Rio Grande do Sul

ARTIGO

Choradeira e ostentação

As grandes demandas, através de história, têm sido a do perdão das dívidas, renegociações e outras vantagens

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Máquinas agrícolas são negociadas a juros subsidiados - Foto: Divulgaçao Secom

Fico impressionado com a hipocrisia das entidades representativas do agronegócio gaúcho em protestar contra o governo que realmente auxiliou o setor depois da enchente deste ano e das estiagens sofridas em anos anteriores. Ao mesmo tempo realizam uma edição da Expointer apresentada como de recuperação como se esta reconstrução tivesse acontecido somente pela sua resiliência e não tivesse tido um auxílio substancial dos governos da União com o Plano Safra e do Estado com a manutenção do monumental Parque Assis Brasil, em Esteio.

No início de agosto, cerca de 50 cidades gaúchas registraram manifestações de um movimento autodenominado “Tratoraço”, que se deslocou com as máquinas agrícolas até a Capital. A estimativa é que 300 tratores e cerca de dez mil produtores participaram do ato. É bom lembrar que a maior parte dessas máquinas foi adquirida com financiamentos com juros subsidiados pelo governo federal.

Entre as pautas do grupo estava o perdão das dívidas para atingidos pela enchente, prorrogação das dívidas e mais linhas de crédito. Essa foi a terceira manifestação realizada pelos latifundiários gaúchos, após atos semelhantes em Cachoeira do Sul e Rio Pardo. A mobilização ocorre dias após o governo federal publicar, em 31 de julho, uma medida provisória que estabelece as condições para a renegociação das dívidas dos produtores, com descontos baseados no percentual de perdas, com patamares específicos para prejuízos iguais ou superiores a 30% e acima de 60%.

O dinheiro, parte a fundo perdido e a maior parcela com taxas de juros para custeio e comercialização de 8% ao ano. Já para investimentos, as taxas de juros variam entre 7% ao ano e 12%, de acordo com cada programa. 

O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), esteve presente na manifestação e expressou sua preocupação com a situação enfrentada pelo agronegócio gaúcho nos últimos anos. "O agronegócio gaúcho vem de anos muito difíceis, com ciclos de estiagem que já tinham dificultado a produtividade no campo. E neste ano, em que tínhamos a expectativa de uma recuperação, nos deparamos com esta calamidade das enchentes. Precisamos fazer com que entendam lá em Brasília que, ao contrário do que parece, o Sul do Brasil ainda não está resolvido", afirmou Leite. Ele esqueceu de mencionar quanto de auxílio os agricultores receberam durante as estiagens entre 2019 e 2022.

No final do mesmo mês houve abertura da 47ª Expointer, denominada da Reconstrução e da Retomada. O número de animais em exposição, chegou a 4.796 animais de argola e rústicos inscritos. Responsável por mais de 95% do faturamento da Expointer, está o setor de máquinas e equipamentos. O local reúne cerca de 130 empresas, a mesma quantidade da edição anterior, muitas delas com sede no Rio Grande do Sul, estado que concentra 70% da produção do segmento no país. A grandiosidade das máquinas expostas, cada vez mais equipadas com inovações tecnológicas, atraiu a atenção dos visitantes.

Isto demonstra que o setor, mesmo se queixando vai indo muito bem.

Uma história antiga

A história da colonização brasileira é a da tomada das terras de seus donos, os povos originários, e repassada ao agronegócio desde 1500. A produção de commodities realizada com a utilização de trabalho escravo até o final do século XIX tem sido a economia sustentada pelos braços dos escravizados e na atualidade por toda a população brasileira através dos juros subsidiados que mantêm a classe dominante, esta, porém cada vez mais servil ao processo de colonização.

As grandes demandas, através de história, tem sido a do perdão das dívidas, renegociações e outras vantagens.

Ainda na década de 1990, no final do século passado, uma matéria da Veja, assinada por Laurentino Gomes, e da qual participei, recontava esta história. “Como vivem os reis do calote rural” era o título e contava que apesar da cantilena contra o governo, os líderes do agronegócio tinham uma vida nababesca, com veículos do último tipo, amantes, jatinhos para o transporte e se recusavam a pagar suas dívidas. O maior devedor do Banco do Brasil no Rio Grande do Sul era um deputado federal do PP, Érico Ribeiro, que devia R$ 46 milhões e queria pagar com arroz num valor três vezes maior do que o mesmo produto importado do Sudeste asiático. O valor de venda da sua safra naquele ano chegou a R$ 200 milhões.

Enfim, a história é antiga e só terminará com uma mudança radical na nossa economia, através de um processo de Reforma Agrária e de industrialização. Até lá continuaremos a ouvir a choradeira e ver a ostentação dessa classe dominante hipócrita.

* Jornalista

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko