Avanço tecnológico aprovado pela CTNBio, para festa do agropop, vai estimular o consumo de venenos
Semana para muitas reflexões. Vejamos alguns temas.
Sobre as Olimpíadas...
Com tantos momentos de alegria pela congregação universal pacífica ali proposta, as mídias golpistas priorizaram discussão sobre supostas ofensas à religião cristã, na abertura dos jogos. O problema estaria na intencionalidade e na fonte de inspiração daquela coreografia plasticamente linda: seria baseada em quadro celestial, pintado por homossexual sem preconceitos em relação à vida e à arte, ou viria de outro, de inspiração profana, enaltecedor de festas e da alegria irrestrita?
Atletas brasileiros que não se manifestam contra injustiças e desigualdades, agradecendo enfaticamente (e não na intimidade de orações), ao Deus da Arca da Aliança (aquele mesmo que teria resolvido abandonar crianças palestinas), por seus sucessos privados nos jogos. Não agradeciam pela paz interior, pela serenidade espiritual, pelo foco no trabalho e apoios recebidos por tantos que lhes permitiram chegar lá, ou à disciplina que possivelmente os teria levado ao sucesso. Agradeciam pela intervenção direta determinante da derrota de oponentes menos amados, ou patrocinados por divindades menos poderosas, ou simplesmente de pouca fé.
Sobre as eleições na Venezuela...
A autoridade eleitoral daquele país organizou eleições, contou votos, proclamou resultado. E todos aqueles que gostariam de uma solução diferente da atualmente conduzida por um país que não pretende abrir mão do controle de suas riquezas, gritaram suas manifestações de fúria e ódio contra o que entendem estar errado, por lá. Até o governo brasileiro, que deve agradecimentos à ordem institucional vigente na Venezuela, pela remessa de oxigênio que aqui salvou vidas durante a pandemia da covid, tratou de expressar suas dúvidas a respeito da justiça eleitoral de lá.
E nisso, convenhamos, há motivos para reflexão. Afinal, Lula sabe que a frágil democracia brasileira precisa de apoios, e que neste sentido, o Maduro é ponta firme. E já o demonstrou antes, inclusive durante e após os 580 dias de prisão em Curitiba e os tantos anos de difamação na mídia corporativa nacional. Será que Lula titubeia por medo de ser deposto pelo Congresso controlado por bancadas golpistas, caso reconheça, como a Espanha e tantos outros, a validade do sistema e da justiça eleitoral venezuelana? Terá alguma visão de oportunidade no sinal de aproximação que fez, nesta sua titubeada, a golpistas locais e internacionais? Acreditará que com um gesto de solidariedade às intenções daqueles grupos, poderá minimizar o que eles preparam, e que está por vir, e que sem a Venezuela no caminho colocará o Brasil na condição de bola da vez, no centro de atenções do domínio imperialista sobre a América Latina?
Bom, não sabemos. Também é claro que temos desconhecimento sobre o que se passa lá e até discordâncias com determinadas atitudes do governo venezuelano. Particularmente, nos pareceu ter sido estúpida a expulsão de diplomatas da Argentina, Uruguai, Chile, Costa Rica, Peru, República Dominicana e Panamá. Acreditamos que ele poderia ter esperado, mas não estamos na pele dos ofendidos. E eles foram ofendidos por acusações de fraude, assim como estão sendo ofendidos pela omissão, ou protelação de solidariedade, por parte de quem lhes deveria gestos de fé e confiança nas normas e instâncias legislativas.
Sobre os papéis que nos cabem na vida...
Em um fato bem menor, mas que terá repercussão dramática para milhares de brasileiros, esta semana a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança do Brasil, a CTNBio, autorizou a liberação comercial de uma soja transgênica, tolerante aos herbicidas 2,4-D, Glufosinato de Amônio, Dicamba e Mesotriona. Todos estes agrotóxicos causam danos à saúde humana e ambiental. Quase todos já estão proibidos na União Europeia por causarem rupturas metabólicas, quebra de serviços ecossistêmicos, alterações genéticas, problemas hormonais, câncer, cegueira, abortos, problemas neurológicos, falecimentos e/ou morte em vida, etc. e tal.
Não é pouca coisa, e os estudos que mostram isso são realizados caso a caso, veneno a veneno. Mas esta soja vai permitir que eles sejam aplicados em misturas, coquetéis sobre os quais a ciência nada informa, enquanto o bom senso grita. Como os grãos desta soja que não morre com aqueles herbicidas cairão ao solo e nascerão no cultivo que vier logo a seguir, na mesma área, e como esta soja não morre com aqueles venenos aos quais é tolerante, a Monsanto recomenda o uso adicional, naquele “pacote tecnológico”, de outro herbicida: a atrazina. E este, além de neurotóxico, é um verdadeiro castrador químico. Com enorme impacto sobre a fertilidade masculina, já tem seu uso proibido em 44 países. Na Alemanha, terra da Bayer, “dona” da Monsanto, desde 1991. Em toda União Europeia desde 2004. Pois vejam que este avanço tecnológico aprovado pela CTNBio, para festa do agropop, vai estimular o consumo destes venenos, entre nós. Existem outras implicações neste caso e para os interessados, informo aqui sua discussão em matéria de Adriana Amancio, de o Joio e o Trigo.
Pare encerrar a coluna, vejam que também nesta semana se avolumou perseguição à procuradora do trabalho, Dra. Margaret Matos de Carvalho, do Paraná. Pessoa reconhecida e admirada por sua luta contra tragédias humanas provocadas por interesses associados ao uso de agrotóxicos, ela agora enfrenta ameaça que se compara aos dramas que tem se empenhado em solucionar.
Está cercada por interesses de transnacionais do veneno, por grupos associados a mecanismos que se relacionam a golpes contra a democracia e contra a saúde humana e ambiental dos países da América Latina, e isso se expressa em questões administrativas obscuras de difícil compreensão, mas claramente destrutivas em termos de repercussões práticas devastadoras. Em paralelo, felizmente, há reação de solidariedade, apoio e reconhecimento à importância e ao valor do trabalho desenvolvido pela Dra. Margaret, que deve servir de exemplo e que precisa se ver multiplicado em defesa da saúde ambiental, dos direitos humanos, da democracia.
Por isso, e retomando o ocorrido naquela sessão de ontem (dia 1º agosto - Dia de Pachamama, ironicamente), quando a CTNBio autorizou o cultivo daquela soja e dispensou a Monsanto/Bayer de responsabilidades inclusive quanto ao acompanhamento sistemático (monitoramento e coleta de informações por determinado período) dos impactos de sua utilização em todo o território nacional, vale repetir uma frase de grande simbolismo.
Quero compartilhar porque se associa às discussões anteriores. Foi assim: no debate, um dos doutores que defendia o pedido da Monsanto, argumentando sua importância para o Brasil, afirmou que aquelas preocupações em relação aos danos causados pelos agrotóxicos, aos estímulos à expansão no seu uso, às implicações disso sobre a saúde humana e ambiental, seria compartilhada por todos daquela Comissão..., MAS (sempre um mas, porém, entretanto, todavia, vejam bem) O PROBLEMA seria de outros. Outras pessoas, outros grupos, outras agências, outros ministérios, outras vítimas, outros tomadores de decisão.
Cada um com seus valores, seus compromissos, suas convicções, seus deuses e seus amigos.
E isso me parece muito relacionado tanto à alienação de nossos atletas olímpicos, como à perseguição que se desenvolve contra a Dra. Margaret e à aparente palermice de nosso governo, em relação à conexão do que se passa na Venezuela e com o que acontecerá aqui, se os golpistas de lá forem bem-sucedidos. Bom, neste ponto vale uma ressalva. E ela se deve à minha ignorância sobre os subterrâneos desta aparência de pusilanimidade, por parte de nosso governo, que ao não reconhecer o resultado proclamado pela autoridade eleitoral venezuelana, abre precedentes para o não reconhecimento de golpistas em relação a decisões de nossos STF e STE.
Com certeza existirão ali razões que desconhecemos e elas não têm a ver com riscos do Brasil virar uma Venezuela. Sabemos apenas que o Brasil do futuro tem motivos para confiar na Venezuela Chavista, país com que o Brasil do passado, que ainda nos ronda, ameaçou entrar em guerra sob orientação do governo criminoso do negacionista, golpista, ladrão de joias, que circula por aí, montado na impunidade, debochando de tudo que nossa consciência preza.
Por isso, e já que não podemos mudar aquilo que nos escandaliza, precisamos ao menos fazer o possível para defender referenciais de condutas que queremos ver multiplicadas. Assim, pela consciência nacional, pela lucidez e coragem que esperamos enxergar nas atitudes de nossos heróis olímpicos, cientistas laureados e ocupantes de postos em governo efetivamente progressista... vai aqui um apelo: todos por Margaret! Ela representa o que resta de melhor em nós. Este problema que a aflige, que parece só dela, também é nosso. E podemos ajudar firmando compromisso assinando a petição pública.
Uma música? Um abraço? Algo que ligue compreensão a compromissos e atitudes, consciência à coragem e solidariedade de verdade, a todo tempo? o abraço do tempo.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko