Rio Grande do Sul

APÓS AS CHEIAS

Entidades ambientalistas seguem sub-representadas nos planos de reconstrução do Rio Grande do Sul

Para o presidente da Agapan, 'a visão ecológica não está posta no Plano Rio Grande' do governo Eduardo Leite

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Enchentes devastaram o RS em maio de 2024 - Foto: Ricardo Stuckert/PR

Já são mais de 100 dias que as enchentes devastaram o Rio Grande do Sul e os rumos da retomada ainda seguem em disputa. Isso fica claro no Plano Rio Grande, lançado pelo governo do estado para propor medidas de reconstrução. O conselho desse plano foi empossado em 13 de junho e tem mais de 180 integrantes.

O governo Eduardo Leite (PSDB) chamou representantes de órgãos públicos e entidades como associações municipais, conselhos regionais, federações empresariais e sindicais, investidores e universidades. A lista tem também dezenas de empresários, como Jorge Gerdau e a CEO de um parque temático da Mônica em Gramado. Mas entidades ecologistas do estado que historicamente debatem o meio ambiente foram deixadas de fora.

A repercussão foi negativa, o que fez o governo mudar de ideia. Para a primeira reunião da câmara temática de Meio Ambiente, realizada no dia 2 de julho, a Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul (Apedema) foi convidada e enviar representantes.

O presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Heverton Lacerda, explica que as organizações ambientalistas ficaram restritas a "um gueto" do GT Meio Ambiente que trata apenas pautas pontuais. "Onde nós também poderíamos estar, mas além disso, falta que as entidades ambientalistas estejam em posições onde elas possam trazer suas contribuições de forma geral para o conceito dessa recuperação para o desenvolvimento do estado do Rio Grande do Sul."

Para ele, "a visão ecológica não está posta no Plano Rio Grande porque não estão as entidades ecologistas convidadas para esse momento". Ele destaca que o movimento ambientalista no estado tem uma construção de muitas décadas. "Somos precursores na questão ambiental, apontamos para os problemas que estão acontecendo, continuamos apontando para muitos erros que estão acontecendo aqui nos nossos dois biomas, mas o governo não tem ouvidos para isso."

A Agapan, por exemplo, que é uma das primeiras entidades ambientalistas do Brasil, não foi convidada a integrar o conselho do Plano Rio Grande. O que para Lacerda traz receio com os rumos deste modelo de reconstrução. "A questão econômica está colocada em primeiro lugar e o governo segue nos mesmos erros que trouxeram o Rio Grande do Sul a essa calamidade que a gente está vivendo hoje", afirma.


Conselho do Plano Rio Grande é presidido pelo vice-governador, Gabriel Souza (MDB) / Foto: Rodrigo Ziebell/Ascom GVG

Reconstrução no neoliberalismo

O Estatuto da Cidade prevê que a política urbana do Brasil tenha uma gestão democrática de ampla participação, e não que fique restrita aos gabinetes dos governos. Mas especialistas na área entendem que o desenvolvimento da cidade foi capturado pelo neoliberalismo, e que quem acaba dando as cartas nesse jogo são grupos empresariais.

A professora universitária, jurista e urbanista Betânia Alfonsin teme que o Plano Rio Grande tenha "um conselho para inglês ver, com o requisito de que tem que ter uma gestão com participação popular". Mas que acabe sendo "um conselho de cartas marcadas, com os mesmos atores ligados ao mercado imobiliário, ligados ao capital", que ela recorda que utiliza o território das cidades como espaço de reprodução, e que esses setores tenham "uma representação muito mais significativa do que a sociedade civil".

"O Rio Grande do Sul é um estado que foi produzido historicamente a sua urbanização com exploração dos recursos naturais, que foi muito predatória, e a gente está pagando esse preço agora. Por exemplo, nas matas ciliares que foram todas destruídas, a floresta de araucária que nós tínhamos no Rio Grande do Sul, que foi toda destruída, ela é um futuro que precisa revisar esse modelo", avalia.

Confira aqui a reportagem em vídeo:

Receio com o destino das verbas federais

A oposição ao governo Leite no Parlamento gaúcho ressalta que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) liberou muito recurso em apoio ao Rio Grande do Sul. Mas há receio sobre o destino desta verba. É o que afirma a deputada estadual Sofia Cavedon (PT).

"Ele (governador Eduardo Leite) produziu mudanças muito profundas no Código Ambiental. Entre elas, áreas que eram de preservação ambiental e inclusive legislações anteriores que ele sancionou poderem ser utilizadas para recursos hídricos, para agricultura, mas principalmente o autolicenciamento. Essas mudanças e liberação de venenos, ele continua falando pós-enchente que não implicaram em perdas ou fragilizações ambientais", destaca.

Para a deputada, isso demonstra o predomínio do setor econômico sobre a natureza. "Junto com a ideia do negacionismo ambiental, esse governo é um governo privatista. Que entrega o nosso patrimônio à privatização", critica. "Bens como a água pública e a energia - e a questão da energia está no centro do desaquecimento da terra - foram privatizados pelo governo Leite", complementa.

Sofia avalia que "é um risco muito grande, com tantos recursos, com uma sociedade tão importante, de uma reconstrução inteligente, audaciosa, criativa, e que restaure condições ambientais, não ter o protagonismo dos órgãos e de quem estuda, pensa no meio ambiente".

O que diz o governo

Ao Brasil de Fato RS, o governo Leite disse que "o conselho quanto as câmaras temáticas do Plano Rio Grande são abertos à participação e sugestão de qualquer entidade e da população em geral". Confira a nota:

"O Governo do Estado reforça que tanto o conselho quanto as câmaras temáticas do Plano Rio Grande são abertos à participação e sugestão de qualquer entidade e da população em geral, ou seja, todos estão convidados a contribuírem com as pautas de reconstrução do Estado. O Conselho do Plano Rio Grande conta com mais de cem integrantes de diversas áreas da sociedade. No âmbito da Câmara Temática de Meio Ambiente, 38 instituições, como universidades, associações, conselhos, fundações, federações, órgãos de controle, secretarias, ONGs e pessoas físicas fazem parte do grupo de trabalho. Outro espaço consultivo onde o Meio Ambiente é representado no Plano Rio Grande é o Comitê Científico de Adaptação e Resiliência Climática, com diversos representantes de universidades gaúchas."


Edição: Katia Marko