Precisamos de um esforço coletivo para não eleger responsáveis pelo vício de tubarões de todo o tipo
Em muitas situações pode parecer que nosso esforço não está levando a mudanças. E isso com certeza causa insatisfação, tristeza e desânimo, afundamento.
Porém, quando verificamos que alguns de nós fazem mais e melhor para que se gerem melhorias extensivas a todos, acontece algo transformador: uma espécie de contaminação, que se irradia e funciona como vacina antidepressiva. Injeção de energia, algo que nestes tempos, no RS, está sendo mais do que necessário.
Vendo desta forma dá para pensar que aquela sensação de que “não adianta”, de “que não há futuro”, pode ser enfrentada superando desinformações e distorções a respeito do que está acontecendo de fato.
Quero me referir à tomada de “ciência”. Ao acesso a conhecimentos que para serem alcançados parecem estar exigindo a quebra de muros que impedem a democratização do acesso a conteúdos que definem a consciência e o comportamento coletivo.
E aqui opera algo que afeta todos os níveis de conhecimento, e que com certeza exige democratização daquilo que entendemos como “ciência”. E neste momento me refiro à ciência como uma espécie de refinamento da cultura socializada, algo que opera desde a linha das conversas de bar, da educação básica até as fronteiras do conhecimento “científico”. Se trata também da “tomada de ciência”, no sentido da incorporação de informações que afetam o dia a dia de cada um, nesta luta de todos por uma vida saudável.
Em outras palavras, a sociedade precisa saber o que está acontecendo, e quais as implicações disso. E veículos de comunicação como o Brasil de Fato estão aí para contribuir neste sentido, o que explica a presença do tema nesta coluna.
Vejamos alguns exemplos.
Esta semana, no RS, cerca de 800 acampados e assentados da Reforma Agrária se reuniram na frente do prédio do Incra e do MDA para cobrar políticas públicas. Políticas que envolvem alternativas para enfrentamento de problemas relacionados à catástrofe ambiental que afetou o RS como um todo, e que já foi comentada nesta coluna. Pois bem, entre as demandas do MST se incluem “o reassentamento das famílias atingidas pelas enchentes e a utilização daquelas áreas hoje degradadas como reservas ambientais APPs (Áreas de Proteção Permanente), destinadas à minimização de danos/contenção de futuras inundações”. Eles pedem apoio de crédito e fortalecimento a instrumentos de políticas públicas que permitam à agricultura familiar dar respostas robustas à necessária produção de alimentos saudáveis neste país, com proteção ambiental e valorização de serviços ecossistêmicos proporcionados pela natureza.
Não se trata de coisa pequena, mas a população urbana parece alheia à isso.
Assim como parece haver desconhecimento quanto às ações do governo federal que apenas no ano passado permitiram que quase 15 milhões de pessoas deixassem de passar fome neste país. Não se trata de propaganda, esta é uma interpretação da FAO (Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial) e com certeza se trata de um passo gigantesco, mas ainda insuficiente. E também corresponde a um drama que, embora tenha se agigantado entre nós durante o triste período das gestões Temer/Bolsonaro, não é exclusivo do Brasil.
Isso é assim porque, como o presidente Lula afirmou, na reunião do G20, o mundo parece pouco ciente do fato de que A FOME DECORRE DE OPÇÕES POLÍTICAS. Portanto, a superação da fome exige, para além de ações locais, do esforço de cada um/a, que se construa verdadeira Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Portanto, se trata de algo relacionado às decisões quanto à alocação de recursos.
Então, entende-se que com esta orientação política do presidente, nosso ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), defenda a taxação dos mais ricos como forma de financiar o combate à fome. Evidentemente no plano interno precisamos que o teto de gastos e os juros do Banco Central também sejam revistos.
Mas voltando ao ponto anterior, é necessário que a sociedade tome ciência a respeito dos argumentos para a taxação dos mais ricos. Haddad informa que tão somente um imposto de 2% sobre as fortunas já alavancaria a capacidade de investimentos da ordem de pelo menos US$ 200 bilhões por ano (ele fala em até US$ 250 bi/ano, em nível global). E vai além, lembrando que isso seria ampliado se os super-ricos pagassem impostos compatíveis com a posição que ocupam, na pirâmide da injustiça social. Impostos progressivos e não regressivos em relação à renda, é o que ele defende.
Parece óbvio, não é mesmo? Então, por que a sociedade não está se manifestando nas ruas, em apoio a isso? Por que não quer, por que considera errado o fato do ministro da Fazenda propor taxação dos mais ricos, ou por que não tem ciência a respeito do que está em jogo?
E sem isso, de onde virão os recursos para a produção de alimentos limpos, coisa de que todos necessitamos e que o MST reclama?
Vejamos outro tema correlato e pouco difundido ou mesmo distorcido, nas grandes mídias: nesta mesma semana a pesquisadora Larissa Bombardi fez novo lançamento de seu mais recente livro sobre os impactos dos agrotóxicos e aquilo que ela classificou como colonialismo químico. Ela mostra que para manter a saúde de empresas trilionárias que produzem agrotóxicos na Europa, os brasileiros estão sendo envenenados e que isso revela a existência de uma espécie de escravidão que nos coloca em condição sub-humana.
Por que nosso povo aceita isso? Mais uma vez, creio eu, porque não está ciente dos fatos e de suas implicações.
E aqui vale uma referência aos que dominam as grandes redes de comunicação e sua influência sobre os representantes da sociedade que ocupam cadeiras no Congresso Federal. Porque, sem dúvida, é lá que se encastela a defesa daqueles interesses que impedem o avanço da democracia e das políticas voltadas à redução das injustiças neste país. É lá que estão representados os grupos que pretendem criminalizar os sem-terra, desmontar legislações ambientais, fazer passar as boiadas, etc. e tal.
As pressões daquelas bancadas do boi, da bala, da bíblia, da “bola”, sobre o governo e o controle que aqueles coletivos exercem sobre o Ministério da Agricultura explicam o fato de que o mesmo governo que se manifesta contra a fome e em defesa da produção de alimentos saudáveis, tenha aprovado, em 2023, mais 555 “novos” agrotóxicos. Alguém ouviu falar de algum problema “novo” na agricultura? Ou lembra da retirada de mercado de algum agrotóxico “velho”? Adianto aqui, NÃO EXISTEM MOLÉCULAS NOVAS, de agrotóxicos. O que estamos vendo na grande maioria destas aprovações são reedições e recombinações de venenos antigos, que carregam para vendas no Brasil inclusive muitas drogas que estão sendo proibidas na Europa.
Por que isso ocorre?
Aparentemente, porque não há democratização da “ciência” a respeito do que está acontecendo, o que elege pessoas que fazem valer vontades políticas que lutam em favor das doenças, da fome, da deturpação do sistema democrático representativo.
A título de quase piada, mas com fundamento científico, vejam que nesta semana tivemos acesso a publicação técnica em revista em inglês, portanto internacionalmente relevante, dando conta de que os tubarões brasileiros apresentam elevado teor de cocaína nos músculos e no fígado. A droga está na água, os animais pequenos ingerem, os maiores comem os menores e o tubarão, no topo da cadeia, concentra a droga. Que mal ela faz para os tubarões, ou para quem come filé de cação? Isso os cientistas não pesquisaram. Mas todos sabemos, tem a ver com o cérebro, e tem a ver com outros tubarões de colarinho branco. Tem a ver com aeroportos privados, helicópteros de cocaína, tem a ver com lideranças do golpe contra Dilma Rousseff, parece ter a ver com lideranças do agronegócio e inclusive com viagens internacionais de comitiva do ex-presidente Bolsonaro. Tem a ver com os golpistas.
Por isso, e dado que estamos perto de eleições importantes, esta coluna volta a chamar atenção para o papel de cada um de nós em esforço coletivo, indispensável a todos, para que vereadores e prefeitos eleitos em outubro não tenham relação de dependência e parceria com aqueles grupos que dificultam investimentos voltados à produção de alimentos limpos, que destroem serviços ecossistêmicos naturais, que bloqueiam avanços na arrecadação pública, que estimulam o envenenamento de todos e, agora sabemos, são responsáveis pelo vício de tubarões de todo o tipo.
Uma música, em inglês, língua dos que se pensam donos do nosso destino: Cocaine, de Eric Clapton.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko