Rio Grande do Sul

Coluna

Agrofloresta Sintrópica: O Potencial Latino-Americano para Sustentabilidade Global

Imagem de perfil do Colunistaesd
Encontros e cursos buscam promover o desenvolvimento agroecológico de unidades de produção agrícolas, aproximar pessoas da realidade do campo e retomar a presença humana na terra - Foto: João Régis e Thaís Plech
Precisamos propagar a integração e biodiversidade dos sistemas alimentares e ambientais

O planeta Terra é um imenso organismo vivo, que "come" sol para produzir matéria, principalmente através dos seres vegetais, que por sua vez se conectam à toda a vida, através de sua influência ambiental positiva.

Sintropia é uma palavra utilizada em áreas como a ecologia, a biologia e até mesmo em contextos filosóficos. Refere-se, em geral, à tendência de sistemas ou processos naturais de se organizarem de forma integrada a outros sistemas, gerando energia em harmonia. É o oposto de entropia, que descreve a tendência dos sistemas fechados de se desorganizarem e perder energia ao longo do tempo.

Vivenciar o atual estado de crise ambiental no planeta, o aumento das áreas em desertificação nos continentes, incêndios, inundações, falta de água e alimento para as populações mais pobres, sugere que um caos sistematizado tenha sido estabelecido pela própria humanidade, que blindada em paradigmas financeiros, segue em decadência.

Se voltarmos nossa atenção a uma floresta, podemos testemunhar o potencial diário de regeneração da vida através de infinitas plantas que se auto propagam, ocupando e transformando áreas, de forma sucessional e organizada para cumprir funções específicas da sua espécie, mas também relacionadas sintropicamente a outros reinos, criando condições favoráveis para o surgimento da água e da biodiversidade. 

Há décadas o continente latino-americano vem sofrendo duros golpes que viabilizam o avanço das fronteiras agrícolas em favor das multinacionais do Agronegócio, que buscam, em territórios do Sul global, áreas de exploração para o desenvolvimento econômico dos países do Norte. A liberação de agrotóxicos proibidos em outras partes do mundo, o aumento da produção de transgênicos, a perseguição aos povos indígenas e quilombolas e a falta de políticas públicas que restabeleçam biomas no Brasil, são alguns exemplos do poder de influência e devastação destes grupos Neocolonizadores.  

Seremos nós, latino-americanos, apenas testemunhas de um permanente processo de colonização da vida, baseado em teorias financeiras que desertificam a terra? Ou será que temos condições de aprender com a sabedoria da terra, a regenerar o que foi destruído e propagar a integração e biodiversidade dos sistemas alimentares e ambientais?

Em terras latinas, agrônomos, biólogos, funcionários públicos, camponeses, indígenas, quilombolas, empresários, médicos e agricultores, inspirados em Ernst Götsch, já desenvolvem experimentos em pequena e média escala há anos e articulam-se através de redes, coletivos, instituições públicas e privadas.

Encontros e cursos sobre o assunto são realizados com diversos professores para difundir os saberes por trás desta filosofia, promover o desenvolvimento agroecológico de unidades de produção agrícolas, aproximar pessoas da realidade do campo e retomar a presença humana na terra.


Curso em Campina Grande do Sul, no Paraná, reuniu pessoas de diferentes partes do Brasil na Comunidade Campesina do Movimento Nación Pachamama / Foto: Claudia Soraya

A exemplo disso, nos dias 13 e 14 de julho, em Campina Grande do Sul, no Paraná, pessoas de diferentes partes do Brasil se reuniram na Comunidade Campesina do Movimento Nación Pachamama para reavivar o sonho de cultivar a terra, que por muitas vezes acaba sendo frustrado por não encontrar eco na nossa civilização atual, como nos conta Daniel Pankievicz, Funcionário Público, Curitiba-PR.

"Eu vim neste curso em busca de me conectar com pessoas da região, porque nos últimos anos eu tenho atuado sozinho, no meio de agricultores convencionais com aquele estigma de ser maluco, por estar fazendo algo completamente diferente, por estar plantando araucária, que é uma árvore que eles avaliam como um problema que inviabiliza qualquer outra cultura no terreno, então vim em busca do conhecimento que o curso pode trazer pra gente, através da sabedoria e experiência prática do Professor Juã Pereira.”

Encontrar pessoas e grupos que já estão nesse caminho fortalece os indivíduos que também querem participar, se sentem tocados pela terra, mas que não sabem muito bem por onde começar, ou mesmo, estão tão enraizados nas cidades, que compartilhar a terra através de mutirões em espaços de outras pessoas já lhes agrega propósito à vida. 

Como nos revela o relato acima, como humanidade nosso grande desafio tem sido justamente recuperar o cultivo de maneira harmoniosa, sentindo esse ser vivo ancestral que é a Terra, um organismo vivo dotado de autonomia, e que depende de nós nos abrirmos para podermos aprender infinitamente mais com Ela se nos dermos a permissão de somente observá-la. Podemos escolher nos aliar a Ela e voltar a criar Oásis em todo o planeta ou podemos perecer em enchentes, derreter de calor e em questão de poucos anos desertificar o solo e morrer de fome.

Para romper com as lógicas construídas e cristalizadas dentro de nós mesmos que dão continuidade a esses sistemas de cultivo é preciso limpar o olhar e voltar a ver a beleza de cada elemento presente em meio ao plantio. Caetano, de 9 anos, em seu momento de diversão conseguiu representar a dinâmica da Agrofloresta, onde cada um ocupa sua posição e cumpre com uma missão singular conectada ao propósito grupal da floresta (vide imagem). A imensidão da Araucária se complementa com a pequena erva-mate, os cítricos adoçam e colorem de amarelo a paisagem e trazem vitaminas fundamentais aos seres humanos no inverno, os cogumelos tecem redes invisíveis, ativam hormônios, comem a vida e são comidos por ela, formigas e cupins sagrados, não estão atrapalhando, mas sim otimizando e gerando o movimento que reequilibra o todo.


Desenho de Caetano, 9 anos, de uma agrofloresta / Foto: Arquivo Pessoal

Soraya Molina, residente da Comunidade Campesina Nhanderu’ete, onde aconteceu o Curso de Agrofloresta Sintrópica com o Professor Juã Pereira, compartilha seu alento e esperança:

“Sentir a vida que brota da vida e tornar esse um momento sagrado por si só… depois dessa Odisséia no Sagrado Solo de Nhanderu, mais uma vez a própria vida responde a qualquer dúvida que eu possa ter. Sim é possível semear... sim é possível plantar, sim, é possível o impossível se saímos da passividade e nos colocamos à Servir, não esperando resultados e sim nos colocando a servir... para isto estamos, nada mais... somos servidores e temos sementes de inspiração!”

* Chaski Aguilar, ativista e Agroflorestor pela Ong Pachamama.

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko