Rio Grande do Sul

Coluna

'Outlet' in Terra Brasilis

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Brasil corre o risco de ser um “outlet”, uma ponta de estoque na gôndola do supermercado global - Pública
A invasão alucinada de palavras estrangeiras em nosso vocabulário é irritante

O que pode esta língua?

(…) A língua é minha pátria

E eu não tenho pátria, tenho mátria

E quero frátria

(Caetano Veloso)

Assim como a opressão às mulheres tem origem milenar, a questão da linguagem é um dos principais elementos da colonização. Estaremos entrando numa nova fase do capitalismo? Mais concentradora, mais destruidora, mais violenta e mais patriarcal? Sem dúvida há um retrocesso para uma neo–colonização, ilustrada sobretudo pela ideologia dominante. Nesse jogo as mulheres levam a pior, mesmo que sejam CEOs ou Empresárias Mulheres... A nossa luta não se localiza apenas em conseguir poderes individuais para as mais bonitas e mais inteligentes... A nossa luta é por todas as mulheres.

Vamos ver como se passa a questão da linguagem... Ao “startar” este “paper” despretensioso sei que o tema é bastante explorado e que existe muito material sobre o assunto. Pode até parecer delírio de uma antiquada nacionalista nascida no século passado.

Mas a invasão alucinada de palavras estrangeiras em nosso vocabulário é irritante. Contaminam a nossa vida porque as palavras são signos ideológicos e à medida que um povo perde a sua língua também perde a sua alma. Não tenho a intenção de buscar a autenticidade linguística de um Policarpo Quaresma, mas, sempre é bom dar um tempo. O “sale” do “Brazil” está devastador!” (…) O Brazil não conhece o Brasil /O Brazil nunca foi ao Brasil/O Brazil não merece o Brasil/O Brazil tá matando o Brasil (…)”. (Maurício Tapajós e Aldir Blanc - Querelas do Brasil)

Visualizemos um corriqueiro planejamento de atividades para organizar algum evento ou reunião de trabalho. Na distribuição das tarefas começa a festa: quem faz o “folder”, onde produzir o “banner”, e se houver “workshop” quem providencia o “coffee break”? Será interessante que tenha “cupcake”? Ou quem sabe um “brunch”?

Hora da execução: “Release” para imprensa, “briefing” para resumir a pauta e as decisões tomadas… ah! também um “data show” para projetar o “PowerPoint” com o “case” que será discutido.

Finalmente após a execução é a vez do indispensável “following-up” para acompanhar os resultados e fazer a “accountability” e ver se terá sequência. Quando as coisas não dão certo é preciso contratar um “coaching”, de preferência com “Master in Business Administration”- MBA e continuar a caminhada na busca de sucesso. Não é permitido, no cotidiano dos “Corporate Center” a presença de pessoas desagradáveis e críticas. Essa gente que se recusa a ser campeã, que não persegue metas surreais e objetivos de alto desempenho. Enfim, esses que preferem ser fracassados felizes, medíocres em paz, sem o ímpeto e sem a adrenalina dos verdadeiros campeões. Esses que nunca serão “Chief Executive Officer” – CEO. Aquelas criaturas exóticas que frequentam o Sistema Único de Saúde, que fazem feira em sacolões, que ao assistir futebol chamam de estádios as arenas da FIFA, não usufruem dos “Medical Center”, “top of line” com magníficos prédios espelhados e aparência de “shopping centers” que nem de longe possuem a forma de prosaicos serviços de saúde, e, pasmem, para complicar, falam aquela língua arcaica trazida de Portugal com traços indígenas e africanos. Para que isso não ocorra na vida corporativa, para que não haja engano a respeito de quem protagonizará as ações é essencial a presença do “headhunter”, o verdadeiro, o implacável caçador de cabeças.

Os profissionais da hora são jovens bem apessoados, com idade em torno de 30 anos, que circulam nervosamente nos aeroportos, trajando ternos bem cortados, com a cintura e os bolsos cheios de artefatos pendurados, tipo IPad, IPhone, Smartphone, laptop, totalmente “pluggados” com a contemporaneidade, com celulares o tempo inteiro nos ouvidos, olhando “check lists” de atividades pendentes e uma inefável “cara de caso urgente” às vezes para resolver a compra de um lote de… grampos de cabelo!

Na real, acho que vou dar um “gap” e “dormir, talvez sonhar”. Aliás, imagino que ao dormir, os colonizados empreendedores de sucesso, aspirantes “ao” CEO, se tornem menos lamentáveis.

Mas, para o necessário “upgrade” é importante saber o que tudo isto significa e o que dizem estas palavras e este modo de vida. Foucault falando sobre o neoliberalismo afirma: (…) o neoliberalismo é uma “prática de governo”, na sociedade contemporânea. O credo neoliberal não pretende suprimir a ação do Estado, mas, sim, “introduzir a regulação do mercado como princípio regulador da sociedade” e mais adiante assegura: “Trata-se de fazer do mercado, da concorrência, e, por consequência da empresa, o que poderíamos chamar de poder enformador da sociedade”.

Na verdade, somos aspirantes a uma centenária invenção norte-americana que, após a segunda Guerra Mundial, tornou-se sinônimo de formação de líderes empresariais o MBA! Após a sagração como MBAs somos caçados por um “headhunter”, selecionados e finalmente adestrados por um “coaching” originário palavra inglesa “coach” e significa treinador. Esse treinador tem o objetivo de encorajar e motivar o seu cliente a atingir um objetivo. O termo “coaching” representa a figura do cocheiro medieval que conduzia a carruagem (coche) para algum lado. Os cocheiros também eram especialistas em treinar os cavalos, para que estes puxassem os coches. Trocando em miúdos, será que somos cavalos treinados para puxar o pesado coche das esfaceladas metrópoles imperialistas? É necessário conhecer as palavras, sentir o significado e a finalidade. Mas esta preocupação não existe no ilusório mundo reificado da modernidade global.

Por esta e por outras que o Brasil corre o risco de ser um “outlet”, uma ponta de estoque liquidado na grande gôndola do supermercado global, na qual o capitalismo transformou a humanidade. Quem sabe, ao enfrentar a alienação, combater a pretensa “governança” mundial, raciocinar de forma livre e lúcida consigamos diminuir este imenso desconforto existencial que sufoca os nossos melhores sonhos e sentimentos?

Como pensar é uma carga muito pesada o aconselhável é malhar em um “Fitness Center”, com um dedicado “Personal Training” para uma saudável reabilitação.

E, resilientes que somos, quem sabe um “Happy Hour” para um almejado “Happy End”?

* Clair Castilhos Coelho, Feminista, graduada em Farmácia e Bioquímica pela UFRGS (1968) e Mestrado em Saúde Pública pela USP(1980). Aposentada da UFSC.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Vivian Virissimo