Rio Grande do Sul

Coluna

Petróleo e democracia

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"Efetivamente está em curso um forte processo de desdemocratização. Contudo, não se apresentam predicados suficientes, sequer para os adeptos do minimalismo liberal, para afirmar que há uma ditadura na Venezuela" - Prensa Presidencial
Não desejo à Venezuela a mesma tragédia produzida pelas revoluções coloridas

A situação política na Venezuela deve ser interpretada, também, sob a perspectiva da geopolítica. Em especial da geopolítica do petróleo. Dono da maior reserva conhecida de petróleo do mundo - 300,9 bilhões de barris de reservas comprovadas de petróleo bruto, segundo a PDVSA - a Venezuela explora menos de 5% deste estoque. A partir dos governos Chaves e Maduro, a exploração das reservas petrolíferas foi subordinada a políticas soberanistas, o que afastou as grandes petroleiras desta riqueza.

A abertura do acesso ao petróleo venezuelano, além da guerra ideológica evidentemente, é a motivação da política intervencionista dos EUA sobre o país e explica toda a estratégia e força ali posta. Desde a posse de Hugo Chaves, a Venezuela vive um processo de grande mobilização popular e crescimento do apoio às políticas de soberania e de investimentos sociais. O apoio da população foi decisivo naqueles anos, em especial durante os governos de Chaves, para que houvesse certa estabilidade política e que suas riquezas tenham se tornado um objetivo mais distante para os Estados Unidos.

Exatamente por isso, a Venezuela passou a ser objeto de uma estratégia de desestabilização baseada na fórmula de um bloqueio econômico não declarado. Bens e ativos da petroleira venezuelana foram arrestados e congelados, sanções econômicas foram impostas e uma grande ofensiva comunicacional e política foi posta em prática, deslegitimando internacionalmente, em especial, o governo de Nicolás Maduro. Efetivamente mais frágil que Chaves.

Uma sistemática campanha de desinformação, fortalecimento da oposição e isolamento do governo de Maduro, fizeram parte de uma estratégia de intervenção indireta, tão ao gosto da contemporânea política exterior dos governos estadunidenses e já posta em prática sobre vários países. Em comum entre eles, as reservas extensas e ainda não exploradas comercialmente de óleo e gás.

Salvo uma ou outra exceção, o resultado destes processos de derrubada dos regimes políticos nacionais destes países petroleiros foi a desestabilização e uma situação de anomia política. Muitos desses processos levaram setores de esquerda, democráticos, humanistas e progressistas, a grandes equívocos de interpretação, iludidos pela aparência de que se tratava de revoluções ou progressões democráticas. Em verdade, se mostraram cenários propícios à ascensão de governos de extrema direita, instáveis, regressivos e autoritários.

A deterioração da democracia na Venezuela é efetivamente uma realidade e tem diferentes causas. Uma delas, certamente, repousa sobre a incapacidade do governo Maduro em se reposicionar frente à crise econômica e apostar, como fez Chaves, no aprofundamento da democracia.

Foi durante o governo Chaves que se estabeleceram requisitos que até a teoria liberal reconhece como democráticos: procedimentos eleitorais estáveis e institucionalizados, tais como consolidação de um sistema eleitoral, de uma autoridade eleitoral, do colégio eleitoral, entre outros fundamentos que o Brasil conquistou na Constituinte de 1987/88, mas que não eram presentes na Venezuela. Somente na abertura do século XXI estes preceitos básicos do sistema democrático foram instruídos na Venezuela com a promulgação da nova Constituição, em 1999.

As atitudes do governo Maduro refletem a incapacidade de romper o isolamento e o solapamento dos quais a economia foi vítima, em razão das sanções estadunidense. Também o caráter e a estratégia da oposição venezuelana – antinacional, antipopular e não democrática – contribuíram fortemente para essa crise.

Para efeitos didáticos, Maria Corina, Edmundo González, Pedro Carmona e Juan Guaidó assemelham-se muito mais a Carlos Lacerda e Eduardo Bolsonaro do que a Mario Covas ou Ulysses Guimarães. A política de desestabilização, posta em prática pela aliança entre a oposição venezuelana e as petroleiras, tem como objetivo formar – comparação que novamente uso como recurso didático – um governo ao modelo de Michel Temer, de mudanças estruturais pró-mercado e de abertura do acesso das grandes empresas globais à economia venezuelana.

Efetivamente está em curso um forte processo de desdemocratização. Contudo, não se apresentam predicados suficientes, sequer para os adeptos do minimalismo liberal, para afirmar que há uma ditadura na Venezuela. O que ocorre é uma escalada de medidas autoritárias, na mesma medida em que cresce o intervencionismo político dos EUA. A progressão dos elementos democráticos, em curso desde a Constituição de 1999, está interditada.

Será preciso uma nova pactuação política na Venezuela. Porém, para garantir a soberania e a democracia, essa pactuação precisará basear-se em duas condições: impedir o retrocesso nas conquistas democráticas e sociais das últimas duas décadas e constituir sujeitos sociais e protagonistas políticos que, efetivamente, se comprometam com a efetivação dessas conquistas. Será preciso que a oposição abdique do golpismo e seja liderada por setores democráticos e vinculados aos interesses nacionais e que Maduro retroceda e abdique de quaisquer medidas desdemocratizantes. Não desejo à Venezuela a mesma tragédia produzida pelas revoluções coloridas, patrocinadas pelos Estados Unidos.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko