O anúncio dos nomes das cinco personalidades que receberão as homenagens voltadas aos profissionais do audiovisual gaúcho no 52º Festival de Cinema de Gramado trouxe, nesta terça-feira (23), profissionais bastante representativos de suas atuações e admirados pelos seus pares. Um deles ficou sabendo da distinção pela reportagem, outro guarda o segredo por quase um mês.
A homenagem com Troféu Sirmar Antunes a Álvaro RosaCosta, em parceria com a Assembleia Legislativa, ocorrerá no dia 11 de agosto, durante a cerimônia de premiação da mostra dos curtas gaúchos. Já o Troféu Leonardo Machado e os Prêmios Iecine serão destinados aos agraciados na noite de 16 de agosto, durante a entrega dos Kikitos aos longas gaúchos.
Entregue desde 2023, o Troféu Sirmar Antunes carrega o nome de um dos mais emblemáticos atores desses pagos. Concedido pela primeira vez à atriz Vera Lopes, neste ano, a honraria será entregue a RosaCosta, reconhecido e premiado nas áreas das artes cênicas, música e audiovisual.
Seu nome foi uma escolha da comissão de seleção responsável também pela curadoria dos curtas gaúchos na concorrência do Prêmio Assembleia Legislativa/RS. Encabeçada pela cineasta Ellen Corrêa, a indicação ainda teve o aval da produtora Mêmis Muller, da roteirista Melina Guterres, do crítico Roberto Cotta e do realizador Diego Tafarel.
O artista tem carreira sólida como ator de teatro e cinema e é um dos profissionais mais requisitados na composição de música para o teatro, com produção internacional. Recebeu o prêmio da 15ª Edição da Quadrienal de Praga, representando o Brasil por seu trabalho de criação musical para os palcos. No teatro, acumula cinco prêmios Açorianos e cinco prêmios Tibicuera, concedidos pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.
Diversidade em atitudes concretas
Álvaro RosaCosta fez papéis em filmes importantes produzidos no estado, entre eles “Netto Perde sua Alma”, “Tolerância”, “Houve uma Vez Dois Verões” e “Meu Tio Matou um Cara”. Na sétima arte, o artista conquistou dois prêmios Assembleia Legislativa de Cinema, recebidos no 49º Festival de Gramado.
Depois de passar o dia todo de 25 de junho último tentando contato, a realizadora Ellen Corrêa telefonou para o ator à noite. “Ela é a roteirista e diretora que ganhou a mostra no ano passado e fazia parte da seleção desta edição. Me ligou para contar que meu nome foi indicado para receber o Prêmio Sirmar Antunes. Que honra!”, recorda o artista. “Eu obviamente citei a pessoa que era uma referência e era amigo do Sirmar. Fiquei muito feliz com essa escolha”, afirma a cineasta sobre a batida de martelo.
“Sou de um tempo que se fazia pouquíssimo cinema. Comecei no profissional com a Lisiane Cohen. Até por isso, nesta semana, me obriguei a ir botando imagens que acho do cinema no Instagram... Porque é muito estranho estar em uma trajetória de cinema e pensar: ‘Não é possível, tem que ter muito mais gente na minha frente’... Ainda bem que a gente está em um momento agora de diversidade bem grande. Acho que a gente tem que agarrar isso com unhas e dentes e fazer isso render muito!”, narra RosaCosta.
Na sua opinião, a fase atual é resultado da atuação do saudoso e veterano ator: “Isso a gente deve muito ao papel do Sirmar, não só como artista, mas como provocador, como alguém que tá lá dentro, no mecanismo, na instituição do Cinema gaúcho, e ele puxa a gente. Ele puxou a Vera, eu, de certa forma também”. O profissional premiado explica que a primeira vez que viu Sirmar na tela foi em “Lua de Outubro” e ficou impressionado com a atuação, dizendo: “Bah, que bom, um ator negro e tri bom!”.
Depois disso, RosaCosta foi fazer um teste para um filme. “Entre 300 pessoas, fui escolhido. Quando chego no ensaio, na sala está aquele cara que vi no cinema admirado e o Anderson Simões, que ia fazer o Milonga no ‘Netto perde sua Alma’. Meu teste presencial era com os dois, e de improviso!”
O jovem resolveu confirmar com o ator experiente se ele era o mesmo do longa dirigido por Henrique Freitas Lima e ainda perguntou se era gaúcho: “Me respondeu que sim, que fazia teatro. E aí começou uma amizade mais de set do que propriamente de vida. Os filmes em que trabalhamos juntos me marcaram muito pela postura, pela ética dele. Eu admirava muito ele dentro daquela turma e tendo voz, tendo atitude”.
Essa percepção o artista justifica narrando um causo das filmagens do título de Tabajara Ruas e Beto Souza. “Uma coisa que nunca me sai da memória é de Uruguaiana, eram 300 cavaleiros, porque os diretores aproveitaram os festejos farroupilhas para fazer a gravação daquele embate.”
RosaCosta e João Máximo estavam em cima dos cavalos, na quarta fila da formação. Mesmo afônico, Sirmar gritou: “Para, para! Esses dois aí são atores, eles têm que estar na frente, na primeira fila”. Neste momento, Álvaro lembra que gelou, mas constatou: “Poxa, ele está parando todo o set de gravação por nossa causa. Quando crescer, quero ser esse cara, que tem consciência, voz ativa e o respeito de todos. Estava ali pensando no trabalho e pensando na gente. Aí a produção parou de rodar, ainda em película, imagina, e nos colocou na fileira dos coadjuvantes. Isso é só um detalhe da grandeza do Sirmar”.
O intérprete, nesta edição, ainda concorre com o curta “A um gole da eternidade”, na Mostra Gaúcha, em que o seu papel foi escrito originalmente para o veterano ator. “Recebi o convite de fazer esse protagonista da Camila de Moraes e do pai dela, o baiano Paulo Ricardo, que era amigão do Sirmar. A meses da gravação, ocorreu a perda dele. É o primeiro roteiro dele filmado, me arrepiou. Raramente me emociono”, relata.
Até sua esposa, a também artista Simone Rasslan, estranhou e indagou se ele estava chorando: “E respondi: ‘Acho que sim, porque olha o que está acontecendo, alguém viu o nosso trabalho!’ E esse troféu tem relação direta com Sirmar, não poderia ser outro prêmio!”.
RosaCosta admite estar preocupado, além de emocionado, com o tamanho dessa responsabilidade: “Sei que o que o Sirmar passou pra a gente a gente tenta diariamente botar em prática, porque é o que a gente precisa. Não precisamos mais de textos antirracistas, precisamos de atitudes, de movimento concreto. É isso que eu acredito e acredito que o Sirmar, principalmente”.
Os sentimentos ficaram ainda mais aflorados, após o telefonema da noite de 25 de junho, por ter que ficar em silêncio, não poder contar pra ninguém até o anúncio. “Nem foto eu tinha! Não tenho nem roupa pra um prêmio desse”, brincou. “E aí fui no Tom Peres, que é um parceirão, e ele me ajudou a produzir algumas imagens.”
Celebração dos afetos em cena e no palco
Em memória do ator gaúcho e apresentador do Festival de Gramado, o Troféu Leonardo Machado premia um ator, atriz ou técnico do audiovisual gaúcho, tendo como critério o histórico de realizações e contribuições ao desenvolvimento do setor no estado. Na 52ª edição do evento, será entregue ao ator e diretor porto-alegrense Nelson Diniz.
Com mais de 60 trabalhos realizados nas telonas, ele começou no cinema com o clássico gaúcho “Anahy de Las Missiones”. Diniz é conhecido pelo seu trabalho na minissérie “A Casa das Sete Mulheres” e nos filmes “Um Estrangeiro Em Porto Alegre”, “Fogo”, “Amores Passageiros”, “Tolerância”, “Netto Perde a Sua Alma”, “Sal de Prata”, “Em Teu Nome”, “A Oeste do Fim do Mundo”, “Mercado de Notícias”, “Yonlu”, “Morto Não Fala” e “Casa Vazia”. Dirigiu os curtas “A Domicílio”, “Carreira”, “Veraneio” e “Adereços”, assinando também o roteiro.
“É uma emoção, é lindo demais, um carinho superespecial. Essas coisas dão um afago no coração, ainda mais se tratando de uma homenagem associada ao nome do Leozinho, que para mim foi um grande amigo, parceiro no cinema.” Diniz justifica estar emocionado por julgar que esta é uma resposta da própria vida, do que construiu até agora.
Ele recorda que a sua história no cinema passa muito por Gramado e avalia que essa conjunção de fatores forma um afeto enorme em todos os sentidos, profissional e pessoal, que sempre faz bem: “E não só de reconhecimento. Eu ser lembrado para este tipo de homenagem é um olhar que me emociona muito”.
O ator desculpou-se por se enrolar com as palavras e se atrapalhar para dar um depoimento sobre a distinção, “mas isso faz parte também de estar recebendo isso e ver como toda essa emoção cabe no peito”. Diniz ainda considera bonito o fato de Álvaro RosaCosta, seu grande parceiro de trabalho, receber o Troféu Sirmar Antunes, que também era um grande companheiro, um amigo enorme que teve também no audiovisual. “Une tudo isso, e as emoções acumulam, se tornam muito consistentes”, conclui.
IECINE reconhece produtora com Prêmio Inovação
Desde 2021, em parceria com a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), por meio do Instituto Estadual de Cinema (IECINE), o festival promove uma premiação especial a profissionais, entidades e ações que contribuíram para o fazer audiovisual no estado. E, pela primeira vez, os Prêmios IECINE serão divididos em três categorias: Legado, Inovação e Destaque.
Os homenageados foram escolhidos por uma comissão composta por Alice Urbim (jornalista), Renato Dornelles (jornalista, escritor, produtor, diretor e roteirista) e Ivonete Pinto (jornalista e crítica de cinema).
Aletéia Selonk, sócia-diretora e incansável produtora executiva da Okna Produções, é o nome escolhido para o Prêmio Inovação. “Recebi a notícia primeiramente com surpresa, pois me acompanha sempre aquela sensação de que há tanto pra fazer pela frente!”, conta.
No entanto, a realizadora diz que logo conseguiu pular de felicidade: “Afinal, é sempre muito alegre, e com gratidão no coração, que sentimos o reconhecimento de uma trajetória, e agora da minha trajetória. Uma menção direcionada à Inovação demonstra que minha atuação e dedicação à produção, à formação, à pesquisa, ao arranjo produtivo local como um todo, alcança seu impacto e de forma positiva”.
A produtora é figurinha carimbada, anualmente, no evento da Serra Gaúcha: “O Festival de Gramado é um espaço muito especial pra mim e que está na minha vida desde sempre, desde a adolescente Aletéia que acompanhava de longe as críticas e matérias, e, posteriormente, se tornou um espaço de encontro e crescimento”.
Ela ainda concorre em Gramado nesta edição com o curta “Pastrana” (que estreou no Festival de Tribeca) na mostra gaúcha e com “Até que a música pare” (exibido na Mostra de SP e Festival do Rio), da diretora Cristiane Oliveira, entre os longas do RS. Outra produção da Okna, “Uma Carta para Papai Noel” – que estreou no final do ano passado – está na Mostra de Filmes Acessíveis, fora de competição. “Mas é sempre bom encontrar o público”, finaliza Aletéia.
Membro do Macumba Lab recebe Destaque
O Prêmio Destaque será entregue a Alexandre Mattos Meireles, membro-fundador da Moviola Filmes e parte do Macumba Lab – Coletivo de Profissionais Negres do audiovisual do RS.
Nome forte do setor gaúcho, o integrante pelotense do coletivo Macumba Lab ainda é roteirista, diretor, ator e produtor de videoclipes e títulos em curta-metragem. Neste ano, fez a direção de produção do longa “Passaporte Memória” (Atama Filmes) na cidade do Sul do estado.
Alexandre considera que falar de si é sempre difícil e fez questão de dividir a indicação à premiação com os parceiros da produção audiovisual: “É uma alegria, e um prêmio também dá mais entusiasmo pra gente. Ao mesmo tempo, divido com os meus colegas que fazem cinema comigo aqui em Pelotas, com os colegas do Macumba Lab e com a galera da APTC (Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos), que também já fiz parte da diretoria. Entendo que cada tijolinho desses, que em cada passo novo que a gente vai dando acaba conhecendo pessoas novas que te fazem crescer”.
O artista agradeceu ao festival e a comissão de seleção que indicou seu nome: “É claro que isso também não deixa de ser uma vitória para um realizador preto. A gente sempre está em busca e à procura de melhores condições de trabalho. De oportunidades de trabalho, na verdade, para pessoas pretas dentro do audiovisual. A gente sabe que isso é uma batalha que a gente ainda vai demorar muito para igualar, mas acho que a gente está no caminho certo, através de informação, de conhecimento. Costumo dizer que o Macumba Lab é um espaço de afetos e de oportunidades de trabalho e de aprendizado. É importante abraçar meus colegas do Macumba Lab e dividir essa premiação com eles”.
O cineasta ainda comentou a felicidade de poder tentar “espalhar as ideias” do coletivo em Gramado, por ser um festival de projeção nacional e internacional.
Animação ganha o foco da distinção “Legado”
Diretor, produtor e animador com mais de quatro décadas de trabalho no audiovisual, José Maia é o destinatário do Prêmio Legado. Em 2017, quando o parceiro de longa data Otto Guerra foi homenageado com o Eduardo Abelin, Maia foi a pessoa convidada para entregar o troféu em mãos. Agora, os holofotes vão para ele, merecidamente!
“Nossa, é uma tremenda honra. São mais de 40 anos de trabalho em prol do cinema de animação brasileiro”, exclamou o realizador, surpreso, perguntando se a informação era verídica e não mais uma piada de Otto.
Maia completou a avaliação deste momento: “Receber um prêmio com o nome de ‘Legado’, além da honra, me fez refletir sobre minha trajetória no cinema de animação, pois, desde o início dos anos 1980, fazer desenho animado no Sul do país era enfrentar muita descrença e hoje vejo com alegria uma outra realidade. Eu acredito, sigo acreditando, nas possibilidades de expressão do cinema de animação. Atualmente, um dos meus prazeres, além de animar, é poder ajudar na formação de novos animadores que trabalham aqui e fora do Brasil”.
Edição: Katia Marko