Frei Betto, nos oitentinha, continua profeta, educador popular, dominicano da boa cepa
Conheci Frei Betto pessoalmente, junto com Lula, em 1981, no segundo Encontro da ANAMPOS, Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindical, no Centro Paulo VI, em Taboão da Serra. O Encontro era para ter acontecido na sede do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, então sob intervenção da ditadura militar por causa da greve no ABC.
Do Rio Grande do Sul, participaram Olívio Dutra, João Pedro Stédile e eu, viajando de ônibus, claro, depois da greve dos bancários e dos trabalhadores da construção civil em Porto Alegre e da ocupação das Fazendas Macali e Brilhante em Ronda Alta. Dos vários Encontros da ANAMPOS, nasceram a CUT, a CMP, o MST, o MAB, o CAMP, reforçaram-se as ocupações e lutas urbanas e rurais, as Oposições Sindicais por todo Brasil, as Diretas Já e a Constituinte, antes das primeiras eleições presidenciais diretas em 1989.
Mas na verdade conheci Frei Betto no início dos anos 1970, eu frade franciscano e estudante de Teologia da PUCRS, através das suas Cartas do Cárcere, de 1972, depois intituladas Cartas da Prisão, num pequeno livro mimeografado, guardado com todo carinho, ele preso político com os freis Tito, Ivo e Fernando.
Frei Betto, Leonardo Boff, Gustavo Gutierrez, José Comblin, Pedro Casaldáliga, Helder Câmara, Juan Luis Segundo, Ivone Gebara, Hugo Assmann, Maria José Rosado Nunes e outros tantos da Teologia da Libertação eram nossa inspiração naqueles tempos. Não por nada, no final da 1975, eu Representante Geral dos alunos do DCE junto à Reitoria na PUCRS, acabei expulso da Universidade, o que aliás, mudou minha vida. Fui morar, como Frei Betto morou nas periferias de Vitória, nas vilas populares da Lomba do Pinheiro, Porto Alegre, com apoio do meu Mestre de comunidade franciscana e confrade Dom Cláudio Hummes, inspirador do nome Francisco para o Papa Francisco. E acabei nos Encontros da ANAMPOS, conhecendo Frei Betto e Lula em pessoa. E entrei, no início dos anos 1980, na Pastoral Operária, com Frei Betto e Gilberto Carvalho.
Em 1983, neste contexto de luta e mobilização social, fundamos o CAMP, Centro de Assessoria Multiprofissional. Frei Betto, em Seminário no IPJ, Instituto de Pastoral da Juventude, em Porto Alegre, ajudou as-os educadores-es populares e militantes sociais do CAMP a preparar os processos de formação na linha da educação popular de Paulo Freire e na organização popular e sindical, urbana e rural no Sul do Brasil.
Em 1986, eu candidato a deputado estadual, recebi apoio público de Frei Betto, o que ajudou fortemente na minha eleição, eleitos Paim e Olívio Dutra deputados federais, Adão Pretto, Raul Pont, José Fortunati e eu deputados estaduais do Rio Grande do Sul, formulando a Constituição Cidadã e a Constituição estadual mais progressista do Brasil. Na sequência, Olívio Dutra foi prefeito de Porto Alegre, quando surgiu o Orçamento Participativo para o mundo.
Em 1989, Frei Betto, militantes e sonhadores de todo Brasil fundaram o Movimento Fé e Política, que reúne cristãs e cristãos e gente de todas as religiões, com Ética e Política, Mística e Política juntos, no fortalecimento da democracia e da construção da Sociedade do Bem Viver.
A vida foi nos levando em frente nos anos 1980. Frei Betto estava sempre presente, até a vitória de Lula em 2002. Frei Betto foi convidado para ser o Assessor Especial do presidente da República, articulador da mobilização social do Fome Zero. Frei Betto cria a histórica proposta do MESA, COPO, PRATO, SAL e, principalmente, do TALHER. Ele convida educadoras e educadores populares para fazerem parte do TALHER, entre os quais eu, com a frase inspiradora, até hoje: “É preciso matar a fome de pão, como prioridade. Mas sempre e ao mesmo tempo, saciar a sede de beleza.” Assim surge a RECID, Rede de Educação Cidadã, uma Rede Nacional de educadoras e educadores populares, que se espalha pelo Brasil, e faz Encontros de formação e organiza as políticas e ações do Fome Zero com participação social e popular. No final de 2004, Frei Betto resolve sair do governo e me indica como seu sucessor na Assessoria Especial de Lula.
Este é Frei Betto, frei dominicano, educador popular e escritor, com livros como Batismo de Sangue, A Mosca Azul, Calendário do Poder e tantos outros. Há alguns anos, em sua esteira, sou fortemente instigado por ele a escrever mais detalhadamente a história da RECID, coisa ainda não feita, porque a militância diária não vem permitindo.
Frei Betto completa gloriosos e bem vividos 80 anos em 25 de agosto, sempre presente na vida de tantas e tantos, também além do Brasil. Seus 80 estão sendo celebrados por um filme-documentário. Título: ´A CABEÇA PENSA ONDE OS PÉS PISAM: FREI BETTO E A EDUCAÇÃO POPULAR´, sob coordenação de Evanize Sydow, que também escreveu, com Américo Freire, ´FREI BETTO, Biografia´, prefácio de Fidel Castro.
Frei Betto, nos oitentinha, continua profeta, educador popular, teólogo, escritor, militante sonhador, animador dos movimentos populares, das Pastorais, dominicano da boa cepa. E como e com Paulo Freire, no ESPERANÇAR, com fé e coragem, anuncia ´um outro mundo possível´, urgente e necessário.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko