Os holandeses já estão trabalhando em Porto Alegre para ajudar a cidade a encontrar soluções para as enchentes e alagamentos permanentes. Não passa ano sem problemas nesta área. Maiores especialistas mundiais no combate às águas, afinal seu país de 41.850 km² e 17 milhões de habitantes tem mais da metade do seu território a menos de 1 metro acima do nível do mar.
Boa parte do país está protegida por diques, canais, muros de contenção, pôlderes e estruturas hidráulicas artificiais, uma das mais clássicas técnicas de drenagem. Tem até uma instituição que ensina a combater este fenômeno das enchentes – a Universidade Técnica de Delft. E são especialistas de lá que andaram peregrinando pelas ilhas do Guaíba, integrantes do Bairro Arquipélago, na semana passada, para ver o que se passa por lá e o que se pode fazer para conter a fúria das águas.
Os termos finais de cooperação já foram finalizados e têm a intenção de desenvolver o Plano Urbanístico Ambiental para o Desenvolvimento Sustentável da região, constituída por 16 ilhas, 14 delas na Capital e as duas outras em Canoas e Eldorado do Sul. A colaboração holandesa faz parte do Plano Estratégico de Reconstrução de Porto Alegre.
O início do cumprimento da Carta de Acordo deve andar rápido, segundo expectativas das duas partes, superadas as questões burocráticas e políticas, que quase sempre causam alguns transtornos e lentidão. São duas fases. A primeira é o Plano Emergencial e sai em até quatro meses, incluindo soluções imediatas para reassentamento, regularização fundiária, adaptações nas moradias e obras necessárias para minimizar os impactos das cheias nas ilhas.
A segunda fase, o Plano Urbanístico, será mais demorada, com prazo estipulado em 18 meses, e envolve uma série de elementos: estudos hidrológicos, geológicos, sociais, econômicos, ambientais, análise de risco e vulnerabilidades climáticas, entre outros, e visam a criação de um plano de intervenções em mobilidade, saneamento, resíduos sólidos, equipamentos públicos, áreas verdes, sistema de contenção, mitigação e monitoramento permanente do território.
É muita coisa, mas os técnicos holandeses acreditam que, se houver disposição e interesse político das autoridades, tudo poderá ser feito. Uma consideração é que as eleições municipais deste ano podem acarretar alguma extensão de prazos. Como sempre.
Quem coordena os estudos é a urbanista gaúcha Taneha Bacchin, doutora em recursos hídricos, análise espacial e modelagem urbana e professora titular na Universidade de Delft. Além de toda a experiência e competência da instituição holandesa, as empresas gaúchas ganharão suporte dos técnicos dos Países Baixos – outro nome da Holanda em função de parte das suas terras estarem abaixo da linha do mar. A cooperação com a prefeitura será formalizada através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), com recursos da ordem R$ 7,350 milhões. Dinheiro para estudos. A execução do projeto envolve milhões de dólares, ainda a definir.
Na visita a Porto Alegre, na semana passada, os técnicos estiveram nas Ilhas da Pintada, das Flores, do Pavão, Grande dos Marinheiros e Mauá para definição do cronograma de trabalho. Taneha diz que o grande problema é “convencer as autoridades a aliar urbanismo com natureza”. Ou seja, super povoar de residências certas áreas e “matar” a natureza é gol contra. Não há como deixar tudo em ordem se continuarem a encher de gente e casas determinadas áreas, “tem que dar espaço para a natureza respirar e ter privilégios na paisagem”.
O Plano Estratégico de Reconstrução de Porto Alegre foi estruturado em seis eixos: recuperação da infraestrutura e equipamentos públicos, habitação de interesse social, projetos urbanos resilientes, recuperação de atividades empresariais e financiamentos, adaptação climática e monitoramento e transparência. Em 5 de julho, a prefeitura instituiu, por lei, o Escritório de Reconstrução e Adaptação Climática e tem o objetivo de ser um facilitador na integração dos órgãos municipais.
Universidade Delft
A Universidade Técnica de Delft (Technische Universiteit Delft – TU Delft) está localizada em uma charmosa cidade de 130 mil habitantes na província sul da Holanda e é reconhecida pela fabricação de porcelanas. É famosa também por abrigar o mausoléu da família real holandesa, localizada na Nieuwe Kerk (Nova Igreja) da cidade, datada do século XIV. Tem 130 mil habitantes e fica a 67 km de Amsterdam, a capital do país.
A universidade é uma das mais importantes da Europa. Fundada em 1842, é a maior e mais antiga universidade politécnica da Holanda, sendo referência nas áreas de engenharia e tecnologia – figurando, em geral, entre as melhores nos rankings globais. A TU Delft foi considerada pelo QS World University Ranking de 2018, a 54ª melhor universidade do mundo. Tinha 27 mil alunos em 2021 e 5,1 mil professores e funcionários. Possui 7 mil publicações acadêmicas relacionadas a suas pesquisas. As suas faculdades são Arquitetura, Engenharia Civil e Geociências, Engenharia Elétrica, Matemática e Ciência da Computação, Desenho Industrial, Engenharia Aeroespacial, Tecnologia, Política e Gestão e Ciências Aplicadas.
Estudar lá não é barato. São mais de 10,4 mil euros anuais para estrangeiros e 2,3 mil euros para holandeses (o euro vale hoje, 30/7, R$ 6,11). A instituição holandesa foi criada com o nome de “Academia Real”, passando, mais tarde, a se chamar Escola Técnica Superior. A ideia era oferecer treinamento a funcionários públicos que iriam trabalhar nas Índias Orientais Holandesas, hoje Indonésia.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a TU Delft começou a se expandir do ponto de vista acadêmico. Na época, ainda se chamava Delft Institute of Technology, mas, diante do aumento no número de alunos que passou a receber, foi oficialmente batizada de Delft University of Technology em 1986. Atualmente, todos os edifícios que compõem a universidade estão mais afastados do centro histórico da cidade, ficando a maior parte em uma região em que há uma série de empresas e laboratórios próximos.
Com todo o histórico de apoio e especialização da TU Delft, a esperança agora é que os estudos realmente saiam dentro dos prazos estipulados e que ali adiante sejam tomadas providências concretas para que as ilhas do Guaíba ganhem vida, dignidade e urbanidade. E vivam sem medo das águas.
* Jornalista
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko