Impossível não perceber que Porto Alegre, a capital dos gaúchos, está mal cuidada. Não precisa nem morar na cidade para constatar, basta dar uma circulada nos bairros e na região central, cuidando para não se deprimir. E olha que nem estou me referindo aos problemas do alagamento que nos atingem por total falta de atenção ao sistema de proteção.
Isso, infelizmente, é consequência de uma sequência de más gestões conduzidas por mandatários sem sensibilidade para as essenciais questões ecológicas. Tomadores de decisões atentos e bem intencionados jamais deixariam de ter os princípios da precaução e prevenção como fatores presentes nas prioridades e formulações de políticas públicas. Isso se torna ainda mais imprescindível em tempos de crise climática, a menos que esses tomadores de decisões não percebam isso ou estejam incluídos no lamentável grupo de negacionistas climáticos.
A tomadores de decisões estou me referindo aqui, em nível municipal, a prefeitos e vereadores. São esses que conduzem o rumo político da cidade. São também esses que precisam ser responsabilizados por decisões e prioridades que definiram. A conta não pode recair sobre a população, que acreditou estar entregando a gestão municipal a pessoas com capacidade administrativa eficiente.
A cada quatro anos, podemos rever nossas escolhas e optar por novos rumos, mas não podemos esquecer do nosso passado, nem anistiar quem decidiu algo que aflige uma população inteira. Neste ponto, me refiro aos efeitos das enchentes, dos quais ainda não nos recuperamos e vai levar tempo.
No entanto, os problemas de Porto Alegre vão muito além disso. Nossos parques, pequenas reservas naturais dentro da metrópole, foram oferecidos de presente para os especuladores do mercado imobiliário e de eventos. Até um bar pode tomar o lugar de um orquidário na Redenção. Muitas árvores foram derrubadas ali. Um projeto, aplaudido e defendido pela atual gestão municipal, previa tirar mais árvores e construir totens artificiais para fazer sombra, um total devaneio tresloucado que sequer pensava na fauna que precisava das árvores, a exemplo dos pássaros que fazem suas casas nesses vegetais “vivos”. Nem comento aqui o que queriam fazer com os parques Harmonia e Marinha do Brasil. A linha é sempre a mesma do que chamam, ilusoriamente, de “revitalização”, que de fato é ao contrário, pois entopem o solo com concreto, como fizeram na orla do nosso rio alagado.
Os problemas atuais de fácil constatação vão além disso. O sistema de administração de resíduos é uma vergonha, deixando nossas ruas como verdadeiros caminhos de lixo (sim, resíduos mal geridos acabam virando lixo sem serventia). Isso também é um reflexo de decisões que não valorizam nossas centrais de reciclagem e o papel importantíssimo de famílias de catadores. É um desperdício total de recursos e oportunidades, que resolveriam problemas ecológicos e sociais.
Já viste o que estão fazendo com o calçamento da Rua da Praia e outras do quadrilátero central? Para dizer o mínimo, é algo de extremo mal gosto. “Gosto é algo pessoal”, podes estar pensando, e é verdade. Mas qual gosto pessoal pode ter decidido pela retirada de pedra basalto para colocação de blocos monótonos de cimento na rua mais clássica de Porto Alegre. A propósito, para onde será que foi a imensa quantidade de basalto em bom estado que retiraram do Centro?
Eu poderia seguir enumerando uma quantidade quase sem fim de coisas ruins que vejo em Porto Alegre, como a falta de continuidade na implementação de ciclovias, transporte público de má qualidade, ruas cheias de carros emitido CO², etc, mas os detalhes iriam tomar muito mais do teu precioso tempo aqui, além de correr o risco de ajudar a te deprimir também. Por isso, vou mudar o rumo para te contar do que ouvi e me agradou, algo que renovou minha esperança para a nossa cidade, a qual eu gostaria de ver novamente como exemplo mundial de cidade boa para viver, ou ao menos como exemplo nacional, visto que teremos eleições nos próximos meses (e a cada novos quatro anos).
Sei que período eleitoral é tempo de promessas e que nem todas são cumpridas. Muitas, inclusive, se mostram verdadeiras promessas “fakes”. Só para citar um exemplo mais próximo, em nível de governo de Estado: a questão do ICMS, que Eduardo Leite prometeu não aumentar e fez exatamente o contrário. Não podemos esquecer dos que mentem, para nunca mais votarmos neles. Há outros!
O que ouvi? Vou te contar, mas te passando um elemento que acho importante pelo respeito demonstrado aos ambientalistas de Porto Alegre. Quem falou o que gostei de ouvir, também me escutou, falando em nome da Agapan, e abriu espaço para falar diante dos mesmos que ouviram, antes, suas palavras. Quando percebemos o respeito e a intenção de nos ouvir com atenção, podemos ter uma ideia, já não mais tão ingênua, de que nos consideram enquanto cidadãos que merecem respeito e espaço.
As palavras da ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, estão carregadas de sabedoria e sensibilidade ecológica. É uma felicidade constatar o quanto evoluiu no decorrer dos anos. Eu tive a oportunidade de a ouvir aqui em Porto Alegre no último sábado (3), em um evento da candidata Maria do Rosário, que também demonstra ter ampliado muito sua sensibilidade para as questões ambientais e compreensão sobre a emergência climática. Rosário, que já tem uma longa trajetória de ligação com os direitos humanos, agora amplia para com os direitos da natureza (a propósito, os humanos são parte da natureza) nesta crise civilizatória com efeitos climáticos em parte produzidos pelos humanos.
Antes que me critiquem (e fiquem à vontade), ressalto que sempre que posso acompanho todos os eventos ligados às questões ecológicas, inclusive nos momentos de campanhas eleitorais, quando também são importantes. Estou disposto a acompanhar todos para os quais eu for convidado e puder comparecer. Essa pauta é vital.
Nos três minutos de fala que tive (que pareceram 30 segundos), salientei que a Agapan, entidade que presido atualmente em segunda gestão, fundada em Porto Alegre em 1971 e pioneira na luta ecológica, se considera, em estatuto, transpartidária. Ou, seja, uma entidade ecopolítica que atua independente dos partidos, mas sempre propondo e apoiando projetos com valor ecológico de proteção ambiental. Isso quer dizer que, se políticos e partidos têm boas intenções ecológicas, podem contar com o nosso apoio. Facilita entender essa posição quando compreendemos o lema da Agapan relacionado à ecologia: A vida sempre em primeiro lugar.
Foi a partir dessa perspectiva que acompanhei atentamente as palavras da Marina, da Rosário e de outras e outros que, como eu, tiveram três minutos (que também pareceram 30 segundos). Não é tarefa simples falar em nome da Agapan, tampouco é fichinha ouvir com atenção e compreender através da perspectiva de uma construção coletiva cinquentenária repleta de saberes e transdisciplinaridade.
Bom, sei que texto longo cansa até leitores mais abnegados. Por isso, não vou replicar aqui o que a Marina e a Rosário falaram, pois descobri que o evento foi gravado e existe [este link] para acessar. Se você assistir e quiser me enviar seus comentários, segue o e-mail: [email protected]. Ficarei muito grato, mesmo que, porventura, seja discordando de mim.
Encerro reafirmando o que coloquei lá na primeira frase após o título, que a esperança é a palavra-chave neste início de processo eleitoral. Em alusão a um grande evento que tivemos aqui em Porto Alegre no início do atual milênio, arrisco dizer que um futuro ecológico é possível.
* Heverton Lacerda é presidente da Agapan.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Vivian Virissimo