O deputado federal gaúcho e presidente do Partido Liberal (PL) no Rio Grande do Sul, Giovani Cherini, é um integrante da elite do negacionismo nacional. Muita coisa que se faz com base na ciência, ele sempre dá um pitaco contrário, põe dúvidas ou lança questionamentos inverossímeis. Tem a quem puxar, a quem seguir com fé cega. Basta olhar para o seu guru maior, o ex-presidente.
Agora, na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados ele conseguiu aprovar a criação de uma subcomissão para definir que o aquecimento global é “uma grande farsa”. Anunciou também que pretende ir à rodada da COP-30, marcada para novembro de 2025 em Belém, Pará, e dizer na cara dos cientistas o que pensa. A COP-30 é a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas. Para o ilustre deputado, ele tem uma lista de grandes nomes que vão contribuir para esclarecer os interesses que existem por trás de terremotos e vendavais.
Intenções absurdas. Ruralista, natural de Soledade, 64 anos, Cherini teve a infeliz iniciativa poucos dias antes das enchentes destruírem grande parte do RS, afetando 2,3 milhões de gaúchos, destruindo cidades, infraestrutura geral, desabrigando e matando 182 pessoas. Muita gente ficou na miséria. Os negócios degringolaram. Se tudo isso não for efeito das mudanças climáticas, do efeito estufa, do uso excessivo de combustíveis fósseis, da poluição desenfreada, da elevada produção e descarte irregular de lixo, do desmatamento espantoso e da transformação de cidades e tantas outras coisas, os cientistas realmente sabem muito menos que o parlamentar gaúcho. Os cientistas devem passar o tempo lendo estórias em quadrinhos e não pesquisar por anos e anos as consequências da devastação da natureza.
No dia 15 de maio, no auge da enchente, Cherini conseguiu que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), braço institucional da bancada ruralista, formalizasse o seu apoio à causa. Mas, aparentemente, não foi bem isso. O deputado Evair de Melo (PP-ES), vice-presidente da Frente, disse ao Repórter Brasil, que “o aquecimento global é uma realidade científica” e que trabalha “com dados específicos para adaptação de seguro rural, entre outras políticas que mitiguem o risco do custo de produção”.
“Este fenômeno global que estamos vivenciando para alguns é impulsionado pelas atividades humanas, para outros é um resultado da variação climática natural”, relativizou Cherini, no documento oficial que propôs a subcomissão para debater o assunto no Congresso. “Fato é que a bandeira do aquecimento global atende a interesses políticos e econômicos que em muito afetam a nossa agropecuária”, afirma no texto, endossado pela Frente.
Em áudio de um profissional ruralista enviado pelo deputado à Repórter Brasil, consta um alerta de que o Mapbiomas — projeto colaborativo que une universidades, organizações ambientalistas e startups de tecnologia no uso de satélites para mapear o uso da terra no Brasil — faz parte de um “aparato verde comunista contra a atividade ambiental brasileira” que pretende “criminalizar” a atividade rural.
No vídeo do profissional da engenharia, ele também diz que “vão usar os bancos e as empresas para impor restrições ao financiamento de nossa atividade agropecuária, ou não comprar nossos produtos, como já foi feito com as moratórias da soja e da carne no bioma amazônico”. A fala faz referência a acordos assinados voluntariamente por empresas com o objetivo de restringir a comercialização de commodities produzidas em biomas ilegalmente devastados.
Com 25 pessoas no seu gabinete em Brasília, das quais 21 ativas, conforme consta no site da Câmara, Cherini também fez coisas interessantes na sua trajetória política, como propor e conseguir aprovar, em 2003, o Dia do Churrasco e do Chimarrão, comida e bebida tradicionais do RS, sempre em 24 de abril. Outra iniciativa, mas sem muita elegância, por não ter comprovação da ciência, foi propor a utilização de ozônio como forma de tratamento para o coronavírus. Ele apresentou em 2020 o projeto de uso da ozonioterapia em pacientes com covid-19.
A prática ganhou notoriedade após o prefeito de Itajaí (SC), Volnei Morastoni, defender a aplicação de ozônio, pelo ânus, em casos que tiveram diagnóstico desta bactéria. Não foi adiante. Ozonioterapia é um procedimento que a comunidade médica utiliza para tratamentos de feridas extensas, infecções fúngicas, bacterianas e virais, lesões isquêmicas e várias outras afecções, tendo se mostrado muito eficaz na maioria dos casos, conforme define o Google.
No episódio das enchentes, Cherini também apresentou o Projeto de Lei nº 2508/2024, que autoriza a utilização de recursos financeiros esquecidos no sistema financeiro nacional para a reconstrução do estado. Pela proposta, os recursos esquecidos no sistema financeiro, atualmente depositados nos bancos, cooperativas, corretoras e outras instituições financeiras do país, seriam direcionados para a recuperação dos municípios gaúchos afetados. De acordo com o Artigo 1º do projeto, essa transferência será equivalente a 80% dos valores esquecidos, em uma única parcela, a ser realizada em até 10 dias úteis após a publicação da lei. Também propôs que o dinheiro a ser investido na COP-30, cerca de R$ 5 bilhões, fosse destinado ao RS. Coisas impossíveis como é fácil constatar. O dinheiro esquecido pertence a milhões de pessoas e o dinheiro da rodada de Belém da Conferência das Mudanças Climáticas é das Nações Unidas.
* Jornalista.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko