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Coluna

Como é ser lésbica nos dias de hoje?

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"Somos sapatões, somos caminhantes e estamos aqui, hoje, juntas/juntes, unindo nossos passos, nossa história" - Foto do arquivo
Gosto de enxergar as nossas existências como uma dissidência gritante a este mundo

Precisamos falar sobre nós, uma e outra vez, porque como não fazemos parte da história oficial, somos insistentemente apagadas. Mesmo iniciando a sigla LGBTQIA+. E eu queria mais, muito mais. Precisamos ressaltar que cada letra da sigla é um mundo em si e todxs juntxs somos o Universo sexo dissidente.

Gosto de enxergar as nossas existências como uma dissidência gritante a este mundo ao qual não desejamos nos adaptar. Não sou das pessoas que dizem que é só outro amor. Para mim nem é só amor, nem é outro. Nós habitamos outro mundo onde também cabe um outro amor, mas não só. Isso é só uma das pontinhas do grande gelo.

Muitos anos atrás eu escrevia e me perguntava que visibilidade a gente queria.

Vou tentar abrir uma janelinha e falar de como vejo o mundo Lésbico/Sapatão.

Entre nós, há as que se reconhecem como mulheres e, as que politicamente, preferimos não chegar a tornarmos. Como dizia Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-se”. Anos mais tarde, Monique Wittig, feminista materialista francesa da mesma turma, disse “As lésbicas não somos mulheres”, esta opção nos deixa todas as portas abertas, coisa mais linda, né? Muita potência aí. Pelo fato de nascer com determinada anatomia, ou cromossomas, sabemos que somos identificadas como meninas ou meninos ao nascer. Nesse momento, inicia-se o binarismo, o que Cecília Meireles com tanta poética versificava: “Isto ou aquilo”. Também podemos chama-lo como o começo das caixinhas. Algumas/algumxs de nós não cabemos nelas e somos claustrofóbicas às gavetas. Nós estamos em movimento continuo. Isso também faz que algumxs de nós prefiramos nos identificar como pessoas não binárias e, alguns, como sapatão masculino.

Sapatão que vem de nossos pés e não da Grécia.

É bom ver que existem tantas lésbicas e sapas como pessoas que assumimos essas existências. Não há uma única e certa forma de ser. Somos múltiplas e diversas, é assim que a gente se nutre e coaxa.

E tanto precisamos falar sobre nós que Agosto, tudinho, é nosso mês de existências e visibilidades lésbicas: o 19, é o Dia do Orgulho, e o 29, o Dia da Visibilidade

Temos duas datas e o mês inteiro para pegar o (A)gosto e morder a fruta.

Precisamos seguir rompendo silêncios, preenchendo vazios.

Por que será que ainda as pessoas heterossexuais têm medo de nós?

Eu tenho um sonho. Assim como nós, lésbicas feministas, vamos às ruas defendendo a legalização do aborto e ninguém nunca nos pergunta se abortamos, imagino o dia em que as heterossexuais venham mostrar o seu apoio nas manifestações que dão visibilidade ao Lesbianismo, insisto em chamar assim, como movimento social e político, sem se importar se alguém pensará algo ao seu respeito.

Então, vamos lá, esta semana teremos 3 eventos organizados pela Jornada Lésbica e a Ocupa Sapatão com várias parcerias.

Iniciando na quinta-feira (29), às 17 horas, nos concentraremos na Esquina Democrática. Às 18 horas começa a caminhada que vai até a esquina da Diversidade, a mais sapatão da cidade, na Travessa dos Venezianos, do lado do Venê.

Sexta-feira (30), às 19 horas, sessão de Ferro’s bar no Capitólio. Há 60 anos do início da ditadura empresarial militar no Brasil, assistiremos um documentário que fala do famoso levante lésbico em São Paulo. Haverá um debate com as ativistas Leila Lopes, Géssica Sá e Roselaine Dias, moderado por mim, mariam pessah. Os ingressos são de graça e serão entregues meia hora antes. Chega mais cedo e aproveita para tomar um chope das nossas parceiras Sapatistas.

Sábado (31), a partir das 14 horas, será a Okupa Sapatão, na Praça do Aeromóvel. Já estão confirmadas umas 20 artistas que passarão pelo palco, entre cantantes e DJs. Haverá também uma feira com mais de 10 bancas. Eu estarei lá, com meus livros.  

Se em 2003, durante o 3º Fórum Social Mundial fazíamos o Planeta Arco-íris e lá dentro, pela primeira vez compúnhamos uma mesa de Visibilidade lésbica com ativistas do Brasil e de Abya Yala, hoje estamos pluralizando-nos e assumindo que não há uma única forma de existência e de ser.

Por isso, o mote da nossa Jornada Lésbica: Sapatão esmagando a opressão, traz a criAção de uns 15 anos atrás, pelo nosso grupo Mulheres Rebeldes. Somos sapatões, somos caminhantes e estamos aqui, hoje, juntas/juntes, unindo nossos passos, nossa história. Esse mote é uma ponte no tempo. Quem sabe, no futuro, outras companheiras sigam se apropriando das nossas pegadas. Lembrando que a gente ganha quando vê muitas referências e não um único modelo a seguir. Queremos todas as portas abertas da imaginAção.

* mariam pessah foi ativista lésbika feminista por 20 anos até se afastar em 2012 para se dedicar à literatura. Autora de Meu último poema, 2023; Em breve tudo se desacomodará, 2022; Grito de mar, 2019; entre outros. Organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre, desde 2017, e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta.  Atualmente também tem uma coluna Conversa invers(A) no Youtube.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo