As lamúrias dos patrões na hora da negociação, a sobrecarga de trabalho nas agências, os quadros de doença psíquica entre os bancários e bancárias pressionados pelo cumprimento de metas cada vez mais rigorosas, os reflexos da informatização, os estratagemas dos bancos para fragmentar a categoria são alguns dos assuntos desta longa conversa (2) de Brasil de Fato RS com Luciano Fetzner e Juvandia Moreira. Ela preside a Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (CONTRAF/CUT), ele dirige o Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região (Sindbancários).
Ambos contam da queda de braço com os bancos em busca de melhor remuneração - o próximo 28 de agosto marca mais um Dia do Bancário, mês que é também o da campanha salarial da categoria, com sua data-base em 1º de setembro. Contam também sobre os lucros bilionários dos banqueiros, o agravamento das condições de trabalho nas agências, a tensão constante, sobretudo na área comercial, que empurra muitos trabalhadores e trabalhadoras à medicação “para acordar, para trabalhar e para dormir”.
Acompanhe:
Brasil de Fato RS - Como está a campanha? Como estão as negociações? O que se pode esperar no final do mês?
Luciano Fetzner - Uma choradeira. A palavra que resume a última rodada de negociações foi uma choradeira dos bancos. Os bancos continuam dando lucro, batendo recorde em cima de recorde mas, na hora de sentar para conversar com os trabalhadores... 'Ai, o custo está muito alto. Ai, vocês já ganham demais. Ai, a concorrência é desleal contra nós'. O tom está sendo esse. Mas teremos uma maratona de negociações, não só a nível nacional, mas no Banco do Brasil, na Caixa, no nosso caso aqui no Banrisul, em todas as instituições em paralelo. Até o final do mês, até o Dia do Bancário, 28 de agosto, quiçá até dia 30, que é o limite da data-base da categoria, (esperamos) ter um bom desfecho de negociação. É o que a categoria, nas pesquisas que fazemos em nível nacional, demonstra que prefere, acha que é o certo, que é o caminho adequado de uma boa negociação. Que chegue a um ponto de equilíbrio, apesar da choradeira dos banqueiros.
BdF RS - Quais são as principais reivindicações?
Juvandia Moreira - Queria ressaltar que construímos essas reivindicações a partir de um diálogo do movimento sindical na base, de uma consulta que fizemos, e o Rio Grande do Sul, passando por toda essa tragédia que passou, mesmo assim participou ativamente. Conseguimos quase 47 mil respostas nessa consulta, com certeza é uma das maiores pesquisas que tem no mundo. Bancários e bancárias de todo o Brasil responderam a nossa consulta. Então, o que apontam? Na questão econômica, aumento real é o principal ítem.
Claro, sofremos um golpe, vieram os governos Temer e Bolsonaro e a ordem do governo Bolsonaro é que os estatais tinham que dar reajustes, no máximo, até 60% da inflação. Nem a inflação completa. No nosso caso, a gente conseguiu superar isso por conta da mesa única de negociação. Se não fosse a mesa única, estaríamos com perdas salariais muito maiores. Mas foram períodos muito difíceis. Basta olhar, por exemplo, para os servidores públicos. Ficaram sete anos sem reajuste.
O lucro dos bancos cresceu muito mais do que a nossa participação
Nós queremos aumento real. É o que os bancários estão apontando. Melhorar a participação nos lucros e resultados. A participação nos lucros e resultados começou a ser negociada em 1995. Cresceu, é claro, só que o lucro dos bancos cresceu muito mais do que a nossa participação. Então, eles distribuíam 14% do lucro no começo da negociação lá em 1995/1997 e agora distribuem 6% ou 7%. Pagando mais, mas distribuindo bem menos. Tem que ampliar essa participação. Também, nas questões econômicas, o vale-refeição, auxílio-creche, babá, auxílio aos bancários e bancárias que têm filhos com deficiência e que precisam de um suporte maior. E o encarecimento da demissão, que é aquela indenização que, quando você sai do banco, já tem previsto a nossa comissão. Queremos ampliar essa indenização porque Bradesco, Itaú, Santander, esses bancos, cortam custo cortando funcionários, demitindo, fechando agência. É outra coisa absurda.
O adoecimento mental da categoria é seríssimo. Hoje é a maior causa de afastamento
Nas questões sociais, temos o problema da saúde. O adoecimento mental da categoria é seríssimo. Hoje é a maior causa de afastamento. No INSS, somos a categoria que mais tem afastamento por problemas de saúde mental. É outra coisa que não tem cabimento. Você trabalha para sobreviver, não para adoecer.
A questão da saúde tem importância no emprego, no combate à terceirização. A reforma trabalhista liberou a precarização geral e o Santander, por exemplo, é um banco que tem se utilizado da terceirização para reduzir custos e diminuir os direitos dos bancários e bancárias.
Em uma negociação para tratar das causas econômicas, os bancos choravam que parecia que a gente tinha que tirar dinheiro do bolso para dar para o banqueiro de tanto dó que dava...
O negociador deles dizia 'Olha, gente, nós temos uma concorrência grande, aumentou muito, o lucro diminuiu, o valor dos bancos na bolsa está caindo, ninguém quer investir nos bancos, vocês têm que escolher se querem direitos'. Era isso que ele estava dizendo na mesa. `O que você está falando? Você está igual ao Bolsonaro, né? Que fala assim ´Você quer emprego ou direito?`
Olha o absurdo que a gente tem que ouvir naquela mesa de negociação. Nós mostramos todos os dados com o lucro dos bancos. Eles lucraram R$145 bilhões no ano passado. E dos R$ 145 bilhões, R$108 bilhões ficaram nos cinco grandes bancos.
Também resolver a igualdade salarial entre homens e mulheres. No mercado de trabalho e na nossa categoria também tem mulheres e homens que trabalham na mesma função, são gerentes de conta, e as mulheres ganham menos que os homens. O salário delas é 22% menor que o dos homens.
Temos casos de caixas terceirizados dentro do banco, contratados por uma subsidiária do próprio banco
BdF RS - Juvandia e Luciano, vou pedir para que vocês parem porque estou contendo as lágrimas aqui.
Juvandia Moreira - Você está querendo dar um queijo para o banqueiro (risos)
BdF RS - Uma situação gravíssima, que o patronato está sofrendo na mão de vocês. Isso é uma... (risos)
Luciano Fetzner - É a materialização clara daquela expressão, né? Chorando de barriga cheia...
Juvandia Moreira - Exatamente.
BdF RS - Com o advento massivo da informatização, a categoria dos bancários foi uma das que mais perdeu trabalhadores na sua base, não? Qual foi a dimensão dessa perda? Quantos bancários e bancárias tínhamos, por exemplo, no final do século passado? E quantos temos hoje no Brasil e no Rio Grande do Sul? Ou, pelo menos, percentualmente, qual foi essa perda?
Luciano Fetzner - Cara, esse é um debate que passa tanto pela questão da tecnologia quanto pela questão da reestruturação produtiva da categoria. Porque, beleza, tem as tecnologias entrando. Aí entramos no debate do ramo financeiro, de quem são os trabalhadores que realmente trabalham para banco e não são só os considerados bancários do ponto de vista clássico.
Hoje, vamos combinar que um cara que é técnico de TI, desenvolvedor de software ou que trabalha com qualquer aspecto da tecnologia que é necessária cada vez mais para o serviço bancário, ele é bancário. Mas não é visto assim ainda. Isso é uma disputa, uma luta que não é só da nossa categoria. Várias categorias estão passando por essa discussão de reestruturação produtiva de quem são os trabalhadores do ramo financeiro. Se olhas para todo o ramo, seja os caras que prestam serviços em algum grau dentro de uma agência ou de uma área-meia de um banco, seja todo o universo de TI que tem se expandido cada vez mais, não reduziu tanto assim o número de trabalhadores e trabalhadoras que produzem o lucro dos bancos. Agora, o nosso acordo coletivo é um guarda-chuva que cada vez mais tem excluído pessoas. O Santander, depois da reforma trabalhista, vem numa crescente mais acelerada do que outras instituições, infelizmente, de terceirização inclusive de atividades fim. Tem empresas como a SX e outras subsidiárias do próprio Santander em que as pessoas estão lá com salários inferiores, não guarnecidas pelo acordo coletivo dos bancários, recebendo menos, mas fazendo a mesma coisa. Temos casos já de caixas terceirizados dentro do banco, contratados por uma subsidiária do próprio banco. O que está acontecendo é o capitalismo usando de subterfúgios para precarizar o trabalho.
O Santander, por exemplo, tem agências em que tem três bancários e dez terceirizados
BdF RS - Para tirar do guarda-chuva de vocês essa turma toda.
Luciano Fetzner - Para tirar do nosso guarda-chuva. Para diminuir os sindicalizados. E nós estamos lá, por outro lado, tentando disputar a consciência desses trabalhadores e trabalhadoras. 'Você trabalha com desenvolvimento de software, com gestão de inteligência artificial ou qualquer parte da tecnologia, mas você é bancário também. Você precisa procurar o sindicato dos bancários para nós lutarmos também por você'. É nesse momento de transição que nós estamos. E esse talvez seja o centro do nosso debate. Enfrentar a terceirização e debater o ramo financeiro.
Juvandia Moreira - Exatamente. A gente era um milhão e meio. Hoje somos 440 mil bancários e um milhão e meio de trabalhadores do setor financeiro. Nós éramos o contrário. Tinha uma época que éramos 800 mil bancários, quase um milhão. Então, houve uma migração, uma mudança. Em 2002, tínhamos 390 mil bancários na categoria. Já tinha caído muito. E com o presidente Lula (que assume em 2003) e a expansão da atividade econômica, o fortalecimento dos bancos públicos, chegamos a 513 mil bancários.
Então, depende muito do que você faz com o setor público também. Bom, aí vem o golpe que tira a presidenta Dilma e eles começam a desmontar os bancos públicos, as empresas públicas e diminuir de novo, fazendo PDVs, não contratando. Não tinha concurso no serviço público e nem nas empresas públicas. Eles começaram a preparar a privatização, tentaram privatizar. Paulo Guedes falava 'Tem que ter um banco só, porque tem dois bancos públicos? Tem que privatizar, a Caixa ou o Banco do Brasil'. Ele sabia que não conseguiria fazer os dois mas, na verdade, queriam a privatização total.
Os bancos privados não gostam da concorrência do banco público porque o banco público é usado para fazer política efetiva, pública. Quando é utilizado assim, ele força a concorrência. Assim como os bancos regionais. E no Rio Grande do Sul tem o Banrisul, que é extremamente importante. E o sindicato fez uma batalha enorme contra a privatização. Vira e mexe, eles querem privatizar, entregar o banco.
Então, esse é um problema com o emprego. Depende da vontade política e depende também de não precarizar. O Santander, por exemplo, tem agências em que tem três bancários e dez terceirizados. Do último acordo para cá, de 2022, começou a contratar na própria agência o terceirizado, coisa que não tinha antes. Não é o emprego bancário que está acabando. É que eles estão trocando também. E é isso que a gente está brigando ali na mesa para resolver.
BdF RS - Tem um dado interessante sobre isso, que é do Fórum Internacional sobre Digitalização Financeira. Diz que, em 2022, cerca de 66% das transações bancárias foram feitas por celular. E 11% no computador e apenas 2% nas agências bancárias. Isso mostra que está havendo essa transição, realmente.
Luciano Fetzner - É uma mudança de perfil, tanto do serviço, quanto do próprio usuário. Porque aí que está: é no celular, mas tem um aplicativo no celular, e esse aplicativo tem que ser atualizado todo dia.
BdF RS - Sim, tem pessoas que estão por trás trabalhando.
Luciano Fetzner - E tem a aprovação do crédito, e tem o contato.
BdF RS - E tem bancários fora da agência...
Luciano Fetzner - Tem uma série de pessoas, utilizando um outro meio que não mais um papel e uma caneta, dentro de uma agência, para atender essas pessoas. Sendo que a agência continua sendo importante, porque é uma parcela que pode não ser, estatisticamente, um número muito grande, mas estamos falando de milhões de pessoas, logo ainda assim é relevante o número de pessoas que procuram o local de trabalho, o local de atendimento presencial, principalmente fora dos grandes centros. Também tem uma questão de inclusão bancária. O trabalhador do centro, digitalizado, jovem, perspicaz, está se resolvendo pelo celular. Agora, vai nas pequenas cidades do interior, nos locais que não tem nem tanta tecnologia, às vezes nem tem uma internet muito boa ainda, ou as pessoas de maior idade, ou qualquer pessoa que não está afim de interagir com um software, mas quer o contato humano. Isso também está muito longe de não ser mais realidade. É um processo.
Tanto o bancário tradicional, que atende um senhor numa agência em Capivari do Sul, no Rio Grande, quanto o profissional de TI, que organiza um software para os jovens que estão lá no internet banking, todos são bancários. Nossa questão é que todos devem ter um tratamento digno enquanto trabalhadores e não que aquele cara que está atendendo via software seja precarizado, quarteirizado, não valorizado como um trabalhador que continua ajudando a instituição financeira a bater recordes e recordes de lucratividade. Então, não se justifica esse processo de terceirização e de desvalorização do trabalho, ou de chorarem para nós na mesa sobre a negociação dos que ainda conseguimos manter embaixo do guarda-chuva da CCT nacional dos bancários, porque o lucro continua crescendo, a distribuição da PLR precisa aumentar e a distribuição do salário justo com redução de jornada de trabalho, outra bandeira nossa, que em outros países têm avançado e no Brasil ainda está longe de ser uma realidade. Mas que é perfeitamente viável na categoria bancária.
BdF RS - Hoje, esses outros trabalhadores não estão cobertos, não tem uma negociação?
Luciano Fetzner - Tem uma pulverização. Temos lá o CBO do bancário, na caracterização do contrato de trabalho das pessoas, mas tu tens uma série de trabalhadores terceirizados nessas subsidiárias que são contratados como comerciários ou como outras categorias na carteira mesmo.
BdF RS - E como o sindicato se aproxima desse contingente de pessoas que são bancários mas que não são bancários?
Luciano Fetzner - É o que viemos debatendo nos últimos anos. Aqui, por exemplo, no sindicato, na última reforma estatutária que fizemos, criamos a figura do sócio-contribuinte. É uma modalidade diferenciada de associação em que pessoas que entendam que o sindicato dos bancários podem representá-las se associam também. Não precisa necessariamente ser o bancário tradicional com o CBO de bancário no contrato de trabalho. É um processo que estamos enfrentando.
Como você atende 70 milhões de clientes ativos com dois mil funcionários na área de atendimento?
Juvandia Moreira -Eu queria voltar a essa questão que a Kátia levantou dos 2%. É verdade, tem reduzido bastante e tem... A tecnologia traz isso. Agora, a discussão que fazemos também – e é uma discussão mundial - com o advento da inteligência artificial, dos avanços tecnológicos, da robótica, enfim. O que vai acontecer com os empregos? Temos que discutir quem vai se apropriar do ganho tecnológico. Olhando o nosso setor, quem vai se apropriar? O cliente paga a conta da internet para acessar o banco, paga a conta da energia elétrica, paga para fazer o serviço. E as tarifas bancárias cresceram, viu? Quando a gente olha num período de 10 anos, elas têm um crescimento de 120%. Ampliou o avanço tecnológico e quem ganhou? O lucro dos bancos é que aumentou. Reduziu o emprego, o que prejudica a sociedade, e ainda é o cliente quem paga a conta e o banco ganha mais.
Mas não é só isso, porque parece até que reduziu (o trabalho), então tudo bem. Mas dá para reduzir desse jeito? Não, porque cada bancário que está na agência tem uma carteira de cliente que, às vezes, vai de 800 a 1.200 clientes. Como ele liga para esses clientes e cuida da carteira, orienta o cliente, resolve o problema do cliente? Outro dia precisei falar com o gerente da minha conta, porque eu tinha que autorizar um pix, e não conseguia falar com ele. Coitado, como ele vai atender? Eles reduziram e não só porque a tecnologia veio. Não, é porque eles queriam diminuir custos. Aí eles pegam você com a carteira de cliente, obrigam a vender, focar naqueles produtos. Você tem que vender. Em vez de atender bem o cliente, dar suporte, ajudar os problemas que o cliente tem. Ah, o cliente tem problema? Muitos. Se você olhar no ranking do Banco Central, vai ver quanta denúncia, quanto problema o cliente tem. Só que eles escondem. O Nubank, por exemplo, que deveria ser banco, é banco, na verdade, mas pegam a regulação e não é regulado como banco. Tem 100 milhões de clientes, 70 milhões de ativos. Só que esse aí não é banco. Não é obrigado a pagar o imposto que o banco paga, que a Caixa Econômica paga, que o Banrisul paga, que o Banco do Brasil paga. Ele não paga esse imposto, ele paga bem menos. Os bancos pagam 21% de contribuição social sobre o lucro líquido, o Nubank não.
A gente tem que parar com essa mania de ter medo das tecnologias
BdF RS - O Nubank é o quê?
Juvandia Moreira - Tem vários enquadramentos. Agora ele colocou como financeira, mas nem isso ele era. Agora ele pegou uma parte, dos quase oito mil funcionários e ele coloca 2,5 mil como financeiro e o resto é como o Luciano falou. Ele põe na tecnologia ou coloca sindicatos genéricos. Faz enquadramento para desviar, de verdade, da convenção coletiva. Se tem muita reclamação do cliente, não tem ninguém para atender. Como você atende 70 milhões de clientes ativos com dois mil funcionários na área de atendimento? Você não atende porque os grandes bancos têm 80 mil (funcionários). A Caixa tem 84 mil funcionários e tem um monte de gente que fica com problema de atendimento. Imagina o Nubank... O que ele faz? Esconde. Onde estão essas estatísticas escondidas? Burlam a rede social, usam o algoritmo para burlar.
Luciano Fetzner - E ainda, sobre tecnologia: a gente tem que parar com essa mania de ter medo das tecnologias. Desde sempre, foi demonizada a tecnologia para o povo ter medo da tecnologia e aí quem domina a sociedade se apropriar dela. E agora nessa, sei lá, qual revolução tecnológica estamos hoje, com essas IAs e essas coisas... 'Ah, as IAs vão dominar o mundo'. Vendem essa ideia para a gente ter medo delas. Não, nós trabalhadores, trabalhadoras, classe dominada, temos que nos apropriar dessas tecnologias porque elas não vão nos engolir. Quem vai nos engolir é a classe dominante apropriada delas e nós não. Assim como foi com a escrita, assim como foi com o fogo, assim como foi com qualquer tecnologia no passado. É só mais uma. Isso é um ponto muito importante para a gente sempre colocar enquanto representação sindical. Cara, vamos nos apropriar desse negócio e colocar para dentro do debate a questão dessas tecnologias. Elas são um meio de trabalho e não vão substituir ninguém. Precisa de uma pessoa para fazer elas funcionarem como qualquer outra tecnologia anterior.
BdF RS - Há um desafio para o sindicalismo que é conseguir alcançar o conjunto dos trabalhadores e não apenas as frações. O fracionamento da classe trabalhadora é parte da estratégia do capital e nos bancários me parece que acontece exatamente isso. Alcançar o conjunto dos trabalhadores é a melhor forma, até para proteger a classe trabalhadora formalizada. Como vai se valorizar o bancário formal se o terceirizado é desvalorizado? Então, colocar todo mundo dentro de um processo de valorização ajuda todo mundo. Talvez no serviço público ainda não apareça tanto, mas no sindicalismo do setor privado esse é o grande debate. A uberização coloca um conjunto muito grande de trabalhadores fora da proteção. E o sindicato não consegue alcançar. Como o sindicato e a confederação dos trabalhadores enxergam esse desafio? Como criar a ideia do sindicato abrangente que proteja toda essa classe trabalhadora para que todo mundo ganhe? Porque, na concorrência, se tem um terceirizado ganhando pouco, o formalizado vai passar a ganhar pouco também. Ou vai perder o emprego. Como vocês vêem isso?
Juvandia Moreira - Isso é bem interessante. Há algum tempo a gente discute essa questão no ramo, mas fora do ramo também. Tivemos o congresso da CUT o ano passado e um dos debates era esse: representar todos os trabalhadores que têm carteira assinada e os que não têm. Os que estão na informalidade. Representar todos os que vivem do trabalho. O movimento sindical expandir a sua esfera de representação. No caso nosso, temos uma discussão de representar o ramo financeiro. Não faz sentido representarmos um segmento e eles ficam tirando da caixinha, ficam arrumando subterfúgios. Por exemplo, o Santander tem mais de 40 mil funcionários mas ele foi tirando da pandemia para cá e depois da reforma trabalhista. O que ele fez? Deve ter tirado uns 20 mil bancários da convenção coletiva. Tirou da convenção e colocou a empresa do grupo só para pagar menos, para ampliar a jornada.
BdF RS - Esse era o projeto.
Luciano Fetzner - Exatamente. Era para isso que fizeram a reforma trabalhista: para precarizar. Só que essa pauta de legislação não passa no Congresso Nacional. Todos sabemos que o Congresso Nacional... Se a gente colocar uma pauta desfazendo os pontos que foram extremamente prejudiciais na reforma trabalhista não vamos conseguir aprovar. Corre o risco de sair de lá pior. Então é uma luta. Estamos debatendo uma alteração na legislação sindical, de forma que você construa grandes mesas de negociação para abranger todos os trabalhadores. Seria uma mudança essencial mas demora. Precisa mudar a cultura, o próprio sindicato. Nós, bancários, acho que avançamos bastante. Há 30 anos temos uma mesa nacional, uma convenção coletiva nacional, temos um comando em representação de todos os estados e regiões do Brasil. A gente precisa exportar esse modelo para termos grandes mesas de negociação também nos outros segmentos. Criar grandes organizações, como que elas se fortalecem sem desrespeitar, sem acabar necessariamente com a organização local, porque ela é muito importante. É quem está próximo do trabalhador, próximo da cidade, próximo da vivência. Então, a gente precisa das duas coisas.
As metas são o principal responsável pelo adoecimento da categoria bancária
BdF RS - Juvandia, eu queria voltar a um assunto tocado logo no início da nossa conversa. É sobre a questão do adoecimento no trabalho. Há muitos casos de estresse, fadiga crônica, casos de deterioração da saúde mental. A que se deve isso? À redução do número de funcionários, à cobrança de metas abusivas ou a essas duas coisas juntas?
Juvandia Moreira - Veja, isso se deve, na categoria bancária, à pressão, às metas. Temos um assédio estrutural, ou seja, você tem metas estabelecidas pela alta direção que diz que você tem que atingir tal meta. Hoje eles alteram a meta. Ela é semestral e querem que você atinja em três meses. E a meta do mês querem que você atinja em 15 dias. Querem que você venda. Para que vive esse bancário que está ali na ponta? Vive para vender. É um vendedor de produtos bancários, de seguros, que é o grande lucro de uma parte dessas instituições financeiras, vivem de vender títulos de capitalização, que é uma coisa que não serve para nada, mas que eles são obrigados a vender. Vivem disso e são cobrados. Uma parte da remuneração deles, em alguns bancos mais fortemente, outros menos, depende dessa venda. Mas ele é cobrado e o emprego dele depende dessa venda. No Itaú, é o seguinte: se você passar três meses seguidos sem bater sua meta já está com risco de ser demitido. Olha o sufoco em que você vive.
Tem um mercado saturado porque ninguém aguenta capitalização e os bancários são obrigados a vender. Então, vem o adoecimento mental. Você está vendendo coisas. Eles falam 'Eu vendo coisas em que nem acredito, acho até que é ruim e tenho que vender, porque eu sou obrigada, porque meu emprego depende disso, minha remuneração depende disso, minha carreira depende disso'.
É um assédio estrutural. As metas são o principal responsável pelo adoecimento da categoria bancária. Luciano pode complementar porque ele tem essa vivência do bancário e da bancária.
Luciano Fetzner - A categoria também sofreu uma mudança em relação aos motivos dos adoecimentos ao longo das últimas décadas. Tínhamos, não muito tempo atrás, a questão das LER e DORT, as lesões por esforço repetitivo, do trabalho mais manual que era. Tudo era bater máquina. Era muito agudo naquele momento. Migrou totalmente para a questão psíquica.
O bancário médio hoje toma remédio para acordar, para se manter no trabalho, para dormir
No caso do assédio estrutural eles chegam ao ponto de ir em qualquer direção. Tem a meta individual do trabalhador, tem a meta coletiva da gestão, tem a meta ascendente e descendente. Todo mundo se agride no ambiente que está já adoecido de trabalho. Tem a pressão externa, a pressão que vem de cima da cobrança, o medo de ser demitido, a pressão estética etc.
São vários catalisadores de adoecimento psíquico. O bancário médio hoje, infelizmente, é aquela pessoa que toma remédio para acordar, toma remédio para se manter no trabalho, toma remédio para dormir, uma medicalização violenta, um índice muito acima da média de consumo de médicos, psicólogos, psiquiatras, de todo tipo de tratamentos psíquicos. Um índice muito mais alto que a média da esmagadora maioria das categorias, inclusive muito acima da média de suicídio também. Porque daí é muito fácil a pessoa chegar no ponto da falta de perspectiva. 'Meu Deus, estou a três, quatro meses sem atingir a meta, já passei por três, quatro bancos e ninguém mais vai me contratar'...
É só um exemplo e que é muito mais agudo nos privados. É um fazer muito terrível psicologicamente e falamos também muito de uma questão: o que o bancário está produzindo ao final das contas? Pensando na questão do trabalho mesmo. O trabalhador geralmente está lá, construindo uma casa, programando um software que vai para fazer alguma coisa. O bancário precisa produzir uma venda de um produto em que muitas vezes não acredita para, ao fim e ao cabo, produzir um zero no final do dia. Produzir um zero no final do dia, você foi para casa feliz. Porque você não teve uma diferença, ainda não vai ter que pagar um pênalti no seu caixa ou ter que dar uma explicação no outro dia por que você não chegou no patamar mínimo da meta. É estranho.
Nos anos em que trabalhei em agência, nessa lógica de, no final do dia, se fechou no zero está tudo bem, é frustrante, inclusive no processo psíquico da pessoa. Então o adoecimento é realmente o centro do debate da nossa categoria. Não é à toa que são estudos conduzidos na categoria bancária pela academia que levaram, por exemplo, academicamente, ao conceito de LER DORT e ao nexo causal do adoecimento psíquico lá no INSS. Hoje é reconhecido que uma pessoa que está adoecida mentalmente é sim por conta do trabalho, em que pese lá na nossa mesa nacional de saúde no mês passado, os banqueiros, numa visão extremamente negacionista...
É a área comercial, que lida com venda, cobrança de meta, o pessoal de agência. É esse povo que está adoecendo
Juvandia Moreira - Negaram de novo, não é?
Luciano Fetzner - Vieram falar 'Ah, não. Não existem provas de que a culpa é do trabalho'. Meu amigo, se tu tens uma esmagadora maioria de profissionais daquele fazer, com todo mundo se medicando e com um monte de diagnósticos de adoecimento psíquico, como que não tem nada a ver com o trabalho? É óbvio que tem.
BdF RS - Tenho um dado impressionante da consulta nacional feita pela categoria entre abril e junho deste ano. O levantamento apurou que 39% dos participantes da pesquisa relataram que usam ou usaram remédios controlados, como antidepressivos e ansiolíticos, e 47% têm crises de ansiedade, ao passo que 39% têm dificuldade para dormir mesmo nos fins de semana.
Luciano Fetzner - Mas os banqueiros acham que isso não vale.
BdF RS - Eles dormem bem. Ou usam drogas mais pesadas.
Juvandia Moreira - Significa que 18 mil bancários tomam remédio controlado. Dos afastamentos do INSS por conta de saúde mental, 25% são dos bancários. É o maior índice de afastamento por doença mental. Está mais do que provado. E os banqueiros negaram. Disseram que não tem nada a ver com as metas e o o trabalho e que todo mundo tem adoecimento mental. Não teria nada a ver com o trabalho e estaria acontecendo em tudo que é lugar. As pessoas estão muito ansiosas e muito deprimidas e não por serem bancárias cobradas e xingadas. Bom, essa é a desculpa deles.
Fizemos uma dinâmica na rede social e pedimos assim 'Bancário, fala pra gente como você vê essa questão do adoecimento'. E eles começaram a relatar choro durante o expediente, cobrança na frente do cliente, que até ele vê que estamos doentes. Em resumo, burnout, crise de ansiedade. Não basta fazer 100% das metas. Tem que fazer 120%. Quando você atinge 100%, ele te cobra mais 20%. Eles falam 'Pura pressão, afeta a minha casa, meu relacionamento, minha vida social'. Não afeta só a saúde dele. Afeta a família, que é outro problema sério.
Foram quase 200 pessoas mandando relatos do que estava acontecendo com elas. E você fica transtornada de ver que uma categoria está sofrendo tanto. Em especial quem trabalha na área comercial. Fizemos esse diagnóstico junto com eles. Eles (os banqueiros) negavam, negavam, negavam e falamos assim 'Vamos ver então os afastamentos de um dia e ver de que área são'. E aí ficou claro. É a área comercial, gente que lida com venda, cobrança de meta, é o pessoal de agência. É esse povo que está adoecendo.
*Participou Dão Real Pereira dos Santos.
** Esta entrevista é uma versão reduzida do podcast De Fato.
Edição: Ayrton Centeno