Rio Grande do Sul

ARTIGO

Negacionismo e desvalorização do conhecimento regional: o que Sebastião Melo pensa de nossas universidades?

'As universidades possuem um entendimento profundo das particularidades ambientais, sociais e culturais de Porto Alegre'

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Relatos dos moradores de todas as regiões em audiência pública, sobretudo das Ilhas, foram estarrecedores. Pessoas que tiveram absolutamente todos os seus bens submersos estão à mercê de decisões políticas marcadas pela burocracia e pela falta de comunicação clara - Foto: Jorge Leão

Recentemente, ocorreu uma audiência pública em Porto Alegre sobre como a prefeitura lidará com a reconstrução da cidade e os auxílios para as pessoas que perderam todos os seus bens. Os relatos dos moradores de todas as regiões, sobretudo das Ilhas, foram estarrecedores. Pessoas que tiveram absolutamente todos os seus bens submersos estão à mercê de decisões políticas marcadas pela burocracia e pela falta de comunicação clara. Nesse contexto, observamos uma questionável gestão dos recursos públicos pelos governos estaduais e municipais, além de um evidente desvalor da produção de conhecimento local.

Pois bem, acompanhamos com receio e atenção a recente decisão da Prefeitura de Porto Alegre de investir R$ 7,3 milhões na contratação da universidade holandesa TU-Delft para desenvolver planos de recuperação e urbanização para o bairro Arquipélago, gravemente afetado pelas enchentes, essa decisão levanta muitas perguntas.

Claro, a parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a coordenação da arquiteta e urbanista Taneha Bacchin, especialista em recursos hídricos, são dignas de nota. Mas, e as universidades brasileiras, quem precisa delas, não é mesmo? Recentemente passamos por um sério quadro de negacionismo científico e desvalorização de nossas pesquisas, e, neste quesito o governo de Melo seque à risca a agenda da extrema direita.

Não é novidade que a cidade de Porto Alegre tem algumas das melhores universidades do mundo, como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Essas instituições, que há anos realizam estudos críticos e aprofundados sobre os desafios urbanos e ambientais da região, com forte conexão com as pessoas que residem nesses locais, são lideradas por profissionais qualificados com vasta experiência em projetos de urbanização e gestão de recursos hídricos. Mas por que dar valor ao conhecimento local quando se pode gastar milhões com estrangeiros? Essa é a pergunta que não se pode calar.

As universidades locais possuem um entendimento profundo das particularidades ambientais, sociais e culturais de Porto Alegre e suas regiões adjacentes. Este conhecimento é crucial para desenvolver soluções eficazes e adaptadas às necessidades específicas da comunidade. Pesquisadores da UFRGS e PUCRS têm um histórico de estudos e projetos na área, proporcionando uma continuidade que é fundamental para a implementação de planos urbanísticos e a longo prazo. Mas, claro, melhor ignorar essas capacidades e perder a oportunidade de fortalecer a colaboração local.

Além disso, o envolvimento das universidades brasileiras proporcionaria um retorno mais direto para a comunidade acadêmica e científica do país. Investir na capacidade local fomentaria o desenvolvimento de expertise e inovação dentro do Brasil, reduzindo a dependência de consultorias estrangeiras para problemas que podem e devem ser resolvidos internamente. Mas por que economizar e investir em casa quando se pode gastar mais e não valorizar o que temos de melhor?

Essa decisão parece um retrocesso em um momento em que a valorização do conhecimento local e a promoção da soberania científica deveriam ser prioridades absolutas. Porto Alegre possui instituições acadêmicas de excelência que, se envolvidas, em parceria com movimentos sociais e a comunidade local, possuem potencialidade não só para contribuir de maneira significativa para a recuperação do bairro Arquipélago, mas também para servir como exemplo de como o conhecimento local pode e deve ser aproveitado para resolver problemas complexos. Mas para quê? É hora de continuar ignorando e desvalorizando o potencial das nossas universidades e apostar em soluções que fortaleçam a dependência e a falta de valorização do que é nosso.

* Felipe de Araújo Chersoni compõe o IPDMS: Instituto de Pesquisa, Direitos e Movimentos Sociais.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.


Edição: Katia Marko