brasil, com as inundações e enchentes que assolaram a cidade de Porto Alegre, os municípios da Região Metropolitana e o estado do RS, colocando municípios em estado de calamidade pública ou situação de emergência;
Em decorrência da catástrofe ambiental faz-se necessário que atores políticos e gestores vejam com mais propriedade os danos que os efeitos climáticos causaram sobre as populações de situação de vulnerabilização social em se tratando de trabalho, renda, saúde, educação, identidade sexual, de gênero e raça, pois os eventos não atingiram todas as populações da mesma maneira;
É apropriado refletir, neste momento anterior ao pleito das campanhas para os diferentes cargos públicos, a ausência de governança metropolitana e de políticas públicas para a região, além de graves retrocessos do pouco que existia. A tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul em maio de 2024 denunciou essa carência/falta/desmantelamento do Estado e sua atuação junto às demandas da sociedade;
Devido à amplitude, a diversidade de ocupação e atividades socioeconômicas da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) percebe-se a falta de uma representação política própria da RMPA. Um dos poucos espaços de representação, o Conselho Deliberativo da RMPA, não se reúne há muitos anos. Há também um esvaziamento de estudos, principalmente a partir da extinção das Fundações Estaduais. Não se pode esquecer que sem conhecimento da realidade, é impossível agir e governar de forma adequada;
O sistema interfederativo não colabora para os avanços neste debate: faltam recursos, governo, arranjo político-institucional. Fica só na “vontade” de cooperação entre os entes federados;
Ressaltamos a importância da disponibilidade, transparência, acesso e reestruturação do sistema de dados sobre a realidade urbana, socioeconômica, cultural, ambiental e demais dimensões;
O planejamento urbano deve ser transformado e descolonizado. A diversidade presente nas cidades da RMPA, deve ser integrada contemplando as dimensões de gênero, raça e diversidade sexual, assim como as demandas das comunidades indígenas e dos quilombos urbanos presentes no território. Com isso poderemos combater o racismo das políticas habitacionais e urbanas e revisar o modelo de urbanização e produção das cidades ao invés de pensar na “reconstrução” pós-catástrofe;
Convocamos a população a participar ativamente nas conferências, principalmente a Conferência das Cidades e a Conferência do Meio Ambiente e nos canais institucionais de participação, a fim de promover políticas públicas urbanas mais democráticas e inclusivas;
Necessidade de reparação histórica dos processos de regularização fundiária dos quilombolas e povos originários, contemplando a consulta prévia e informada de acordo com o estabelecido pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho;
Reforçamos a importância das mulheres nos territórios e da necessidade de uma participação ativa das mesmas em sua diversidade no planejamento urbano das cidades da RMPA;
Ressaltamos a escola como estrutura importante na relação com a cidade e com o território. Existe a necessidade de investir na educação e na democratização dos saberes, a fim de que o direito à cidade esteja presente em todas as etapas de formação. A atenção à Educação infantil e juvenil e ao papel das escolas, enquanto espaços de produção de conhecimento junto às futuras gerações, bem como de alcance às famílias, principalmente de baixa renda, é um fator que exige atenção das futuras gestões;
Necessitamos repensar a mobilidade urbana nas cidades junto com a política ambiental, a fim de, ao mesmo tempo, reduzir os danos do aquecimento global e promover uma cidade mais inclusiva e socialmente justa. Um sistema de mobilidade público, coletivo e de qualidade tem que ser prioridade absoluta dos gestores públicos, inclusive lembrando que a mobilidade entre os municípios metropolitanos não pode depender apenas de carros. Os engarrafamentos diários na BR 116 são uma demonstração disso. Logo, a mobilidade deve ser pensada, planejada e gerida não apenas pelos municípios, mas pensada num sistema metropolitano;
É preciso enfrentar a crise de moradia, pois é inconcebível pensar que em cidades em que a população não cresce mais (como o Censo 2022 demonstrou), ainda falte habitação adequada e bem localizada para uma parcela significativa dos moradores. Se os primeiros e mais profundamente afetados pelas catástrofes ambientais sempre são os que moram precariamente, solucionar a habitação é ao mesmo tempo, adequar as nossas cidades às mudanças ambientais.
A partir destes apontamentos, sugerimos, a todos(as) os candidatos(as) a cargos eletivos no legislativo e executivo municipal, especial atenção ao planejamento urbano, metropolitano e territorial, que deve ser realizado considerando primordialmente a necessidade das pessoas, e não apenas de setores econômicos específicos, como o da construção civil, por exemplo.
É igualmente importante que os municípios se reconheçam regionalmente, como parte de realidades ambientalmente integradas, permitindo o diálogo sobre suas vulnerabilidades, necessidades, interesses e potencialidades. Neste sentido, as gestões municipais necessitam se aproximar horizontalmente, mas também estimular o governo do Rio Grande do Sul a realizar seu planejamento regional e metropolitano, conforme regulamenta o Estatuto da Metrópole (Lei 13.089/2015) e qualificando suas bases legais e de representação regional do planejamento do estado.
Por fim, espera-se que esta Carta contribua para uma reflexão crítica sobre a importância e responsabilidade política, cultural e econômica dos municípios para a produção de espaços de inclusives, participativos e de justiça socioambiental.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo