Minha visão de ser lésbika é desejar mudar o mundo, acabar com as injustiças, as desigualdades
Começou agosto e, com ele, o mês da Visibilidade Lésbica.
Faz anos que me pergunto que tipo de visibilidade a gente quer. Ao longo do tempo, as possíveis respostas e novas perguntas foram se desdobrando.
Existe uma forma de ser/estar lesbiana? A gente é lésbika pelo fato de amar, se apaixonar, curtir outra/s mulher/es, lésbica/s/sapatão/ões?
Existe uma língua lesbiana?
Ser lésbica vai (muito) além do amor/sexo/prazer; é uma existência. A mesma que me convoca neste momento a escreVer e não a estar (só) falando em erotismo (mas também (a)gosto). Reduzir as nossas existências ao amor/sexo é amputá-lo, é domesticá-lo. É uma tragédia.
Se olharmos para a natureza – pelo menos as pessoas que leem o Brasil de Fato – sabemos que a monocultura é sinónimo de morte. Uma única espécie reproduzida mil vezes não é um bosque, é um deserto verde. Uma única forma de ser/estar é o oposto da biodiversidade é uma distorção que não existe na natureza. Uma forma única de ser/estar, não se retroalimenta. Será por isso que na língua hebraica VIDAS não tem singular? Sou uma judia não sionista apaixonada pela filosofia que oferece a língua hebraica. (Neste contexto político, cada vez que menciono meu judaísmo, preciso fazer referência a minha posição polítika.
A pluralidade é necessária para as vidas. Ser lésbica, ser hétero, ser trans, ser gordx, ser indígena, ser negrx, ser migrante faz parte de nós, seres plurais, e é aí que está nosso alimento e realimento e retroalimento.
Como diz val flores (também grafa seu nome com letras minúsculas): “O exercício de escrever não é apenas uma parte da minha vida, é minha vida...” Partilho totalmente suas palavras. Sempre tenho cadernos e folhas distribuídos do lado da cama, na mesa, na sala. Ao escrever organizo minhas ideias, ao ler eu penso e esse pensamento o integro escrevendo, por isso gosto de unir os verbos e fazer uma ação de escreveler.
Ser lésbica/lésbika/sapatão é também isso. EscreVer, pensar, comunicar. Visibilizar essas outras vidas é um ato político. Temos que visibilizar uma e outra vez e vir e falar e gritar nossas existências até que não exista mais um centro. O centro da heterossexualidade compulsória – como o chamou Adrienne Rich – versus? (acrescento eu) as existências lésbicas (o plural é meu)
a rebelião consiste em olhar uma rosa
até pulverizar os olhos
Há muitos anos, a poeta argentina Alejandra Pizarnik escrevia esses versos que fazem parte do livro Árvore de Diana.
Eu faria um jogo com seu poema e diria
nossa rebelião consiste em fazer
tramar
conspirar
visibilidade sapátônica
até pulverizar os olhos.
E depois me perguntaria, mas era isso o que a gente quer? Pulverizar os olhos seria como passar a integrar o CIStema? Eu não abro mão dessa alteridade sapatão. Eu não quero ser mais uma nessa sociedade.
Eu quero seguir causando. Com minha corpa/corpe lésbica/sapatão. Por isso, de um tempo pra cá, venho falando que temos que voltar a utilizar o termo Lesbianismo feminista, como movimento social e político.
Se vinte anos atrás, o movimento trocou o seu nome para tirar o sufixo ismo, e não ser associado a uma doença, hoje precisamos retomá-lo nos associando ao feminismo, socialismo, anarkismo.
Minha visão de ser lésbika é desejar mudar o mundo, acabar com as injustiças, as desigualdades, os privilégios. Talvez aqui esteja a pulverizAção. Não se trata de ser igual à maioria, quer dizer, pular de um grupo minorizado para o grupo normativo, senão acabar com essas diferenças. Descentralizar. Pulverizar as hierarquias sociais.
Ser lésbika, sapatão é querer fazer revolução.
E se tu és dessas, te prepara! Porque estamos organizando a Jornada Lésbica @jornadalesbica para fim de mês. Vamos todas fazer revolução? Nas camas, nas ruas, nas falas. Fica atenta/atente nas redes porque haverá muitas atividades ao longo do mês de aGosto.
* mariam pessah : ARTivista feminiSta, escritora, poeta e tradutora. Autora de Meu último poema, 2023; Em breve tudo se desacomodará, 2022; entre outros. Organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre, desde 2017, e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta. Atualmente também tem uma coluna Conversa invers(A) no Youtube.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko