Trata-se de projeto ambicioso que encerra vários propósitos
Nesta semana o tema da coluna examina um dos dramas que se esconde atrás da crise climática e discute algumas ações que estão sendo encaminhadas para enfrentamento do conjunto de dificuldades que se avoluma no horizonte de curto prazo.
Se trata de continuidade a debates já iniciados em função das enchentes no Rio Grande do Sul e suas conexões com o modelo de agronegócio aqui dominante. Hoje se pretende ir adiante. Neste caso a ideia se relaciona à emergência de doenças zoonóticas[1] relacionadas à degradação de serviços ecossistêmicos e à importância de uma educação ambiental capaz de promover a democracia participativa e políticas públicas coerentes com o novo momento. Objetivamente, precisamos fomentar mecanismos que levem à relações mais amigáveis entre nossa cultura e os serviços ambientais de que dependemos, aqui interpretados como o melhor caminho para minimização de riscos.
Como problematização, vejam que este ano a OMS/ONU anunciou nova ameaça à saúde pública global. Trata-se da Varíola M (Mpox), que atualmente já contabiliza 97.208 casos e 186 mortes, em 117 países. O primeiro nome desta doença (“varíola dos macacos”), foi alterado em função de relatos racistas e riscos de dizimação de populações dos animais silvestres relacionados. Descoberta em 1958, no continente africano[2], região considerada (especialmente em função da pobreza das condições de insalubridade e da acelerada degradação ambiental) como principal fonte global de zoonoses, esta doença tem hoje, no Brasil, o segundo maior número de casos de pessoas afetadas. O tema é relevante para a discussão da crise climática porque o aquecimento global, com o modelo de produção agropecuária dominante e a consequente destruição de habitats naturais, se encontra entre as causas da confluência de epidemias zoonóticas. Evidências apontam que o atual modelo agrícola possui conexão direta com as novas sindemias.
Naturalmente estas questões se relacionam ao domínio de políticas nacionais por interesses globalmente orientados por processos de financeirização da economia que, controlando os governos, impedem investimentos voltados a necessidades distintas daquelas prioridades estabelecidas pelos acionistas das grandes corporações internacionais[3]. Isto se observaria claramente no caso brasileiro, onde o “teto de gastos” e a atual política de juros estabelecida pelo Banco Central estão inviabilizando a implementação do programa de governo do Presidente Lula.
Ainda assim, e apesar da escassa margem de manobra, com a retomada da confiança e devido ao potencial produtivo do território nacional, estão ocorrendo resultados surpreendentes. Isto porque ao mesmo tempo em que os países da América Latina e Caribe se percebem cativos de uma espécie de “armadilha de baixo crescimento”, a economia brasileira retomou fase de ascenso (crescendo 2,9% em 2023[4]), contra 0,9% (2015 a 2024) da América Latina. Relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) divulgado em agosto de 2024 interpreta que os resultados brasileiros se associam ao fortalecimento de políticas sociais, aos programas governamentais de transferências, ao aumento do salário-mínimo e a nova política de renegociação de dívidas, que contribuiriam para o aumento da renda e do consumo das famílias. Ainda assim haveria estagnação (possivelmente relacionada à política de juros) nos investimentos em máquinas e equipamentos produtivos (redução de 9,4%, o que se refletirá, a médio prazo, na impossibilidade de sustentar o crescimento). Resumidamente, o estudo da CEPAL recomenda políticas que articulem o desenvolvimento das forças produtivas à geração de empregos e à políticas macroeconômicas impulsionadoras de medidas eficazes para enfrentamento/adaptação/mitigação dos impactos da crise climática.
Evidentemente, isto coloca a necessidade de reformas estruturais profundas, antecedidas de processos de organização social que permitam sua execução em curto prazo.
E aqui chegamos ao foco deste texto: a proposta do Plano Clima.
Trata-se de projeto ambicioso que encerra vários propósitos. De um lado, oferece oportunidade para esclarecimento, conscientização e mobilização social, com vistas ao enfrentamento de problemas globais, a partir de locais, conforme já preconizado em compromissos internacionais defendidos por ambientalistas desde a Eco-92. De outro lado, assegura possibilidade de envolvimento e protagonismo da sociedade, através de agendas/Plenárias do Plano Clima Participativo que deverão orientar ações de mais de 18 ministérios, referente a diferentes setores socioeconômicos. Servindo de guia da política climática do país que será implementada até 2035, o Plano Clima deverá estar concluído em tempo de ser apresentado à sociedade com antecipação à 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), que ocorrerá em Belém (PA) em novembro de 2025.
Trata-se, portanto, de oportunidade para mobilizar a população, ampliando sua capacidade de intervenção coletiva sobre políticas públicas orientadas em favor do desenvolvimento humano com proteção ambiental.
Como detalhe, para aguçar a curiosidade e estimular a participação dos gaúchos, destaque-se que (até o momento de elaboração deste texto) estão disponíveis para consulta e adesão, as propostas de caráter regional intituladas “Salve o Pampa - Programa de Servidão Ambiental”, “Apoio à cadeia produtiva da pecuária sustentável nos campos nativos do bioma Pampa”; “ Restauração ecológica e recuperação produtiva para mitigar efeitos das mudanças climáticas e ampliar a resiliência nos biomas do RS”; “Proteção da sociobiodiversidade pela gestão territorial e hídrica, alicerçada no conhecimento científico”; “Rede de produção de sementes e mudas para restauração agroecológica na pecuária familiar do Pampa”; “Implantar os Sistemas Nacionais e Estaduais de Recursos Hídricos, com seus instrumentos de gestão”.
Concluindo, como informação adicional, sugere-se aos interessados que busquem informações sobre a agenda em sua região, inscrevendo-se (Realizar inscrição) para participar do processo e contribuir ao enfrentamento de problemas relacionados ao “seu” bioma.
Uma música? Nesta está difícil... mas vamos de Zé Pinto: Caminhos alternativos.
A terra, a sociedade, a vida: a gente cultiva elas e elas cultivam a gente.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Referências citadas no texto, para eventuais interessados em aprofundar a discussão:
COMISIÓN Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL), Estudio Económico de América Latina y el Caribe, 2024 (LC/PUB.2024/10-P), Santiago, 2024. ISBN: 978-92-1-122149-7 (versão impressa) • ISBN: 978-92-1-106572-5 (versão pdf) • ISBN: 978-92-106573-2 (versão ePub)
DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século. Porto Alegre, UFRGS, 2012.
MELGAREJO, Leonardo e LEITE, Acácio Zuniga. Apontamentos gerais sobre agronegócio e sindemia no Brasil Edição especial - Agronegócio em tempos de colapso planetário: abordagens críticas Vol. 57, p. 160-174, jun. 2021. DOI: 10.5380/dma.v56i0.76522. e-ISSN 2176-9109. ;
MELGAREJO, Leonardo. Editorial - Rio Grande do Sul: capitalismo do desastre ou Agroecologia? Revista Brasileira de Agroecologia, v. 19, n. 2, p. 120-130, 2024.
Notas
[1] Segundo a OMS, as zoonoses correspondem a mais de 60% das doenças infecciosas (e mais de três quartos de doenças emergentes idênticas), que afetam a humanidade. Provenientes de patógenos contidos em animais silvestres ou domésticos, a expansão das zoonoses, que sabidamente está relacionada à degradação ambiental, hoje afeta cerca de 1 bilhão de pessoas e causa, globalmente, milhões de óbitos a cada ano.
[2] Na República Democrática do Congo, a letalidade da Mpox está na faixa dos 5%. Apesar de se relacionar a doenças sexualmente transmissíveis, com transmissão por contato pele a pele, a Mpox afetaria principalmente crianças com o sistema imunológico deprimido.
[3] Ver DELGADO, 2012.
[64] O setor agrícola teria registrado um crescimento de 15,1% (que se relaciona à expansão horizontal da atividade, com impactos sobre a degradação ambiental), em comparação com os serviços, com 2,4%, e a indústria, com 1,6%.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo