Na última quinta-feira (25), o ministro da Secretaria Extraordinária de Apoio à Reconstrução, Paulo Pimenta, reuniu-se com representantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) para discutir as demandas das comunidades afetadas pelas enchentes no Rio Grande do Sul. A audiência contou com a presença de lideranças da Região Metropolitana de Porto Alegre e do Vale do Taquari.
Durante o encontro, foi apresentada ao governo a "Pauta dos Atingidos pelas Enchentes no Rio Grande do Sul", um documento que lista dez reivindicações, com destaque para o reassentamento das comunidades destruídas pela enchente, a alocação de recursos para reforma das moradias e a melhoria do sistema de proteção contra cheias.
"Nós achamos que temos um papel importante conjunto com o governo para mudar a correlação de forças no Rio Grande do Sul. Nós somos parceiros do governo, mas nós temos um papel que é a organização popular. Nosso papel de movimento social é a organização popular e é nisso que a gente tem estado", afirmou Alexania Rossato, da Coordenação Nacional do MAB.
Discussões e compromissos
O ministro Paulo Pimenta reconheceu o trabalho do MAB na organização popular e assegurou apoio às pautas emergenciais. Ele destacou a importância de viabilizar um programa de segurança para os atingidos, manifestando grande preocupação com as moradias destruídas. Segundo Pimenta, existem recursos federais disponíveis, mas as normas legislativas frequentemente dificultam a agilidade na sua aplicação.
"Foi uma das grandes lacunas dos nossos governos, que é exatamente poder organizar a base social, que muitas vezes, inclusive, é um ponto alto das nossas políticas. Eu não tenho dúvida de que, se a gente fizer um balanço do governo Lula, da Dilma, a gente vai ver que talvez tenha sido a grande falha que a gente teve", afirmou o ministro.
Pimenta assumiu o compromisso de abrir caminhos para os reassentamentos urbanos através do trabalho das entidades envolvidas. O movimento reivindicou uma nova rodada de diálogo para avançar nas proposições apresentadas.
Prioridades destacadas pelo MAB
Djeison Diedrich, uma das lideranças do MAB no Vale do Taquari, ressaltou a necessidade de sustentar a reforma e manutenção dos diques com participação comunitária. "Nós achamos que a prioridade número um é essa questão da segurança. Se nós não tivermos o povo organizado, o povo não tem força para pressionar o prefeito para reformar as estruturas", enfatizou.
Cerca de 1.000 famílias organizadas pelo MAB no Vale do Taquari pedem por mais participação nos espaços que debatem sobre a crise climática na região. Um ambiente a ser considerado é a mesa de discussão aberta recentemente pelo Ministério Público Federal (MPF) para tratar da implementação de um plano de prevenção a eventos climáticos. Por isso, o MPF entrou com uma ação civil pública estrutural contra a União, o Estado e mais de nove municípios do Vale do Taquari.
O processo está tramitando na 1ª Vara Federal de Lajeado e teve, na última segunda-feira (22), a primeira audiência de conciliação para discutir a entrada de mais um participante no processo: os próprios atingidos. Juridicamente quem representa os atingidos é a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (ANAB).
Entre as reivindicações apresentadas pelo MAB estão o reassentamento digno das famílias em áreas de risco e um processo de construção que respeite a cultura local e medidas para combater a insegurança alimentar. O movimento também destacou a importância da manutenção das cozinhas solidárias e a distribuição de cestas de alimentos para os atingidos.
Leia o documento na íntegra:
"O Movimento dos Atingidos solicita forte apoio do Estado brasileiro e governos com destinação de recursos públicos, e que todas as entidades e empresas públicas de nossos municípios, estado e país dediquem centralidade para reconstruir e alcançar condições pelo menos equivalentes aquelas que tínhamos antes da enchente. Que todas as ações de união e reconstrução do Rio Grande do Sul tenham ampla participação popular, pois nosso Movimento possui experiência e compromisso em trabalhar de forma organizada e eficiente, conquistando com isso elevação do nível econômico e cultural de nosso povo. Que se respeite a centralidade do sofrimento das vítimas, assim deve ser considerado o protagonismo dos atingidos com vistas às iniciativas de reparação e de prevenção/redução de ocorrência de fatos danosos semelhantes. Que se estabeleça um canal fluente de diálogo entre os Governos e as organizações populares, sindicais e comunitárias.
PAUTA EMERGENCIAL
1. Cozinhas Solidárias até final de 2024 (se necessário): Que os governos garantam integralmente o custeio para funcionamento das cozinhas solidária de emergência, com perspectiva de atendimento até final de 2024. As condições necessárias são: a) fornecimento de insumos para produção das refeições; b) proteína animal; c) gás e combustível; d) embalagens/utensílios; e) ajuda de custo para o trabalho dos voluntários. A demanda: O Movimento solicita recursos para o custeio total da produção diária de 1500 refeições, que estão sendo distribuídas nas várias regiões atingidas.
2. Fornecimento de Cestas de Alimentos e Kit de Higiene: Que seja garantido para cada família atingida o fornecimento de cestas de alimentos e kit de higiene a serem distribuídos nos próximos meses. A demanda: O Movimento solicita a liberação de um total de 3.710 cestas de alimentos. Sendo que para região do Vale do Taquari são 960 e para a região metropolitana de Porto Alegre são 2.750 unidades.
3. Auxílio Emergencial: Governo Lula R$ 5.100,00 e Governo do Estado R$ 2.500,00. Garantir que todas as unidades familiares recebam o valor integral, para isso precisa iniciativas de transparência e informação aos atingidos com publicação de cadastro dos aptos; orientação das pessoas para acessar; análise dos casos pendentes; equipes de trabalho suficientes nas comunidades para cadastramento; inclusão de novas pessoas; e mobilização por novas parcelas (ver demanda abaixo).
4. Isenção do pagamento das taxas e tarifas de luz e água para unidades atingidas: A demanda: Que todas as famílias atingidas sejam isentadas do pagamento de conta mensal de água e energia elétrica pelo prazo mínimo de seis meses.
5. Limpeza de todas as ruas e vias de acesso: Que se intensifique o recolhimento e a retirada de todo entulho e lixo ainda acumulado nas ruas que foram alagadas. Que as prefeituras façam a completa remoção para deixar todas as ruas e locais dos depósitos em condição de normalidade. A demanda: Que sejam, a partir da organização dos grupos de atingidos de cada comunidade, bairro, rua, realizado a contratação dos próprios moradores para limpeza, lavagem, pintura, reflorestamento das respectivas áreas destruídas, assim como a limpeza e higienização de prédios públicos.
6. Reconstrução dos espaços e estruturas de saúde pública, escolas e creches: Que os governos tomem iniciativas para limpeza completa e reabertura imediata dos espaços e estruturas de atendimento do sistema de saúde pública (UBS, UPAs, farmácias básicas e hospitais), e todas as escolas e creches das localidades atingidas. Também solicitamos a ampliação e contratação de profissionais específicos para o atendimento das particularidades sanitárias geradas com o desastre dos alagamentos, com distribuição de medicamentos gratuitos, etc.
PAUTA DE CURTO PRAZO
7. Moradia nova: adequada, segura e saudável: As informações publicadas pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) indicam que 112 mil moradias foram afetadas, sendo 10 mil completamente destruídas. Em muitos municípios, particularmente no Vale do Taquari, é necessário iniciativas para o reassentamento das comunidades atingidas, com tamanho adequado, em local saudável e seguro. A demanda: No Vale do Taquari o MAB possui uma lista para reassentamento de 960 famílias. Para o reassentamento, reivindicamos:
7.1) Que em cada município os governos apresentem aos Grupos de Atingidos a opção de escolha prévia de áreas de terra para o futuro reassentamento. E para sua aquisição, se necessário, se adote “Desapropriação por Utilidade Pública”.
7.2) Que o governo garanta o custeio com recursos públicos para construção das novas moradias e que os valores tenham o caráter não reembolsável.
7.3) Que as condições de moradia ofereçam a opção de reparação da situação anterior quanto às dimensões e qualidade da edificação.
7.4) Que se garantam aos Grupos Atingidos as condições para prévia discussão e aprovação do Projeto de Reassentamento, nele incluído localização, identificação e tamanho de lotes, infraestrutura de uso coletivo como escolas, praças, áreas arborizadas e unidades de saúde, escolha e forma de distribuição dos lotes, entre outros.
7.5) Garantir realização de cadastro e acesso público da relação completa de todas famílias com potencial a ser reassentado em local saudável e seguro. E para os Grupos de Atingidos não contemplados, que se garanta o direito de reparação via consulta pública local.
7.6) Que se garanta a contratação de equipe de trabalho técnico, jurídico e de apoio na construção do reassentamento, por meio de convênio com entidade jurídica indicada pelas famílias.
7.7) Que na reconstrução sejam criadas frentes de trabalho organizadas pelos Grupos de Atingidos com garantia de pagamento de valor mínimo pelo governo embutido nos valores do que for reconstruído, como forma de geração de trabalho e renda para as famílias atingidas.
7.8) Que nenhuma família seja obrigada abrir mão de seus lotes e áreas situadas em regiões de risco, sem que antes estejam estabelecidas em local seguro e saudável.
7.9) Que sejam anistiados a totalidade do saldo devedor de financiamento habitacional casas e outros imóveis atingidos pelas enchentes.
8. Moradia reformada: Que os governos garantam recurso público para reforma das moradias. Para todas as unidades familiares que retornarão para as suas moradias de origem deverá ser garantido um valor não reembolsável de R$ 15.200,00 para reforma. Os recursos serão utilizados para uso preferencial de reparação de paredes, pisos, tetos, coberturas, pinturas, encanamentos, contratação de mão-de-obra, cercas de proteção, troca de fiações, luminárias, registros, entre outros. Estes recursos poderão ser utilizados mediante processos de autogestão. A demanda: A composição do valor de R$ 15.200 solicitamos que sejam duas parcelas de R$ 5.100 do Governo Federal e duas de R$ 2.500 do governo estadual.
9. Crédito para aquisição de móveis: Que se garanta recursos para aquisição de móveis para a mobília das moradias. Que os valores sejam utilizados preferencialmente para aquisição fogão e botijão, mesas e cadeiras, camas e colchão, pia, geladeira, TV e sofá, roupeiros, máquina de lavar, acessórios, etc. A demanda: que sejam realizadas três parcelas de R$ 5.100 do Governo Federal.
PAUTA DE MÉDIO E LONGO PRAZO
10. Para proteção das comunidades atingidas:
10.1- Reformar o que estragou: para que o Sistema de Proteção esteja em pleno funcionamento para prevenir ou reduzir a ocorrência de fatos danosos semelhantes.
10.2- Ampliar e modernizar o sistema de proteção contra cheias, adaptado às características da nova realidade climática e capaz de alcançar todos os municípios da região metropolitana.
10.3- Desenvolver programa de educação ambiental junto às famílias atingidas. Criar um Programa Específico de trabalho de educação sobre os impactos aos atingidos, com amplo trabalho de educação ambiental, saúde, saneamento e habitação nos municípios atingidos, particularmente nas regiões de alagamento e locais ribeirinhos a diques, arroios e canais de escoamento.
10.4- Retirar e reassentar todas as famílias das áreas de risco.
10.5- Recuperar e revitalizar as áreas de preservação e espaços de uso público.
10.6- Desenvolver um plano para revitalizar o reservatório da barragem da Lomba do Sabão e seu entorno como a reserva estratégica de água potável de Porto Alegre e protegendo as famílias que moram naquela região.
10.7- Vigilância comunitária: apoiar a organização e a participação dos atingidos na fiscalização das estruturas de proteção contra cheias (diques, comportas, estações de bombeamento, canais de drenagem urbana, arroios, etc) e orientar as comunidades para práticas de colaboração para o bom funcionamento das estruturas e governança pública do sistema.
10.8- Desenvolver um sistema especial de proteção e segurança dos atingidos e moradores em risco: Tal iniciativa deve fortalecer ações de mapeamento e monitoramento das situações de maior risco, garantindo informação suficiente, adequada e confiável, no momento e local apropriados, para orientar adequadamente os procedimentos de defesa em situação de urgência, garantido a evacuação e proteção das famílias nas sedes urbanas e ou comunidades rurais em risco, sem perdas de vidas e pertences.
10.9- Criar uma estrutura integrada de governança pública do sistema com adequada reposição de trabalhadores e estruturas para o trabalho de operação e manutenção do sistema."
Edição: Katia Marko