Rio Grande do Sul

ARTIGO

Desastre ambiental à vista: esgoto no Rio Tramandaí ameaça comunidades e o ecossistema

População do Litoral Norte gaúcho se mobiliza contra despejo de esgoto no Rio Tramandaí

Brasil de Fato | Capão da Canoa |
Os danos que o esgoto poderá provocar no ecossistema local foram levantados recentemente pelo Ceclimar (Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos) da UFRGS - Foto: Ignacio Moreno (Projeto Botos da Barra - CECLIMAR/CLN/UFRGS)

Já faz alguns meses que alguns moradores do Litoral Norte gaúcho estão tentando denunciar para as autoridades, órgãos públicos ambientais fiscalizadores e comunidade do Rio Grande do Sul um fato curioso que está acontecendo na região: a Associação de Construtores dos municípios de Capão da Canoa e Xangri-lá, em parceria com a empresa privada AEGEA, responsável pelo saneamento de esgoto da região, conseguiu o aval do MPF (Ministério Público Federal) e da FEPAM (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) para jogar o esgoto destes dois municípios no rio que banha as cidades vizinhas. O esgoto jogado no Rio Tramandaí irá prejudicar principalmente as comunidades de Imbé, Tramandaí e Osório, além é claro de todo ecossistema da região.

O sistema de tratamento de esgoto da região chegou ao seu limite: as ETEs (Estações de Tratamento de Esgoto) estão sobrecarregadas, o que eventualmente faz com que o esgoto transborde das estações e se desloque sem nenhum tipo de tratamento para o ambiente ao redor, gerando danos inestimáveis para todos nós. Por causa disso, há alguns anos, o MPF proibiu a continuidade das obras dos edifícios e condomínios horizontais de luxo que lotam a Estrada do Mar, na região em que a rodovia atravessa estes dois municípios, até que a solução para o saneamento de esgoto fosse encontrada.

O alerta para a comunidade começou no final de 2023, quando o técnico aposentado, com 36 anos de atuação na Corsan, João Vargas tomou conhecimento da movimentação feita pelo setor imobiliário de Capão da Canoa e Xangri-lá para contornar a proibição imposta pelo MPF. Um TAC (Termo de Ajuste de Conduta) firmado pela Associação de Construtores, AEGEA, FEPAM e MPF autorizou que o esgoto das duas cidades, após precário tratamento, fosse transportado através de uma tubulação de esgoto de 9 quilômetros de extensão para ser despejado no Rio Tramandaí, no município de Osório, nas proximidades de uma aldeia indígena e de colônias de pescadores. A partir desse momento, nossa luta foi para que toda população tomasse conhecimento do procedimento feito às escondidas.

O TAC promovido pelas empreiteiras foi feito repleto de irregularidades, sem a realização de audiências públicas que escutassem a opinião da população e, inclusive, sem a realização de um estudo de impacto ambiental. É importante lembrar que a AEGEA, empresa responsável pelo tratamento de esgoto da região, apesar de ser uma empresa privada, é contratada para atender às demandas e vontades da população, pois está contratada para realizar este serviço público e vital para a nossa comunidade. Sem cumprir os requisitos mínimos legais que permitissem a construção da tubulação, a obra começou a ser construída no dia 25 de março de 2024 e hoje, dia 22 de agosto, está prestes a adentrar o Rio Tramandaí.

O esgoto levará consigo diversos poluentes e possui propriedades que, mesmo após o tratamento implementado, caracterizam um esgoto cloacal. A Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí é um conjunto de rios e lagoas utilizadas como fonte de captação de água para todos os municípios do Litoral Norte gaúcho. Os danos que o esgoto poderá provocar no ecossistema local, caso venha a ser despejado no rio foram levantados recentemente pelo Ceclimar (Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Diante do risco eminente, realizamos manifestações públicas em Capão da Canoa e na ponte de Imbé-Tramandaí, que movimentaram centenas de pessoas, procuramos deputados e demais autoridades responsáveis que pudessem somar na legítima causa de defender a Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí. Concedemos entrevistas a jornais, rádios e portais de comunicação e realizamos longos debates com o corpo técnico do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte Gaúcho, união responsável por alavancar a pauta para todo o Rio Grande do Sul.

Encontramos uma solução plausível e entregamos estudos para o MPF avaliar a possibilidade de construção de um emissário submarino, que viabilizaria o descarte de tal esgoto a quilômetros da costa e longe de qualquer comunidade humana. Nenhuma atitude foi tomada e as obras da tubulação prosseguiram, causando preocupação em todos nós.

Nossa organização continuou até chegarmos em um importante capítulo desta história. Na noite fria do dia 14 de agosto, pessoas vindas de diferentes cidades do Litoral Norte se reuniram na Câmara de Vereadores de Imbé, em uma audiência pública organizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, presidida pela deputada estadual Laura Sito. A câmara e seus arredores ficaram lotados. Pela primeira vez o procurador Cláudio Terre do Amaral, responsável pela autorização do despejo do esgoto, escutou o que a população tinha a dizer. E a população falou. Foram 43 falas, sendo quase a totalidade delas de pessoas extremamente indignadas com a decisão autoritária tomada pelo procurador, que pediu mais tempo para dialogar com os técnicos da FEPAM e os empresários da AEGEA.


O esgoto levará consigo diversos poluentes e possui propriedades que, mesmo após o tratamento, caracterizam um esgoto cloacal / Foto: Nathália Schneider


É decisão da comunidade do Litoral Norte gaúcho resistir em defesa da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí / Foto: Nathália Schneider

E neste momento nós estamos aqui, acompanhando a tubulação ser construída e adentrar o Rio Tramandaí, sem nenhuma garantia ou sinal de interrupção da obra. É decisão uníssona do Movimento Unificado em Defesa do Litoral Norte, de trabalhadores, pescadores, estudantes e moradores da região resistir e seguir em busca de alternativas que nos tragam garantias de que não vamos perder a qualidade da água que bebemos, da qual muitos de nós tiram seu sustento e utilizam para irrigar seus cultivos.

Novas manifestações públicas virão e nós, hoje, sabemos bem quem são os responsáveis pela violência cometida contra nossa gente e o nosso lar. É decisão da comunidade do Litoral Norte gaúcho resistir em Defesa da Bacia Hidrográfica do Rio Tramandaí.

* Médico veterinário, ativista socioambiental e fundador do Qual é a Boa Capão da Canoa.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko