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Zweihundert Jahre - 200 anos de história: brasileiras e brasileiros

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"O que papai Léo e tia Nida, junto com toda família, avós Gertrudes, Guilherme, Carolina e mamãe Lúcia me-nos ensinaram? Básica e principalmente, os cuidados" - Foto: Arquivo Pessoal
Importante conhecer e relembrar a História, com festa, dança, música, saudade e alegria

Em homenagem à líder comunitária e descendente de alemães, Loiva Dietrich, de Lajeado.

Em homenagem aos reconstrutores da história, Décio Schauren, de Arroio Grande, Arroio do Meio, e, in memoriam, Cláudio Carlos Fröhlich, de São Miguel-Santa Emília, Venâncio Aires              

Domingo, 21 de julho de 2024. Fui, como sempre faço quando estou na terrinha e casa histórica da família, na devoção dominical da Igreja São Luiz, Vila Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, paróquia de Mato Leitão, Diocese de Santa Cruz do Sul.

Chego um pouco antes das 8h30m, horário da reza comunitária, para encontrar o pessoal. E para falar alemão com quem está na rodinha em frente da igreja, maioria de meia idade para cima, como eu, o alemão a língua dominante dos presentes. Tudo pra falar sobre o tempo, o inverno, as chuvas, o frio, as semifinais da Copa Serrana em andamento, meu São Luiz nos titulares, 25 de Julho nos reservas, ambos times da localidade. Aliás, ambos classificaram-se para as finais nos jogos da tarde.

Santa Emília tem predominância de colonização alemã, desde 1865, portanto, há 160 anos. Quando crianças, só falávamos alemão em casa e na comunidade, até começar a frequentar a Escola São Luiz, nos anos 1950.

Escrevi artigo de homenagem em junho: ´PAPAI LÉO E TIA NIDA, 100 ANOS DE VIDA E PRESENÇA´ (publicado Folha do Mate, de Venâncio Aires, em 22.06.2024, p. 6). Vale a pena (re)lembrar trechos da minha reflexão cheia de saudade: “18 de julho de 1824, 18 de junho de 2024. 100 anos se passaram. 18 de junho é o aniversário deles, irmãos gêmeos, papai Léo João Heck e ´Tante´- tia Nida, Leonida Heck. Fariam,. Ou estão fazendo exatos 100 anos nesta data.”

“O que papai Léo e tia Nida, junto com toda família, avós Gertrudes, Guilherme, Carolina e mamãe Lúcia me-nos ensinaram? Básica e principalmente, os cuidados. 1. Cuidado com a família, sempre em primeiro lugar. 2. Cuidado com a comunidade, sem nunca abrir mão de seus valores básicos: o compromisso, a solidariedade, o bem, a vida comunitária na Comunidade São Luiz, mas respeitando opções, diversidade, amigos dos vizinhos, cuidando e preocupando-se com os parentes, e com todas e todos, sem exceção. 3. Cuidado com o multicampeão São Luiz, onde todos os 9 filhos jogaram. 4. Cuidado com a terra, em primeiro lugar para produzir e plantar coisa boa. 5. Cuidado permanente com a Casa Comum, nas enormes famílias de então, no amor, na solidariedade o tempo todo com todo mundo. 6. Cuidado com boa comida na mesa, papai no churras e nos bons tragos, tia Nida no chima e fazendo gostosuras de doces, tortas, bolos, e sempre com muitas frutas, verduras, legumes, comida adequada e saudável. 7. Cuidado com a fé, na comunidade católica, papai no coral da igreja, reza na hora do almoço e terço diário. 8. Cuidado com a vida, em primeiro lugar, em todos os sentidos.”

Décio Schauren escreveu ´A BUSCA DAS ORIGENS, História e Genealogia da Família Schauren´ (Editora Oikos, 2011, 462 páginas): “Não só as árvores têm, raízes. Cada ser humano, independente de sua posição social tem suas raízes, suas origens. Quem sou? De onde venho? Para onde vou? Foram perguntas desafiadoras para mim desde os tempos da infância da colônia alemã. Quantas vezes, nos dias de chuva, ao sabor do chimarrão e pipocas com melado, ficava tardes inteiras ouvindo histórias dos meus avós, contando muitas coisas sobre os antepassados vindos da Alemanha. Entre essas histórias, havia relatos sobre a longa viagem e o sofrimento que teria sido a travessia do mar. Que, ao chegar a São Leopoldo, o imigrante teria fiado durante tempo aguardando um familiar da Alemanha. E que esse nunca chegou. São histórias que vieram de geração em geração. Ninguém da família sabia dizer quando e em que lugar o imigrante Schauren tinha vindo. Todos nós sabemos que os Schauren eram alemães. Até porque muitos descendentes ainda falam alemão, ou melhor, o dialeto do Hunsrück.”

Segue Décio: “Nossos antepassados camponeses do Hunsrück e do Vale do Rio Mosel, enquanto servos dos senhores feudais, viveram durante séculos presos a pequenas glebas que lhes eram arrendadas. Eles não eram proprietários dos seus corpos. Eram os senhores feudais que eram donos de seus corpos. Os servos eram obrigados a entregar as safras aos senhores e ver seus filhos morrer à míngua. Os camponeses (Bauern) eram chamados de ´os pobres´ pelos senhores.”

Vieram ao Brasil e Rio Grande do Sul em 25 de julho de 1824, há exatos 200 anos, e ficaram livres. Ganharam terra, plantavam para si seu próprio alimento, formaram famílias e comunidades, praticavam sua fé, católica ou luterana, na maioria. O início no Brasil com certeza não foi fácil.  Era necessário começar do zero, derrubar florestas, construir os primeiros abrigos para a família, os primeiros galpões para os animais, garantir a vida e o futuro, em geral como agricultores familiares, sendo verdadeiros faz-tudo, como papai Léo, que também era pedreiro, carpinteiro, cuidador do gado e mil coisas mais, tudo ensinado para as filhas e filhos. E tia Nida na cozinha com suas gostosuras e fazendo tudo na roça, mamãe Lúcia, boa costureira e cuidando dos filhos e da casa até seu falecimento em meio à pandemia.

Cláudio Carlos Fröhlich, natural de São Miguel-Santa Emília, escreveu ´COLÔNIA DE SANTA EMÍLIA, Venâncio Aires, RS´ (2005, 230 páginas) “Os pioneiros de Venâncio Aires foram luso-açorianos, nos anos 1800, que, após milenar ocupação indígena, vieram para desbravar esta terra. Já nos anos 1860, um que outro açoriano, auxiliado por escravos, se dedicava, quase que exclusivamente, à extração da erva-mate nativa e de madeira. Em Santa Emília, comunidade Nossa Senhora de Lourdes, próximo ao cemitério dos Machado, havia um quilombo, onde moravam os escravos que trabalhavam no corte de erva-mate. Ali se reuniam, praticavam seu culto e faziam suas festas, mas sem terem fugido dos seus donos. Mais adiante, como até hoje (2024, grifo meu), uma vez libertos, muitos deles trabalhavam como diaristas junto aos pioneiros alemães” (como, grifo meu, nas terras do meu avô José, que não cheguei a conhecer,  e de papai Léo).

Continua Cláudio Fröhlich em seu livro sobre a história de Santa Emília: “Venâncio Aires deve em grande parte sua emancipação à produção agrícola advinda da antiga Colônia de Santa Emília. Com a crescente vinda de imigrantes alemães a partir de 1824, a antiga Colônia de São Leopoldo expandiu-se rapidamente e já em 1849 dava-se início à colonização da Linha Santa Cruz (Alt Pikade). Dessas colônias (Santa Cruz e São Leopoldo), houve correntes migratórias para Venâncio Aires. Outros também vieram diretamente da Alemanha e do Império Austro-húngaro, principalmente da Boêmia.”

Conta Cláudio: “As primeiras cinco famílias alemãs chegaram em Santa Emília em 1856. Vieram por matos e brejais, até chegar em São Miguel de Santa Emília (Ober Santa Emília, Santa Emília Superior). Johann Martin Kroth, com a esposa Bernardina Bremm, emigrou para o Brasil em 1854” (Minha avó, grifo meu, era Gertrudes Kroth, filha de Johann Martin, fundador de Santa Emília Superior, onde nasci. Meu bisavô, João Batista Heck, veio diretamente da Alemanha).

Éramos, a família Heck, sempre brasileiros, jamais alemães, ou com saudades da Alemanha. Somos, tão somente, descendentes que falavam o alemão. Nunca, na minha família ou na comunidade, houve qualquer dúvida quanto a isso. Na Copa de futebol de 1958, por exemplo, Brasil campeão do mundo pela primeira vez, eu com 7 anos, torci como nunca pelo Brasil, ouvindo os jogos no enorme radião lá de casa. Assim, sempre foi em todos os sentidos e espaços da vida. Brasileiras e brasileiros, sempre, integralmente.

São 200 anos de história das e dos descendentes alemães, com sua importante contribuição na construção do Brasil e do Rio Grande do Sul. Sempre junto com outros povos e imigrantes, como italianos, poloneses, judeus, portugueses africanos, indígenas.

Importante conhecer e relembrar a História, com festa, dança, música, saudade e alegria. História que não para, em 2024, e seguirá em frente.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko